segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Tempo de Natal

Desde que Jesus nasceu em Belém, o mundo se tornou também casa de Deus.
A luz divina lentamente ilumina os seres humanos e os ecossistemas, em relação de interdependência.
Dá novo sentido à evolução do cosmos e a história, com suas belezas, ambiguidades e riscos.
Viva a Luz amorosa, com cheiro e cor de Ternura!
Feliz tempo de Natal!
Afonso Murad

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

O clima depois da COP 18

Liana John (blog Planeta sustentável)
O principal tema da COP 18, com uma decisão de fato foi a continuidade do Protocolo de Kyoto, a vigorar a partir de 1 de janeiro de 2013 e até 31 de dezembro de 2020, desde que os países depositem de imediato seus documentos de aceitação. As metas não diferem muito do protocolo original. A rediscussão de novos compromissos ficou mesmo para as próximas COPs, cujo foco será o período após 2020.
Isso significa empurrar para cima o limite do aquecimento global considerado crítico pelos cientistas. Com os prazos do novo período do Protocolo de Kyoto mais esticados enquanto as metas de reduções de emissões continuam tímidas, o mundo deve ultrapassar o limite dos dois graus centígrados de aumento na temperatura média da atmosfera.

De acordo com os relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), se a temperatura média da atmosfera subir mais do que dois graus, aumenta muito o risco de grandes rupturas no “comportamento” do clima: mais furacões, mais chuvas fortes, mais secas, mais nevascas, evolução do derretimento de geleiras para colapsos e, sobretudo, interferência na circulação oceânica (responsável pelos padrões climáticos, como os conhecemos). Ainda em outras palavras: se limitássemos o aumento da temperatura média a dois graus centígrados talvez assistíssemos “apenas” ao aumento da intensidade e da frequência de eventos climáticos violentos. Acima disso estamos caminhando para rupturas e colapsos.
A única grande novidade dos documentos finais desta COP18 é a concordância dos países desenvolvidos em ajudar a pagar perdas e danos relacionados aos desastres climáticos nos países em desenvolvimento. Todos sabemos que a fatura será alta e crescente. Mas seria mais barato e eficiente investir na prevenção, pois a conta da remediação (ou, pior, do caos) certamente será muito mais alta. Sem mencionar as perdas de vidas, que desmerecem qualquer tipo de cálculo.

Se os governos com seus negociadores oficiais não chegaram a compromissos reais, é hora de refletir sobre o que estamos delegando a eles. O assunto é sério demais para ficar apenas nas mãos de autoridades. Nenhum outro problema ambiental é tão universal quanto as mudanças climáticas. Suas consequências nos atingem a todos, mas suas causas também são responsabilidade de cada um de nós. Podemos sentar e esperar pelo pior. Ou podemos agir tomando as atitudes ao nosso alcance, oficiais ou não, contabilizadas nos relatórios nacionais ou não. Cidades estão tomando atitudes extra-oficiais para reduzir emissões; comunidades estão trabalhando com desmatamento evitado, independentemente da contabilidade protocolar; empresas e organizações não governamentais estão investindo em alternativas de baixo carbono.
As iniciativas podem não ter chancelas e carimbos, mas são ações. E se somam. E podem se multiplicar.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

COP 18 termina com poucas perspectivas

Daniela Chiaretti, jornal Valor, 07-12-2012

Não era só a música árabe melancólica que abatia o ânimo no imenso centro de conferências de Doha, no Qatar. Além da exaustão de se falar dos temas de sempre - a falta de recursos financeiros, a transferência de tecnologia que não acontece, o segundo período do Protocolo de Kyoto com metas de redução de gases-estufa que não fazem cócegas na mudança do clima - começava-se a ouvir com mais frequência críticas sobre os resultados concretos das rodadas de negociação climática. Os avanços são mínimos, e o problema, gigante.

Não há chefes de Estado na conferência do clima do Qatar. Ao contrário da reunião de Copenhague, em 2009, ninguém tem na ponta do lápis quanto as promessas de redução de emissões podem significar na conta geral do aquecimento do planeta. Os anfitriões no Qatar, com a maior emissão per capita do mundo, a maior renda per capita, grande reserva de gás e petróleo, não estabeleceram metas de redução de emissão voluntárias, sendo protagonistas em sinalizar com uma economia de baixo carbono nesta região do mundo. Anunciaram, apenas, mais uma instituição de pesquisa para estudar o aquecimento global e tecnologias verdes.
Na tenda vermelha de um dos restaurantes do centro de convenções montado sob uma assombrosa estrutura de alicerces em forma de árvores, um experiente observador das rodadas climáticas da ONU estava desolado. "As pessoas que podem responder a este desafio não estão aqui", lembrava. "Ministros de Meio Ambiente e de Relações Exteriores não vão resolver." Temas relevantes não chegam perto das negociações climáticas. Alguns números ajudam a colocar, em perspectiva, um dos impasses desta rodada: a falta de recursos financeiros. Os investimentos em energias renováveis no mundo em 2010 bateram em quase US$ 1 trilhão - e isso quer dizer apenas 1% do mercado internacional de títulos. O mercado global de carbono movimenta mais de US$ 200 bilhões ao ano - e isso representa só 1/30 do movimento diário do mercado de câmbio global.

O último relatório da Agência Internacional de Energia (AIE), divulgado há poucos dias, diz que, se se investisse em todos os projetos relacionados a eficiência energética no mundo, seria possível dar um impulso de US$ 6 trilhões à economia global até 2025, o que poderia atrasar em cinco anos o momento em que as emissões do mundo têm que atingir o pico para, depois, despencarem rapidamente. Isso se se quiser evitar que a temperatura aqueça mais do que 2ºC ao fim deste século, como recomendam cientistas e como foi acertado pelos líderes globais. Ainda, o mundo gasta todos os anos mais de US$ 500 bilhões em incentivos a combustíveis fósseis. Diante dessas cifras, o que são US$ 60 bilhões de recursos financeiros até 2015 sendo suplicados em Doha por países pobres e nações-ilha para conseguirem erguer diques e conter o avanço do mar ou lidar melhor com secas cada vez mais fortes em regiões carentes?

Os diplomatas reunidos em Doha, em Durban, em Cancún, em Copenhague ou em Poznan - só para ficar nas rodadas mais recentes de negociação climática, depois da divulgação do relatório do IPCC, o braço científico da ONU, que colocou em evidência que as ações humanas estão levando o planeta a uma mudança climática de consequências imprevisíveis - são habilidosos em avançar o mínimo possível ano a ano. Cumprem à risca as determinações de seus governos. O problema é que a tarefa tem horizontes estreitos. O que vem sendo discutido nas COPs é complexo e importante, mas não chega perto da solução do problema. A negociação está ficando complicada demais e restrita à compreensão de uma parcela minúscula dos 7 bilhões de habitantes do planeta. Está se discutindo a árvore enquanto a floresta está queimando ou afundando.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Economia de mercado e a vida do planeta

Leonardo Boff

O documento final da Rio+20 apresenta um cardápio generoso de sugestões e de propostas, sem nenhuma obrigatoriedade, com uma dose de boa vontade comovedora mas com uma ingenuidade analítica espantosa, diria até, lastimável. Não é uma bússula que aponta para o “futuro que queremos” mas para a direção de um abismo. Tal resultado pífio se tributa à crença quase religiosa de que a solução da atual crise sistêmica se encontra no veneno que a produziu: na economia.
Não se trata da economia num sentido transcendental, como aquela instância, pouco importam os modos, que garante as bases materiais da vida. Mas da economia categorial, aquela realmente existente que, nos últimos tempos, deu um golpe a todas as demais instâncias (à política, à cultura e à ética) e se instalou, soberana, como o único motor que faz andar a sociedade. É a “Grande Transformação” que já em 1944 o economista húngaro-norteamericano Karl Polanyi denunciava vigorosamente. Este tipo de economia cobre todos os espaços da vida, se propõe acumular riqueza a mais não poder, tirando de todos os ecossistemas, até à sua exaustão, tudo o que seja comercializável e consumível, se regendo pela mais feroz competição. Esta lógica desequilibrou todas as relações para com a Terra e entre os seres humanos.

Face a este caos Ban Ki Moon, Secretário Geral da ONU, não se cansa de repetir na abertura das Conferências: estamos diante das últimas chances que temos de nos salvar. Enfaticamente em 2011 em Davos diante dos “senhores do dinheiro e da guerra econômica”declarou:”O atual modelo econômico mundial é um pacto de suicídio global”. Albert Jacquard, conhecido geneticista francês, intitulou assim um de seus últimos livros:”A contagem regressiva já começou?”(2009).

Os que decidem não dão a mínima atenção aos alertas da comunidade científica mundial. Nunca se viu tamanha descolagem entre ciência e política e também entre ética e economia como atualmente. Isso me reporta ao comentário cínico de Napoleão depois da batalha de Eylau ao ver milhares de soldados mortos sobre a neve:” Uma noite de Paris compensará tudo isso”. Eles continuam recitando o credo: um pouco mais do mesmo, de economia e já sairemos da crise. É possível o pacto entre o cordeiro(ecologia) e o lobo(economia)? Tudo indica que é impossível pois o lobo sempre devorará o cordeiro.

Podem agregar quantos adjetivos quiserem a este tipo vigente de economia, sustentável, verde e outros, que não lhe mudarão a natureza. Imaginam que limar os dentes do lobo lhe tira a ferocidade, quando esta reside não nos dentes mas em sua natureza. A natureza desta economia é querer crescer sempre, a despeito da devastação do sitema-natureza e do sistema-vida. Não crescer é prescrever a própria morte. Ocorre que a Terra não aquenta mais esse assalto sistemático a seus bens e serviços. Acresce a isso a injustiça social, tão grave quanto a injustiça ecológica. Um rico médio consome 16 vezes mais que um pobre médio. Um africano tem trinta anos a menos de expectativa de vida que um europeu (Jaquard, 28).
Face a tais crimes como não se indignar e não exigir uma mudança de rumo? A Carta da Terra nos oferece uma direção segura :”Como nunca antes na história, o destino comum nos conclama a buscar um novo começo. Isto requer uma mudança na mente e no coração; requer um novo sentido de interdependência global e de responsabilidade universal…para alcançarmos um modo sustentável de vida nos níveis local, nacional, regional e global”(final). Mudar a mente implica um novo olhar sobre a Terra não como o “mundo-máquina” mas como um organismo vivo, a Terra-mãe a quem cabe respeito e cuidado.
Mudar o coração significa superar a ditadura da razão técnico-científica e resgatar a razão sensível onde reside o sentimento profundo, a paixão pela mudança e o amor e o respeito a tudo o que existe e vive. No lugar da concorrência, viver a interdependência global, outro nome para a cooperação e no lugar da indiferença, a responsabilidade universal, quer dizer, decidir enfrentar juntos o risco global.
Valem as palavras do Nazareno:”Se não vos converterdes, todos perecereis”(Lc 13,5).
(Título original do artigo: O impossível pacto entre o lobo e o cordeiro)

domingo, 11 de novembro de 2012

Deserto: metáfora e realidade

Leonardo Boff

O deserto é uma realidade misteriosa e uma metáfora fecunda do percurso contraditório da vida humana.
Atualmente 40% da superfície terrestre está em processo avançado de desertificação. Os desertos crescem na proporção de 60 mil km2 por ano, o que equivale a 12 hectares por minuto. No Brasil há um milhão de km2em processo de desertificação. Só no Nordeste e em Minas são 180 mil km2. Esse fenômeno ameaçador para as colheitas, para a fome e a emigração de populações inteiras se deve ao desflorestamento, ao mau uso dos solos, às mudanças climáticas e aos ventos.
Lembremos o maior deserto do mundo, o Saara que possui uma superfície maior que a do Brasil (9.065000 km2). Há dez mil anos era coberto por densas florestas tropicais, contendo fósseis de dinossauros e sinais arqueológicos de antigas civilizações, pois outrora o rio Nilo desaguava no Atlântico. Nesta época, porém, ocorreu uma drástica mudança climática que o transformou numa imensa savana e depois num deserto árido eextremamente seco. Não é um sinal para a Amazônia?
Mas a vida sempre é mais forte. Ela resiste, se adapta e acaba triunfando. Ainda hoje nos desertos viceja vida: mais de 800 espécies de vegetais e minúsculos insetos e animais. Mas basta soprar um vento mais úmido ou cair algumas gotas de água para a vida invisível irromper soberbamente.
Em oito dias, a semente germina, floresce, madura, dá fruto que cai ao solo. Ela se recolhe. Espera mais de um ano, sob a calícula do sol e o vergastar do vento, até que possa de novo germinar e continuar o ciclo ininterrupto e triunfante da vida. Outros arbustos se enrolam sobre si mesmos, se contorcem para escapar dos ventos e sobreviver. Da mesma forma, pequenos animais se alimentam de insetos, borboletas, libélulas e sementes trazidas pelo vento. Mas quando há um oasis, a natureza parece se vingar: o verde é mais verde, os frutos, mais coloridos e atmosfera, mais ridente. Tudo proclama a vitória da vida.
Com sua tecnologia, o ser humano rasga os desertos, traça estradas luzidias, devolve o deserto à civilização como ocorre nos USA, na China e no Chile. Esta é a realidade da ecologia exterior do deserto.

Mas há desertos interiores, da ecologia profunda. Cada pessoa humana tem o seu deserto para atravessar em busca de uma "terra prometida”. É um percurso penoso e cheio de miragens. Mas o espera sempre um oásis para se refazer.
Há desertos e desertos: deserto dos sentidos, do espírito, da fé. O deserto dos sentidos ocorre especialmente nas relações interpessoais. Depois dealguns anos, a relação de um casal conhece o deserto da monotomia do dia-a-dia e a diminuição do mútuo encantamento. Se não houver criatividade e aceitação dos limites de cada um, pode acabar a relação. Se a travessia não for feita, permanece o deserto desalentador.
Há ainda o deserto do espírito. No século IV quando o cristianismo começou a aburguesar-se, leigos cristãos se propuseram manter vivo o sonho de Jesus. Foram ao deserto para encontrar uma terra prometida em sua própria alma e encontrar o Deus nu e vivo. E o encontraram. Trata-se de uma travessia perigosa do deserto. São João da Cruz fala da noite do espírito "terrível e amedrontadora”. Mas o resultado é uma integração radical. Então, da aridez nasce o paraiso perdido. O deserto é metáfora desta busca e deste encontro. (...)

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Carta de apoio do CEBI aos índios Kaiowá Guarani

O Centro de Estudos Bíblicos de Mato Grosso, não poderia deixar de ecoar o grito do povo Kaiowá Guarani, do tekohá de Pyelito Kue/Mbarakay. Diante do despacho de expulsão decretado pela Justiça Federal, 50 mulheres, 50 homens e 70 crianças, pedem em carta enviada ao governo e à justiça federal serem exterminados coletivamente.
Diz a carta:“...Moramos na margem deste rio Hovy há mais de um (01) ano, estamos sem assistência nenhuma, isolada, cercado de pistoleiros e resistimos até hoje. Comemos comida uma vez por dia. Tudo isso passamos dia-a-dia para recuperar o nosso território antigo Pyleito Kue/Mbarakay... Pedimos ao Governo e Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo/expulsão, mas solicitamos para decretar a nossa morte coletiva e para enterrar nós todos aqui... Não temos outra opção, esta é a nossa última decisão unânime diante do despacho da Justiça Federal de Navirai, MS.

Entendemos a carta como um último grito de desespero pela vida, que entre morrer à míngua, isoladamente, nas periferias das cidades, preferem morrer coletivamente junto aos seus antepassados.
“A verdade vos libertará”, disse Jesus. Sabemos o quanto é importante e necessário que a comissão da verdade averigue os crimes de extermínio dos povos indígenas acontecidos no regime militar, e que os responsáveis sejam punidos, para que estas barbáries não tenham continuidade. Depois de 39 anos do documento Y Juca Pirama - "O Índio aquele que deve morrer", lançado pelos bispos e missionários em dezembro de 1973, contra o genocídio indígena em curso pelos governos da ditadura militar, queremos dizer ao governo democrático e popular de hoje, e à justiça federal, que tomem medidas para cessar o etnocídio, pois “os povos indígenas devem viver”. Está em suas mãos decidir o extermínio ou a dignidade do povo nativo originário. E a única maneira de evitar o extermínio é demarcar urgente e definitivamente os seus territórios.

“Aqueles regressaram, nós regressamos... A dança já começa com os rezadores...”, diz a letra de um canto Kaiowá. Unimo-nos ao seu canto e sua dança e, como diz o mito Guarani da terra sem males, pedimos a Nhanderuvuçú, nosso grande pai, que fortaleça este povo e os povos indígenas, e a Guyraypotý, o grande pajé, que não se canse em sua dança de resistência.
Unimo-nos também a todos e todas que defendem a causa indígena, e convidamos a todo povo brasileiro a se manifestar.
Várzea Grande, 12 de Outubro de 2012. CEBI-MT (seguem 24 assinaturas)

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Aprendendo com formigas e cupins

Washington Novaes
 
O tema das formigas é altamente relevante, fascinante mesmo, por muitos ângulos. E quem se interessar pode, por exemplo, consultar o livro Journey to the Ants - a Story of Scientific Exploration (Harvard Press University, 1994), de Bert Hölldobler e Edward O. Wilson, este último considerado um dos maiores conhecedores da biodiversidade e o maior especialista em mirmecologia, o estudo das formigas, ao qual se dedica há meio século no mundo todo, com vários livros publicados. A ponto de um deles (The Ants, 1990) pesar 3,4 quilos. Juntos, Wilson e Hölldobler têm pesquisas de quase um século.

Wilson e Hölldobler começam ensinando aos humanos uma lição admirável das formigas: o seu êxito - que as levará a dominar o planeta, de acordo com o primeiro - decorre do extraordinário comportamento de cooperação entre os milhares de membros de cada colônia, que produz extrema eficiência na busca, no transporte e no armazenamento de alimentos, na reprodução, na defesa do grupo, etc. Uma das armas principais nessa luta coletiva pela vida é o uso de vários tipos de linguagem (corporal, visual, gestual, etc.), principalmente química - porque o odor de cada parte do corpo, emitido no encontro de dois seres, pode ter significados muito específicos, como alarme, desejo de atração, disposição para cuidar da cria, oferta de alimentos, etc. E essa cooperação é a base da sobrevivência.
A colônia é o sentido fundamental da vida para cada formiga, embora possa haver disputa entre a rainha e formigas operárias quando estas se sentem em condições de reproduzir (o que cabe à rainha). Pode haver também conflitos com outras formigas da mesma espécie. Mas, com suas características, as formigas sobrevivem há muito mais tempo que os seres humanos, uns 100 milhões de anos, desde a época dos dinossauros. É quase inacreditável, quando se lembra que o tamanho de uma formiga é de cerca de um milionésimo do corpo humano. Mas elas representam 1% do quintilhão de insetos que existem no planeta - já eram na década de 1990 cerca de 10 quatrilhões e cada formiga se reproduz umas 500 vezes nos 20 anos que o ser humano leva para formar cada nova geração. Por isso, pensa Wilson, as formigas dominarão a Terra. Hoje, juntas, pesam tanto quanto todos os seres humanos.

Já existem estudos demonstrando que na Floresta Amazônica, perto de Manaus, formigas e térmites (cupins) representam um terço da biomassa animal. Se a elas se acrescentarem abelhas e vespas, serão 80% do total. Por isso, dizem Wilson e seu parceiro, pode-se afirmar que "o socialismo funciona, em certas circunstâncias. Karl Marx apenas escolheu a espécie errada" para estudar. Embora, no caso das formigas, suas 500 mil células nervosas tenham, juntas, apenas o tamanho de uma letra numa página de livro. E se todas as espécies de formigas desaparecessem, afirmam, "seria uma catástrofe".
Poderíamos aprender muito com formigas, cupins e também com muitas espécies vegetais. Há alguns anos, quando produzia um documentário para a TV Cultura, o autor destas linhas foi ao Jardim Botânico paulistano acompanhando um especialista em grandes estruturas de concreto na Universidade de São Paulo (USP), que começou mostrando uma variedade de bambu com a maior capacidade de resistência a impactos físicos por centímetro quadrado - e o estudo dos fundamentos dessa resistência serviam para orientar a criação de grandes estruturas de concreto. Depois mostrou um cupinzeiro, abrindo com as palavras: "Este é o edifício mais inteligente que existe. Aqui vivem dezenas de milhares de indivíduos, que convivem em harmonia, trafegam sem congestionamento (para buscar alimentos), sem colisões, sem conflitos, orientando-se com várias linguagens. No interior do cupinzeiro existem câmaras específicas onde a rainha deposita seus ovos para reprodução; câmaras para depósito de alimentos, com orifícios no alto para a saída de gases da decomposição; outros orifícios que são fechados ou abertos por ação dos cupins, para adaptar-se às temperaturas fria ou quente. Pode haver algo mais racional?".

No momento em que tantos estudos mostram o momento difícil que vivemos por causa das várias crises globais, incluindo a da finitude de recursos naturais, é preciso entender muito mais não apenas da relação humana com os ecossistemas, biomas, áreas específicas, mas também do significado, em cada um deles, das muitas espécies, sua importância para a conservação - e para a sobrevivência humana. É espantoso: na hora em que cientistas afirmam que toda a superfície de gelo acumulada no Ártico pode derreter-se (nos meses de verão) em quatro anos (guardian.co.uk, 17/9), liberando quantidades assombrosas de metano acumuladas sob a camada até aqui permanente, é preciso ter consciência da gravidade da situação. E da necessidade de levar os comportamentos sociais a serem adequados às novas questões. Até formigas, cupins, abelhas e vespas se enquadram nesse contexto.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 28/09/2012 (texto resumido)

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Governo planeja muitas hidrelétricas na Amazônia

O governo planeja instalar na Amazônia pelo menos 23 novas hidrelétricas, além das seis já em construção na região. Segundo levantamento do GLOBO, ao todo, essas 29 hidrelétricas vão gerar 38.292 MW, quase metade dos 78.909 MW produzidos pelas 201 usinas hidrelétricas em operação hoje no país. Sete delas, como as das bacias do Tapajós e do Jamanxim, serão feitas no coração da Amazônia, em áreas de floresta contínua, praticamente intocadas. Outras estão em áreas remanescentes importantes de floresta amazônica, como o conjunto de sete hidrelétricas planejadas nos rios Aripuanã e Roosevelt, no Mosaico de Apuí, com impacto direto em 12 unidades de conservação de proteção integral e terras indígenas. A região, ao Sul do Amazonas, foi considerada de prioridade extremamente alta para conservação pelo Ministério do Meio Ambiente, em 2006.

Somados, os 29 projetos alcançam 31% da capacidade potencial de geração de energia das duas principais bacias hidrográficas da região, as dos rios Amazonas e Tocantins, e 14 deles usam R$ 78 bilhões em recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Verbas do PAC foram destinadas até para usinas que sequer receberam aval ambiental: São Luiz do Tapajós (R$ 18,1 bilhões), Jatobá (R$ 5,1 bilhões) e Marabá (R$ 2,27 bilhões). Os planos vão além: está em andamento o estudo para aproveitar a Bacia do Rio Negro.
— A Amazônia é a bola da vez, e é necessário se antecipar aos problemas, não pedir desculpas pelo já feito. É preciso ter princípios adequados à lógica da região. Na Amazônia, a questão ambiental se sobrepõe a todos os fatores. Não dá para fazer uma usina atrás da outra — diz João Gilberto Lotufo, diretor da Agência Nacional de Águas (ANA), que acaba de finalizar o Plano Estratégico de Recursos Hídricos dos Afluentes da margem direita do Rio Amazonas.
Última fronteira a ser desbravada, a Amazônia pode gerar 121.246 MW, equivalentes a 48,72% do potencial do país. Além das hidrelétricas, outras 11 pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) estão em rios amazônicos — cinco em obras e seis já outorgadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
— Estamos planejando com o maior cuidado e procurando reduzir ao mínimo o impacto — afirma Altino Ventura, secretário de Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia. Se forem acrescentadas à lista as usinas de Estreito e Santo Antônio, que entraram em operação em 2011, as novas usinas vão gerar 42.529 MW, o que significa aumento de 53,9% na capacidade instalada do país. — Metade da energia prevista para entrar no sistema até 2020 está na Amazônia. Podemos abrir mão? — indaga Ventura.

O entusiasmo com a construção de hidrelétricas contrasta com as preocupações ambientais. O Amazonas deve receber quatro delas. O governo do estado é contra. — Não somos contra o crescimento econômico, mas ele não precisa ser predatório. O governo precisa olhar outras soluções — diz Anderson Bittencourt, coordenador de Energia da Secretaria de Meio Ambiente do Amazonas, que projeta uma usina solar em Manaus. Bittencourt diz que a primeira consulta pública sobre as usinas foi em Manaus, a mais de mil quilômetros das comunidades afetadas, onde vivem 112 mil pessoas.
As novas hidrelétricas na Amazônia — incluindo as recém-inauguradas Santo Antônio e Estreito — alagarão uma área de ao menos 9.375,55 quilômetros quadrados, quase oito vezes o tamanho da cidade do Rio de Janeiro. A área inundada diminuiu em relação a obras do passado. Em média, serão 0,22 km²/MW contra uma média nacional de 0,49 km²/MW. As duas maiores usinas, São Luiz do Tapajós e Jatobá, ambas no Tapajós alagarão 1.368,85 quilômetros quadrados, quase o tamanho da cidade de São Paulo. A São Luiz do Tapajós deve gerar 6.133 MW; será a quarta maior do país, atrás de Belo Monte, Tucuruí e Itaipu. A terceira maior usina desta lista é a de Marabá, com operação planejada para 2018 e capacidade de 2.160 MW. Possui o maior reservatório entre as novas, de 1.115 quilômetros quadrados, e poderá deslocar 40 mil pessoas que vivem às margens do Tocantins em nove municípios de Pará, Tocantins e Maranhão. Na região, está a reserva indígena Mãe Maria e o Parque Estadual do Encontro das Águas.

Para o biólogo Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), o Brasil deve buscar novos caminhos: — É preciso repensar a lógica para, no futuro, não se arrepender de ter acabado com os rios da Amazônia. É mais barato fazer um plano de redução do consumo. No Brasil, 5% do gasto são de chuveiro elétrico — diz o biólogo.
Fonte: Jornal O Globo, dia 23/09/12.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Chaves da Consciência planetária

Partilho com você o fruto de minhas descobertas, após atuar vários anos com muitos grupos no Brasil, em atividades de Formação em Educação para a Sustentabilidade.


quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Agrotóxicos na alimentação: sinal vermelho

Gilvander Moreira

Li atentamente as 192 páginas do Relatório do Deputado Padre João Carlos (PT/MG), da Subcomissão Especial sobre o Uso dos Agrotóxicos e suas Consequências à Saúde, instalada em maio de 2011 e integrante da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados. Fiquei estarrecido. A situação é muito mais grave do que imaginamos.  Epidemias avassaladoras de câncer e tantas outras doenças estão sendo construídas com incentivo/cumplicidade/omissão do Estado (= Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário), protagonismo da classe dominante e omissão/resignação de grande parte da sociedade.
O objetivo geral da referida Subcomissão foi o de “avaliar os processos de controle e usos dos agrotóxicos e suas repercussões na saúde pública.” Brasil, país celeiro do mundo, atualmente ocupa a primeira posição no valor despendido com a aquisição de substâncias agrotóxicas em todo o mundo. O Brasil se tornou a nação que mais consome agrotóxicos no mundo.
Paralelamente ao aumento no consumo, alavancado por uma política econômica estúpida que visa incluir pelo consumo, como se o ser humano fosse só “estômago”, está comprovado pelo Programa de Avaliação de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos – PARA -, da ANVISA : a) a presença de resíduos de agrotóxicos em alimentos acima dos limites máximos “recomendados”, não por quem come, mas pelo deus mercado que só pensa em lucrar, lucrar; b) a presença em muitos alimentos de venenos não permitidos.  Afora isso, nas fiscalizações junto às empresas produtoras de agrotóxicos observa-se, recorrentemente, muitas irregularidades.

Assim, estão sendo contaminados o solo, as águas e o ar, Doenças se multiplicam em progressão geométrica. O envenenamento da comida está sendo perpetrado pelo uso exagerado de agrotóxicos, pelo emprego de venenos não recomendados para determinadas culturas, ou ainda pelo desrespeito ao intervalo de “segurança (?)” (período mínimo entre a última aplicação e a colheita). Apenas no ano de 2010 foram comercializados mais de um milhão de toneladas (= 1 bilhão de quilos) de agrotóxicos em todo o território nacional. Desse total, 750 mil toneladas foram produzidas no País, sendo o restante importado, cerca de 318 mil toneladas.  Esses dados são oficiais. Ao incluir o comércio clandestino de agrotóxico, o contrabandeado, a quantidade deverá ser bem maior. Cada pessoa está ingerindo, em média, 5,2 quilos de agrotóxico por ano. Haja estômago!  O crescimento do consumo de agrotóxicos no mundo aumentou quase 100%, entre os anos de 2000 e 2009. No Brasil, a taxa de crescimento atingiu quase 200%, o que indica que teremos no mínimo o dobro de pessoas doentes em relação à média mundial.
Atualmente existem 2.195 agrotóxicos registrados no Brasil, mas só 900 são comercializados. Ou seja, além dos já comercializados, outros 1.295 tipos de agrotóxicos podem entrar mercado a qualquer hora. Os registros são de titularidade de apenas 136 empresas diferentes, ou seja, poucas grandes empresas auferem muita grana envenenando a alimentação do povo. São cerca de 430 ingredientes ativos registrados. A comercialização desses produtos no país movimentou recursos da ordem de 14,6 bilhões de reais, somente no ano de 2009. Quantas pessoas adoeceram? Quantas morreram? Quanto o povo tem gasto, via SUS, para tentar socorrer as vítimas dos agrotóxicos?

Já existem fortes indícios de que o uso dos agrotóxicos provoca câncer e outras doenças graves. Relatório da ANVISA (2010) informa que foram encontrados 234 ingredientes ativos de agrotóxicos em hortaliças, frutas e leguminosas.  Em “todas” as espécies testadas foram utilizados agrotóxicos não autorizados. No pimentão, por exemplo, no ano de 2009, 64,8% das amostras testadas revelaram a presença de agrotóxicos não autorizados. Atenção: Por “ser agrotóxico autorizado” não garante que não faça mal à saúde. Todo agrotóxico é substância química, é tóxico. No Município de Lucas de Rio Verde, em Mato Grosso, constatou-se a contaminação do leite materno, das águas da chuva, do solo e até do ar. Estima-se que, a cada ano, 25 milhões de trabalhadores são contaminados com agrotóxicos apenas nos países empobrecidos.

O Relatório põe o dedo na ferida: “A incidência de câncer em regiões produtoras de Minas Gerais, que usam intensamente agrotóxicos em patamares bem acima das médias nacional e mundial, sugere uma relação estreita entre essa moléstia e a presença de agrotóxico. Neste estado, na cidade de Unaí, está sendo construído um Hospital do Câncer, em virtude da grande ocorrência desta doença na região. Segundo os dados apresentados na Ausculta Pública que realizamos nesse município, já estão ocorrendo cerca de 1.260 casos/ano/100.000 pessoas. A média mundial não ultrapassa 400 casos/ano/100.000 pessoas.” Ou seja, se não houver uma redução drástica no uso de agrotóxico, daqui a 10 anos, poderá ter na cidade de Unaí, mais de 12.600 pessoas com câncer, sem contar o grande número de pessoas que já contraíram câncer. Onde já se viu uma cidade com apenas 100 mil habitantes ter Hospital do Câncer? Eis um sinal dos tempos e do lugar! Feliz quem entender a gravidade desse sinal vermelho.
Várias leis já foram criadas para tratar dos agrotóxicos: Lei nº 7.802/1989, Lei nº 9.974/2000, Lei nº 11.657/2008, institui o dia 18 de agosto como o Dia Nacional do Campo Limpo; Lei nº 6.938/81, referente a Política Nacional de Meio Ambiente e a Lei nº 12.305/10, referente a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Essas leis são dribladas o tempo todo, além de serem “generosas” com a indústria dos agrotóxicos, o que fere mortalmente dignidade humana e toda a biodiversidade.

Padre João Carlos afirma no Relatório: “O uso de agrotóxicos representa uma série de riscos à pessoa humana, à saúde humana, ao meio ambiente, fato que já é de conhecimento geral. Quando o uso é indiscriminado, tais riscos são muito mais elevados e não podem ser relegados, nem pela sociedade, muito menos pelo Poder Público, em especial pelos órgãos responsáveis pelo controle e fiscalização de tais produtos.” A aplicação de agrotóxicos contamina os trabalhadores, as populações que residem nas áreas periféricas às lavouras, os alimentos, os cursos d’água, enfim todo o ambiente. O sinal vermelho do agrotóxico acendeu-se. Feliz quem abraçar pra valer a luta pela construção de reforma agrária com agricultura familiar segundo o paradigma da agroecologia, caminho para produção de alimentos saudáveis e vida em plenitude.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Aquíferos do mundo não suprem a demanda

Uma em cada quatro pessoas na Terra depende da água extraída dos aquíferos subterrâneos para sobreviver. O problema é que, para continuar suportando a exploração humana, essas reservas de água deveriam ser três vezes maiores, segundo um estudo publicado na revista Nature. Os aquíferos fornecem metade da água que se bebe no mundo.

Para chegar a esta conclusão, os pesquisadores adaptaram o conceito de pegada ecológica para os aquíferos e criaram o groundwater footprint (pegada da água subterrânea). O mapa exemplifica a ideia, comparando a área atual dos aquíferos com a que eles deveriam ter para suportar a exploração humana. Apesar da pegada global ser de 3,5 vezes (ou seja, precisaríamos de quase quatro vezes mais reservas para manter o consumo atual), apenas 20% das reservas mundiais são superexploradas.
A imagem demonstra que as áreas mais ameaçadas estão na América do Norte, Oriente Médio e Índia. A ameaça se deve, principalmente, à irrigação. Para se ter ideia, somente no Oriente Médio o volume de água utilizado em irrigação no deserto quase triplicou, arriscando assim o esgotamento dos aquíferos da região em menos de 50 anos. Dessa, o Brasil se salvou por enquanto. O estudo não mostra exploração excessiva no subsolo do país.
Fonte: Portal ADITAL.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Cântico da fraternidade cósmica de Francisco de Assis

Frei Fabiano Satler, Irmão franciscano
Francisco de Assis era o chefe de um grupo de jovens e barulhentos trovadores da sua cidade natal. O ambiente do século em que ele viveu era marcado pela poesia e pela música da cavalaria, que, mais tarde, resultarão na lenda do Rei Artur e seus cavaleiros. Esse espírito cavalheiresco e de trovador não foi abandonado por Francisco após a sua conversão. Pelas ruas de Assis e dos burgos da região, ele, juntamente com seus companheiros, cantava louvores a Deus, chamando os seus ouvintes à conversão. O Cântico do Irmão Sol carrega esse espírito trovador de Francisco. Entretanto, para conhecermos em profundidade o espírito presente nos versos desse cântico, é importante saber o contexto em que ele foi gestado.
O Cântico do Sol é um cântico à luz. Mas esse cântico jorrou da noite mais escura e profunda. O período em que o Cântico do Irmão Sol começou a ser redigido foi um tempo particularmente difícil para Francisco. Dois anos antes de sua morte, após receber os estigmas do crucificado no monte Alverne, Francisco fez-se transportar até São Damião, local de moradia de Clara e suas irmãs. A própria Clara preparou-lhe uma palhoça com caniços e ramagem para protegê-lo da luz do dia. Uma doença dos olhos contraída durante sua estadia no oriente já o havia feito perder praticamente toda a visão. Nessa palhoça, Francisco passou mais de cinqüenta dias sem poder suportar a luz do sol ou do fogo à noite, com muito sofrimento causado pela sua doença (..)
Foi nesse ambiente que Francisco começou a compor o seu Cântico do Irmão Sol, depois de receber a certeza de que participaria do reino celeste. Compôs os versos e a melodia para os mesmos, que ensinou aos seus irmãos. Instruiu esses mesmos irmãos a cantarem o cântico quando fossem pelo mundo e que o cantassem depois das pregações. Dizia que “Ao nascer do sol, deviam todos louvar a Deus por ter criado este astro, que durante o dia fornece luz aos nossos olhos; assim também, quando anoitece, todos deviam louvar a Deus por essa criatura, o nosso irmão fogo, que nos alumia os nossos olhos. Por isso nós devíamos, por estas e pelas outras criaturas que usamos todos os dias, louvar sempre o seu glorioso Criador”. Nos momentos em que estava mais atormentado pelas suas enfermidades, ele começava a entoar o cântico e pedia aos irmãos que prosseguissem. E assim foi até a hora da sua morte

Essa capacidade de louvar o sol, a luz e as demais criaturas, mesmo sem poder contemplá-las, resulta da pacificação que foi sendo operada na vida de Francisco desde a sua conversão. Francisco é uma pessoa reconciliada com a sua própria humanidade, com os seus limites, com os seus medos. E porque há essa reconciliação interior, todas as demais criaturas são vistas como irmãs, fráteres, sorelas. Por isso Francisco pode cantar: amo irmã Clara, amo o irmão sol, amo o irmão fogo, amo o irmão verme. E foi dessa fraternidade ecológica que nasceu um dos mais belos escritos místico-ecológico do ocidente: o Cântico do Irmão Sol.
“Altíssimo, onipotente e bom Senhor, vossos são o louvor, a glória, a honra e toda bênção”. Assim Francisco inicia seu Cântico do Irmão Sol, afirmando já no início o sentido e a fonte de todo o louvor que se seguirá. Somente Deus é digno de ser louvado. Reaparece aqui mais uma vez a reação de Francisco contra o desejo latente que existe no ser humano de apropriação. Nada nos pertence e tudo pertence a Deus e somente a ele é devido o louvor. Na raiz da violência contra a vida de todas as criaturas está esse desejo que faz com que o ser humano disponha das demais vidas humanas e sacrifique o planeta de forma inconseqüente com as gerações que nos sucederão. Mas, Francisco dá-se conta de que nem mesmo é possível louvar a Deus, pois “homem algum é digno de vos mencionar”. É então que ele se volta para toda a criação, espelho da bondade desse mesmo Deus. Há, primeiramente, um movimento em direção ao alto, que parece arrancar o homem da terra, distanciando-o das demais realidades terrenas. Mas, esse movimento de ascensão tomará, ao longo das demais estrofes, a direção horizontal da fraternidade com as criaturas.
Três pares aparecerão dispostos lado a lado ao longo do cântico: o sol e a lua, o vento e a água, o fogo e a terra. Há aqui um sentido de totalidade, sinal da integração daquela ecologia interior já referida anteriormente: três pares de elementos, entre os quais figuram os quatro elementos tidos como essenciais pela filosofia e mentalidade de então (ar, água, fogo e terra). As criaturas, transformadas em freis e irmãs – integração do masculino e do feminino, – são convidadas a louvar a Deus, de quem procede todo o bem.

A pessoa de Jesus aparece de forma implícita no cântico através de três elementos: do sol, figura de raízes bíblicas para indicar o messias esperado; através das trinta e três linhas do cântico original, referência à idade de Cristo no momento de sua morte; e através do confronto das primeiras com as últimas palavras do cântico: Jesus é o altíssimo que se fez humilde, é o onipotente que se fez servo de todos.
É importante notar que Francisco sabe reconhecer a utilidade de todas as criaturas, mas essa utilidade assume um caráter bem diferente do utilitarismo moderno que depreda a natureza em função de um suposto bem estar da humanidade. O sol é útil porque clareia o dia e nos ilumina; a água é útil e preciosa porque sacia a sede do homem e da terra, que por sua vez produz frutos, ervas e flores para os animais e para o ser humano; a lua e as estrelas no céu despertam no humano o sentimento do belo, da poesia.

O cântico prossegue convocando o homem e a mulher a louvarem a Deus através da reconciliação e da paz, que constituem o verdadeiro louvor para Francisco. Essa penúltima estrofe não fazia parte do cântico original. Foi acrescentada por Francisco em julho de 1226 para buscar a reconciliação entre o bispo e o podestá (o prefeito) de Assis. O bispo havia excomungado o podestá, que por sua vez, decretou que nenhum cidadão de Assis podia ter com ele qualquer relação comercial ou legal. Francisco pediu que ambos se reunissem no palácio do bispo e, quando lá se encontravam, dois frades levantaram-se e cantaram o cântico como Francisco lhes havia ordenado. Foi o suficiente ambos se reconciliarem e evitar uma guerra civil na cidade.

Como os demais elementos do cântico, o humano aparece em par com um segundo elemento. Reconciliado com todas as criaturas e com o seu semelhante, resta a Francisco e à humanidade a reconciliação definitiva com a morte, companheira inseparável do ser humano e de toda forma de vida. Este último verso do cântico foi composto no princípio de Outubro de 1226, poucos dias antes de sua própria morte. Quando sentiu-a próxima, pediu que o despissem e o colocassem nu sobre a terra que ele havia cantado como irmã e mãe. Nu sobre a terra, Francisco manifestou a radical condição humana face ao Absoluto, diante do qual nos apresentamos despidos de nossas máscaras, revestidos apenas com nossa pobreza. Mas esse gesto possui também um outro significado não menos importante: a reconciliação e o retorno do humano ao útero materno da terra, de Gaia.

E assim, cantando, Francisco morreu. Deixou-nos na saudade e na orfandade. Mas também herdeiros de uma riqueza místico-ecológica que pode ajudar a humanidade a sair do caminho da autodestruição em que tem enveredado.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Mais um megaprojeto contra a Amazônia: São Luiz do Tapajós

São Luiz do Tapajós: os movimentos que lutam por uma nova política energética e pelas causas ambientais no Brasil precisam ficar atentos a este nome. É como está sendo chamada a possível usina hidrelétrica a ser instalada no Pará, em meio a um santuário amazônico, até agora intocado. Projetada para produzir 6 mil megawats (um quarto de Itaipu), a usina é peça importante do projeto estratégico da Eletrobrás – que quer explorar intensamente, nas próximas décadas, o potencial energético da Região Norte.

Uma rica reportagem de André Borges, publicada no Valor de 25/7, ajuda a compreender as dimensões e riscos de São Luiz do Tapajós. A usina chama atenção pelo ponto em que poderá ser construída: numa área cerca de 700 quilômetros a oeste de Belém e em meio a doze unidades de conservação que formam o Complexo do Tapajós, considerado por alguns o maior mosaico de biodiversidade do planeta.
Ao contrário da área semiocupada em que será erguida a barragem de Belo Monte, o ponto onde se quer instalar São Luiz do Tapajós é virgem. Não há assentamento humano. A cidade mais próxima é Itaituba (110 mil habitantes), 70 quilômetros rio abaixo. Mas a inundação será maior. Em Belo Monte, devido às pressões sociais e a mudanças na tecnologia de geração hidrelétrica, o lago projetado terá 516 km². Gerará 11 mil Mw (embora não possa funcionar com tal potência durante todo o ano). Já o novo projeto ocupará uma área com o dobro do tamanho (1368 km², quase tanto quando o município de São Paulo) e gerará pouco mais de metade da energia.

A decisão de construir não está 100% tomada. Para viabilizar o projeto, a presidente Dilma deu um primeiro passo. Baixou, em janeiro, Medida Provisória (já transformada em lei) reduzindo a área de oito das doze unidades de preservação que formam o Complexo do Tapajós. O processo é chamado, no jargão técnico, de “desafetação”. Houve compensações apenas parciais: as unidades ganharam novos territórios – porém, sem a mesma biodiversidade, segundo biólogos ouvidos por André Borges. Ainda não há licenciamento ambiental para São Luiz do Tapajós, o que pode favorecer a luta em defesa da floresta.
No Complexo de Tapajós já foram catalogadas 390 espécies de aves e 400 de peixes. Vivem animais em extinção, como a onça-pintada e onça-vermelha. Maria Lúcia Carvalho, chefe do Parque Nacional da Amazônia (uma das doze unidades) e pesquisadora do Instituto Chico Mendes, afirma que a construção da hidrelétrica traria grandes riscos para os ecossistemas. Também lamenta o caráter abrupto da decisão de iniciar o levantamento: “Estávamos trabalhando a mil por hora no plano de manejo do parque. De repente, fomos avisados de que parte dele simplesmente iria ser desafetada [desprotegida]. Recebemos este banho de água gelada, o trabalho foi perdido”. Em 30/7, André Borges informou que, além da diretora, um grupo de técnicos prepara manifesto contra a desafetação.

Fonte: Antonio Martins, no sites Outras Palavras e Ecodebate 

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Religião, Ecologia e Cidadania Planetária

Realizou-se no dia 10 de julho o Grupo de Trabalho (GT) Religião, Ecologia e Cidadania Planetária, durante o 25º Congresso Internacional da SOTER (Sociedade de Teologia e Ciências da Religião), em Belo Horizonte, na PUC-Minas. Sob a coordenação de Afonso Murad e Pedro Ribeiro de Oliveira, foram apresentados e discutidos os seguintes temas, com os respectivos autores:
Ecologia e Espiritualidade: o testemunho de um seringueiro. (José Rocha Cavalcanti filho. Doutorando em Ciências da Religião PUC-SP)
Edgar Morin: pensamento para tempos de crise. (Thiago Franco, mestrando em Ciências da Religião - PUC MINAS)
O pensamento complexo diante do antropocentrismo cristão (Luiz Eduardo de Souza Pinto. Mestrando em Ciências da Religião PUC-Minas. Professor na UNIMONTES)
Teologias e Direitos: O Ordenamento de Uma Democracia na Perspectiva da Inclusão dos Direitos e das Narrativas dos Povos. Apontamentos Sobre a Questão Ecológica. (Manoel Ribeiro de Moraes Júnior- Doutor em Ciências da Religião – UMESP. Professor da UEPA)
Cúpula dos Povos e Rio+20. Balanço inicial à luz da Ecoteologia (Afonso Murad, Doutor em Teologia. Professor da FAJE e do ISTA e Dr. Pedro Ribeiro de Oliveira, Professor da PUC Minas).
Veja a foto abaixo.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Fracasso da Rio+20

Frei Betto

Terminou em fracasso a Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) para o Desenvolvimento Sustentável. Foram gastos US$ 150 milhões para promovê-la. Dinheiro jogado fora. Teria sido mais bem utilizado na preservação de florestas. O documento final, aprovado por 193 países, é pífio. Como nenhum país, sobretudo os mais ricos, queria se comprometer com medidas a curto prazo, o texto sofreu tantos cortes, para não desagradar a ninguém, que desagradou até mesmo ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.

No dia seguinte, pressionado pelo Brasil, ele voltou atrás. Desdisse o que havia dito e defendeu o documento, no qual não foram levadas em conta as sugestões da sociedade civil. Nada de concreto foi decidido, todos os compromissos pela sustentabilidade ficaram para depois. Acordou-se que, no ano que vem, serão definidos os objetivos de desenvolvimento sustentável. Em 2014, a resolução de onde virão os recursos para financiá-los. E a partir de 2015 devem ser implementados.
O evento se equipara à crônica de uma morte anunciada. Os líderes dos países ricos viraram as costas à Rio+20. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, não veio. E ainda teve o descaramento de enviar sua secretária de Estado, Hillary Clinton, apenas no último dia, quando tudo já estava debatido e aprovado. Em discurso inócuo, ela anunciou que os EUA destinarão US$ 20 milhões à proteção ambiental de países da África. Uma esmola, sobretudo considerando que os EUA figuram, ao lado da China, como principal culpado pela degradação da natureza.


O que a Rio-92 representou de avanço, a Rio+20 representa de retrocesso. Em 1992 foram aprovadas a Carta da Terra, a Agenda 21 e três importantes convenções: biodiversidade, desertificação e mudanças climáticas. A partir de então, muitos países criaram ministérios do Meio Ambiente. O entusiasmo durou 10 anos. Em 2002, na Conferência de Johannesburgo, os governos se recusaram a prestar contas do que haviam acordado no Rio de Janeiro. Já tinham constatado que não há compatibilidade entre preservação ambiental e o modelo de desenvolvimento – predador e excludente – centrado na acumulação privada do capital. Tivemos então 10 anos (2002/2012) de conversa fiada.


A Rio+20 propôs aos governos, via G-77 (grupo dos países menos desenvolvidos), criarem um fundo de US$ 30 bilhões para financiar iniciativas de sustentabilidade em seus países. A proposta não foi aprovada. Ninguém mexeu no bolso. Isso uma semana depois de o G-20, no México, destinar US$ 456 bilhões para tentar sanar a crise na Zona do Euro. Não falta dinheiro para salvar bancos. Para salvar a humanidade e a natureza, nem um tostão. Os donos do mundo e do dinheiro vivem na ilusão de que a nave espacial chamada planeta Terra tem, como os voos internacionais, primeira classe e classe executiva.
O fato é que os governos, com raras exceções, não estão interessados em investir na sustentabilidade. Isso depende de um esforço a médio e longo prazos. E governos buscam resultados propagáveis nas próximas eleições. Sustentabilidade é como saneamento. Segundo o Ministério das Cidades, 57% da população brasileira não têm esgoto coletado. Como esgoto passa por debaixo do solo, nossos políticos dão as costas, interessados no que traz visibilidade. Os governos querem desenvolvimento entendido como multiplicação do capital. Nada de proteger a biodiversidade. Fingem não se dar conta de que as mudanças climáticas decorrem da degradação da biodiversidade.

A voracidade do capital venceu na Rio+20. Hoje, 7 bilhões de pessoas sobrevivem consumindo um planeta e meio. Em breve, chegaremos a dois planetas. Como os recursos naturais são limitados, as gerações futuras correm o sério risco de padecerem a carência de bens essenciais, como água e alimentos. A chuva que caiu sobre o Rio durante o evento era como lágrimas de Gaia que, com certeza, tinha esperança de que a Rio+20 a livrasse do estupro que sofre em mãos de quem procura apenas tirar proveito dela, indiferente aos direitos das gerações futuras. Valeu estar ali e participar da Cúpula dos Povos, onde nações indígenas se misturavam com ambientalistas, jovens e crianças, para preservar ao menos a esperança de que vale a pena lutar por um outro mundo possível e sustentável.

domingo, 24 de junho de 2012

Carta final da Cúpula dos Povos

Recortamos aqui uma parte do Documento Final da Cúpula dos Povos na Rio+20 que apontam convicções e consensos deste importante encontro mundial. O texto inteiro está no site www.cupuladospovos.org.br
As alternativas estão em nossos povos, nossa historia, nossos costumes, conhecimentos, práticas e sistemas produtivos, que devemos manter, revalorizar e ganhar escala como projeto contra-hegemonico e transformador. A defesa dos espaços públicos nas cidades, com gestão democrática e participação popular, a economia cooperativa e solidaria, a soberania alimentar, um novo paradigma de produção, distribuição e consumo, a mudança da matriz energética, são exemplos de alternativas reais frente ao atual sistema agro-urbano-industrial. A defesa dos bens comuns passa pela garantia de uma série de direitos humanos e da natureza, pela solidariedade e respeito às cosmovisões e crenças dos diferentes povos, como, por exemplo, a defesa do “Bem Viver” como forma de existir em harmonia com a natureza, o que pressupõe uma transição justa a ser construída com os trabalhadores/as e povos.

Exigimos uma transição justa que supõe a ampliação do conceito de trabalho, o reconhecimento do trabalho das mulheres e um equilíbrio entre a produção e reprodução, para que esta não seja uma atribuição exclusiva das mulheres. Passa ainda pela liberdade de organização e o direito a contratação coletiva, assim como pelo estabelecimento de uma ampla rede de seguridade e proteção social, entendida como um direito humano, bem como de políticas públicas que garantam formas de trabalho decentes. Afirmamos o feminismo como instrumento da construção da igualdade, a autonomia das mulheres sobre seus corpos e sexualidade e o direito a uma vida livre de violência. Da mesma forma reafirmamos a urgência da distribuição de riqueza e da renda, do combate ao racismo e ao etnocídio, da garantia do direito a terra e território, do direito à cidade, ao meio ambiente e à água, à educação, a cultura, a liberdade de expressão e democratização dos meios de comunicação.

O fortalecimento de diversas economias locais e dos direitos territoriais garantem a construção comunitária de economias mais vibrantes. Estas economias locais proporcionam meios de vida sustentáveis locais, a solidariedade comunitária, componentes vitais da resiliência dos ecossistemas. A diversidade da natureza e sua diversidade cultural associada é fundamento para um novo paradigma de sociedade. Os povos querem determinar para que e para quem se destinam os bens comuns e energéticos, além de assumir o controle popular e democrático de sua produção. Um novo modelo enérgico está baseado em energias renováveis descentralizadas e que garanta energia para a população e não para as corporações. A transformação social exige convergências de ações, articulações e agendas a partir das resistências e alternativas ao sistema capitalista, que estão em curso em todos os cantos do planeta.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Jovem questiona Chefes de Governo na Rio+20

Na quarta-feira, 20 de junho, os 86 chefes de estado reunidos na cerimônia de abertura da Rio+20 ouviram uma pergunta impactante: "Por que estão aqui? É para salvar sua imagem, ou é para nos salvar?". O questionamento foi feito pela jovem Brittany Trilford, de 17 anos, da cidade de Wellington, Nova Zelândia. A estudante inaugurou a tribuna da Cúpula apresentando-se: "Meu nome é Brittany, tenho 17 anos e sou uma criança. Hoje, nesse momento, sou todas as crianças, suas três bilhões de crianças. Pensem em mim como metade do mundo".

Os chefes de estado também foram alertados sobre o tempo disponível. Segundo Brittany, eles tinham 72 horas para resolver o futuro da humanidade.  "Acertei o meu relógio e o tempo está passando: tic, tac, tic, tac... Nós, da próxima geração, exigimos mudança e ação para que tenhamos um futuro". A jovem, que conseguiu participar da Rio+20 após vencer um concurso organizado pela Campanha Global por Ações Climáticas, lembrou a menina de 12 anos, Severn Suzuki, que impressionou todos ao improvisar um apelo durante a Eco-92. "A próxima geração pede mudança, ação, para que possamos ter um futuro. Confiamos em vocês", enfatizou. No concurso internacional, o vídeo de Brittany, produzido em casa, foi considerado o melhor, pelo júri composto por diversos ativistas ambientais. Veja abaixo:



sábado, 16 de junho de 2012

Economia verde: um balanço crítico-construtivo

Leonardo Boff

(..) Partimos de um pressuposto teórico que convém revelar: o teorema de Gödel, segundo o qual, por toda parte reina sempre a incompletude. Tentemos aplicar esse entendimento à ecologia verde e ver o que nela é resgatável e o que não é. Ela pode significar várias coisas.

Em primeiro lugar, pode se propor a recuperação das áreas verdes, desmatadas ou resultantes da degradação e da erosão dos solos e manter em pé florestas ainda existentes. É um propósito positivo e deve ser realizado com urgência. São as manchas verdes que garantem a água para o sistema da vida e que sequestram o dióxido de carbono, diminuindo o aquecimento global. A economia verde neste sentido é desejável.

Em segundo lugar pode sinalizar a valorização econômica das assim chamadas externalidades como água, solos, ar, nutrientes, paisagens, vale dizer, dimensões da natureza (verde) etc. Estes elementos não entravam na avaliação de preço dos produtos. Eram simplesmente bens gratuitos oferecidos pela natureza que cada um podia se apropriar. Hoje, entretanto, com a escassez de bens e serviços, especialmente, de água, nutrientes, fibras e outros começam a ganhar valor. Este deve entrar na composição do preço do produto. Não se trata ainda de mercantilizar tais bens e serviços mas de inclui-los como parte importante do produto. O mesmo vale para os resíduos produzidos, que acabam poluindo águas, envenenando os solos e contaminando o ar. Os custos de sua transformação ou eliminação devem outrossim entrar nos custos finais dos produtos. Assim, por exemplo, para cada quilo de carne bovina precisam-se de 15.500 litros de água; para um hamburguer de carne, 2.400 litros; para um par de sapatos 8.000 litros e até para uma pequena xícara de café, 140 litros de água. O capital natural usado deve ser incluído no capital humano e na economia de mercado (..) Pela economia verde se pretende tomar em consideração o valor estimativo do capital natural, já que está em alto grau de degradação e de crescente escassez. Nesse sentido a economia verde possui uma validade aceitável.

Em terceiro lugar, economia verde, na compreensão do PNUMA que a formulou, deve "produzir uma melhoria do bem estar do ser humano, a equidade social, ao mesmo tempo que reduz significamente os riscos ambientais e a escassez ecológica”. Tal propósito implica um outro modo de produção que respeita o mais possível o alcance e os limites de um determinado bioma (
caatinga, cerrado, amazônico, pampa e outros) e avalia que tipo de intervenção pode ser feita sem estressá-lo, a ponto de não poder se refazer. Demos alguns exemplos. Trata-se de buscar energias alternativas às fósseis, altamente poluentes, energias que se baseiam nos bens e serviços da natureza que menos poluem como a energia hidrelétrica, a eólica, a solar a das marés, a da geotérmica e a de base orgânica. Nunca haverá energia totalmente pura. Mas seu impacto negativo sobre a biosfera pode ser grandemente diminuído (..). E assim poderíamos multiplicar indefinidamente os exemplos. A pressuposição é que este tipo de economia verde represente uma transição para uma verdadeira sustentabilidade econômica, até hoje ainda não alcançada.
(..) A economia verde é aceitável na medida em que for mais a fundo em sua formulação para, então, apresentar outro paradigma de relação para com a Terra, onde não a economia, mas a sustentabilidade geral do planeta, do sistema-vida, da Humanidade e de nossa civilização devem ganhar centralidade. Em razão deste propósito há que organizar a base material econômica em sinergia com as possibilidades da Terra. Cumpre que nós nos sentamos parte dela e comissionados a cuidá-la para que nos passa dar tudo o que precisamos para viver junto com a comunidade de vida.

No entanto, a economia verde pode representar uma vontade altamente perversa da voracidade humana, especialmente, das grandes corporações, de fazer negócios com o que há de mais sagrado na natureza, que são os bens comuns da Terra e da Humanidade, cuja propriedade deve ser coletiva. Entre eles se contam a água, os aquíferos, os rios e os oceanos, a atmosfera, as sementes, os solos, as terras comunais, os parques naturais, as paisagens, as linguas, a ciência, a informação genética, os meios de comunicação, a internet, a saúde e a educação entre outros. Como estão intimamente ligados à vida não podem ser transformados em mercadoria e entrar no circuito de compra e venda. A vida é sagrada e intocável. Pôr preço aos bens e serviços que a natureza nos dá gratuitamente, privatizá-los com a intenção de lucro é a suprema insensatez de uma sociedade de mercado. Ela já havia operado a perversidade de passar de uma economia de mercado para uma sociedade de mercado. Nem tudo pode ser objeto da ganância humana privatista e acumuladora, a serviço dos interesses de poucos à custa do sofrimento da maioria. A vida, por ser sagrada, reagirá, possivelmente nos colocando um obstáculo que poderá liquidar grande parte da própria humanidade. Esse tipo de economia verde é inaceitável.

Por fim, não podemos deixar que as coisas corram de tal forma que o caminho ao abismo seja irreversível. Então nem teremos filhos e netos para chorar o nosso trágico destino. Porque eles também não existirão mais.

terça-feira, 5 de junho de 2012

Dia do meio ambiente: corpo da Terra e o corpo de Cristo

Marcelo Barros
A Amazônia ressurge das águas da pior inundação dos últimos tempos. O sertão do Nordeste, ao contrário, há tempos, não via seca tão extrema. Em outras paisagens do mundo, a cada dia, notícias de um novo terremoto se fazem ouvir. Cientistas concluem: a terra sempre tremeu e o clima sempre alternou enchentes e estiagens, mas nunca em ritmo tão frequente e de forma tão intensa. Atualmente, o ecossistema reage como pode às agressões humanas. A novidade é que se certas profecias indígenas se cumprem e o mundo parece se acabar, dessa vez, a sentença não vem de alguma divindade magoada com os desmandos da humanidade, mas do próprio ser humano que transforma tudo em mercadoria e destrói a natureza apenas em função do lucro. Graças a Deus, uma parte sadia da sociedade civil internacional se mobiliza e toma consciência: a sustentabilidade do planeta é assunto tão urgente e importante que não pode mais ser deixado ao arbítrio de governos que promovem o sistema econômico que destrói a terra. São as comunidades indígenas, grupos afrodescendentes, movimentos sociais organizados e a parte mais consciente da sociedade civil que se articulam e se unem para pensar o futuro e propor uma nova forma de relação do ser humano com a terra e a natureza.

No dia 05 de junho, a ONU celebra mais uma vez o dia internacional do meio ambiente. Neste ano, essa comemoração ocorre poucos dias antes da Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável que se reunirá no Rio de Janeiro de 20 a 22 desse mês. Exatamente por não querer deixar assunto tão determinante para toda a humanidade apenas em mãos de governos e técnicos, a sociedade civil internacional resolveu se mobilizar. No mesmo tempo e lugar, enquanto a ONU se reúne para estudar novas medidas paliativas para aliviar os impactos do Capitalismo sobre a terra, os movimentos sociais se reúnem na Cúpula dos Povos, para um grande mutirão de cura e salvação do planeta Terra, assim como da busca da sustentabilidade que nos envolve a todos. A Conferência oficial da ONU proporá como solução o que está sendo chamado de "economia verde”. Trata-se de taxar um preço para cada elemento da natureza. Pensam que, ao ter de pagar pelas consequências dos seus desmandos, os responsáveis pela destruição evitarão o pior. Ao contrário, as comunidades populares sabem que a terra, a água e o ar não se salvarão por uma cotação de preços à natureza. Qual o preço de uma árvore frondosa? E quanto paga uma empresa para poluir um rio e matar a vida que nele habita? Quanto custará um pouco de ar puro? A Cúpula dos Povos deixará claro que se a sociedade não mudar esse modo de organizar a sociedade não haverá esperança para a terra e a comunidade da vida no planeta.

Nessa mesma semana em que a ONU celebra o Dia Mundial do Meio Ambiente, coincidentemente, na próxima quinta feira, a Igreja Católica celebra a festa do Corpo e Sangue de Cristo. Em muitas cidades, se fazem procissões e em outras concentrações coletivas para honrar a eucaristia. Ainda são poucos os católicos que percebem: ao manifestar sua presença no convívio afetuoso em uma ceia e especificamente nos elementos do pão e do vinho, símbolos de todo o universo, este se torna assim um imenso corpo cósmico do Cristo. É preciso que todas as tradições religiosas fortaleçam a dimensão ecológica da sua espiritualidade. É na comunhão com a terra, a água e todos os seres do universo que encontramos a Deus e, podemos testemunhar o que escreveu Paulo: "quando todas as coisas estiverem sob o projeto e como o Cristo quer, então também esse estará plenamente em Deus e, então, Deus será tudo em todos os seres” (1 Cor 15, 28).

segunda-feira, 4 de junho de 2012

A dor da seca e das cercas no nordeste

Frei Gilvander Moreira

Início de junho de 2012, no sertão da Bahia, depois de tantas promessas com o projeto da transposição do Rio São Francisco. Uma criança de nove anos, com uma irmãzinha menor no colo, carrega um balde de água na cabeça, servida por um caminhão pipa. A mãe foi para São Paulo para trabalhar de doméstica e envia, mensalmente, o pouco que ganha para a família. Eis uma cena que nos leva às lágrimas. Mais uma vez a seca está campeando no semi-árido brasileiro. Quem tem coração chora ao ver e sentir as agruras dos pobres e animais sem água. Estudos do Instituto de Atividades Espaciais – IAE -, de São José dos Campos, SP, prevê, através do “Prognóstico do Tempo a Longo Prazo”, que a cada 26 anos ocorre uma grande seca em todo o semi-árido brasileiro. Grave é que esta seca instalada agora promete durar todo o ano de 2012 e também por todo o ano de 2013 (...)

Nesse árduo contexto, participamos na cidade de Januária, norte de Minas, de 25 a 27 de maio de 2012, do III Encontro popular da bacia do rio São Francisco, promovido pela Articulação Popular São Francisco Vivo.  Participaram dezenas de representantes das lutas de defesa do Rio, do povo e de todo seu bioma, lutas que estão em curso na Bacia Sanfranciscana - de Minas, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. Foi um encontro de resistência. Foi reconfortante (re)encontrar tantas pessoas militantes da mesma causa: a do rio São Francisco, do seu povo e de toda a biodiversidade existente na grande bacia do Velho Chico. Que beleza perceber que os povos tradicionais – quilombolas, indígenas, geraizeiros, vazanteiros, comunidades de fundo e fechos de pasto, pescadores, ribeirinhos – estão firmes resistindo aos projetos capitalistas. Resistem para continuarem existindo!

Visitamos algumas aldeias do povo indígena Xacriabá, no município de São João das Missões, MG. Foi emocionante constatar como os nossos parentes indígenas têm uma mística/espiritualidade que os move a conviver com a terra, as águas e toda a biodiversidade com uma postura de veneração pelo divino que está em todos e em tudo. Os Xacriabás estão lutando pela conquista de seu território integral. Cerca de 50 mil hectares de seu território ainda continuam grilados. Visitamos também três comunidades do Rio dos Cochos que, com o apoio da Cáritas, há mais de dez anos, estão revitalizando o Rio dos Cochos. Com os frutos do cerrado fazem suco, doces, remédios, renda familiar. Fizeram barraginhas com lombadas para contenção das enxurradas e aproveitamento das águas pluviais. Replantaram matas ciliares, tendo, inclusive, matas ciliares doadas para a universidade fazer pesquisa. Recuperaram nascentes e as preservam. Cobram políticas públicas de saneamento e de preservação ambiental em toda a região.

Na análise da conjuntura ficou claro que a Transposição das águas do rio São Francisco vai de mal a pior. Obras paradas com rachaduras, um grande número de famílias expulsas de suas casas, povo desiludido. As promessas estão se revelando falsas, conforme denunciou com autoridade o bispo dom Luiz Flávio Cappio. “Várias construtoras largaram a Transposição e foram fazer obras da COPA. Exigem aditivos contratuais acima de 40%. Quem acreditou na propaganda da transposição está desiludido. Cadê os empregos? Demissões estão acontecendo aos montes”, denuncia padre Sebastião Gonçalves, da Diocese de Floresta, PE. Todos os que estão participando do Projeto de Convivência com o semi-árido dizem: “O problema do Nordeste não é a seca, mas são as cercas do latifúndio, do hidro e agronegócio, da indústria da seca que se compõe de obras faraônicas tal como a Transposição do Velho Chico, a Transnordestina, as monoculturas, grandes projetos para exportação.”

Após muitas trocas de experiências, palestras, debates e planejar a continuidade da luta, o Encontro encerrou-se nas águas do Velho Chico, onde os indígenas cantaram e todos, em duplas, se “batizaram” nas águas que clamam por revitalização. Assim, revigorados na esperança e conspirando uma causa justa e sublime voltaram para suas bases, os de Alagoas e de Sergipe tendo que pegar 36 horas de viagem. Voltaram para suas bases com o compromisso com a luta reafirmado. Lá nas bases, sobretudo os que estão no Nordeste, sabem que a cena acima apresentada, uma criança de nove anos com a lata de água na cabeça e uma irmãzinha no colo tem sido as cenas do dia-a-dia, com a falta de chuva e de políticas públicas que priorizem, de fato, a convivência com o semiárido.