quarta-feira, 28 de abril de 2010

Conferência Mundial dos Povos

Leonardo Boff participou recentemente da Conferência Mundial dos Povos, na Bolívia.
Eis seu relato sobre o evento, e as reflexões daí decorrentes.

Como é sabido, em dezembro de 2009 realizou-se em Copenhague a Conferência Mundial dos Estados sobre o Clima. Não se chegou a nenhum consenso porque foi dominada pela lógica do capital e não pela lógica da ecologia. Isso significa: os delegados e chefes de Estado presentes representavam mais seus interesses econômicos que seus povos. A questão para eles era: quanto deixo de ganhar aceitando preceitos ecológicos que visam purificar o planeta e assim garantir as condições para a continuidade da vida. Não se via o todo, a vida e a Terra, mas os interesses particulares de cada pais.
A lógica ecológica vê o interesse coletivo, pois visa o equilíbrio entre ser humano e natureza, entre produção, consumo e capacidade de recomposição dos recursos e serviços da Terra. Rompendo esta equação, coisa que o modo de produção capitalista já vem fazendo há séculos, surgem efeitos não desejados, chamados de "externalidades": devastação da natureza, graves injustiças sociais, desconsideração das necessidades das futuras gerações e o efeito irreversível do aquecimento global que, no limite, pode pôr tudo a perder.

Em Cochabamba, na Bolívia, viu-se exatamente o contrário: o triunfo da lógica da ecologia e da vida. Nos dias 19-23 de abril celebrou-se a Cúpula Mundial dos Povos sobre as Mudanças Climáticas e os Direitos da Mãe Terra. Ai estavam 35.500 representantes dos povos da Terra, vindos de 142 países. A centralidade era ocupada pela Terra, tida como Pacha Mama, grande Mãe, sua dignidade e direitos, a vida em toda sua imensa diversidade (superação de qualquer antropocentrismo), nossa responsabilidade comum para garantir a condições ecológicas, sociais e espirituais que nos permitem viver, sem ameaças, nesse planeta. As 17 meses de trabalho, ao contrário de Copenhague, chegaram a um extraordinário consenso, pois todos tinham na mente e no coração o amor à vida e à Pacha Mama "com a qual todos temos uma relação indivisível, interdependente, complementar e espiritual" como diz o documento final.No lugar do capitalismo competitivo, do progresso e do crescimento ilimitado, hostil ao equilíbrio com a natureza, se colocou "o bem viver", categoria central da cosmologia andina, verdadeira alternativa para a humanidade que consiste: viver em harmonia consigo mesmo, com os outros, com a Pacha Mama, com as energias da natureza, do ar, do solo, das águas, das montanhas, dos animais e das plantas e em harmonia com os espíritos e com a Divindade, sustentada por uma economia do suficiente e decente para todos, incluidos os demais seres.

Elaborou-se uma Declaração dos Direitos da Mãe Terra que prevê entre outros: o direito à vida e à existência; o direito de ser respeitada; o direito à continuação de seus ciclos e processos vitais, livre de alterações humanas; o direito a manter sua identidade e integridade com seus seres diferenciados e interrelacionados; o direito à água como fonte de vida; o direito ao ar limpo; o direito à saúde integral; o direito a estar livre da contaminação e poluição, de dejetos tóxicos e radioativos; o direito a uma restauração plena e pronta das violações inflingidas pelas atividades humanas. Previu-se também a criação de um Tribunal Internacional de Justiça Climática e Ambiental, com capacidade jurídica e vinculante de prevenir, julgar e sancionar os Estados, empresas e pessoas por ações ou omissões que contaminem e provoquem mudanças climáticas e que cometam graves atentados aos ecossistemas que garantem o "bem viver".

Resolveu-se levar os resultados desta Cúpula dos Povos à ONU para que seus conteúdos sejam comtemplados na próxima Conferência Mundial a realizar-se em novembro/dezembro deste ano em Cancún no México. O significado mais profundo desta Cúpula é a convicção, crescente entre os povos, de que não podemos mais confiar o destino da vida e da Terra aos chefes de Estado, reféns de seus dogmas capitalistas. O Brasil lamentavelmente não enviou nenhum representante, pois para o atual governo parece ser mais importante a "aceleração do crescimento" que garantir o futuro da vida.
Esta Cúpula dos Povos apontou a direção certa: para uma biocivilização em equilíbrio de todos com todos e com tudo.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

10 anos de Carta da Terra

N dia 22/4/2010, o Dia da Terra, teve início, em diferentes lugares do mundo, as comemorações dos dez anos da Carta da Terra, declaração de princípios éticos para a construção de um mundo pacífico e sustentável.
Assista o vídeo e busque saber mais sobre a Carta da Terra.
A Carta da Terra começa com você!


Para saber mais:
* Carta da Terra
* Carta da Terra Internacional

terça-feira, 20 de abril de 2010

22 de abril: dia da Mãe Terra

Há 40 anos, pessoas do mundo todo comemoram, em 22 de abril, o Dia da Terra. Mas, a ONU nunca o celebrou oficialmente. No ano passado, o presidente da Bolívia, Evo Morales, sugeriu que o órgão proclamasse a data como o Dia Internacional da Mãe Terra. A proposta foi acatada por unanimidade na Assembléia Geral das Nações Unidas, realizada em Nova York, no próprio dia 22.
Na época, Morales elogiou a decisão dizendo que: “Sessenta anos depois da adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Mãe Terra está, agora, finalmente tendo seus direitos reconhecidos”.
A nomenclatura é inspirada na própria tradição boliviana de chamar o planeta de Pacha Mama, que na linguagem quíchua quer dizer “Mãe do Mundo”, em referência à divindade máxima dos povos andinos.
O presidente da Assembléia Geral das Nações Unidas, Miguel D’Escoto Brockmann, comentou que “todos nós viemos da Terra e para a Terra retornaremos. Durante nossa vida aqui, a Terra nos sustenta e toma conta de nós, purificando o ar que respiramos e provendo alimentos saudáveis para nossa sobrevivência. É por isso que eu amo ouvir nossa Terra sendo chamada de ‘Mãe Terra’”.
Brockmann ainda acrescentou que a inclusão está no coração do Dia Internacional da Mãe Terra, e que a divisão de responsabilidades para reconstruir nossa complicada relação com a natureza é o que vem unindo as pessoas ao redor do mundo. Especialmente neste momento em que os cientistas temem estarmos nos aproximando de um ponto em que os danos ambientais se tornem irreversíveis.
O presidente boliviano espera agora que seja redigida uma Declaração dos Direitos da Mãe Terra, em que se contemple o direito à vida para todos os seres vivos, à regeneração da biodiversidade do planeta, à vida limpa, livre de contaminação e poluição, e o direito à harmonia e ao equilíbrio entre todas as coisas.

Fonte: Planeta Sustentável
Foto: NASA

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Forum Mudanças Climáticas e Justiça Social

Publicamos aqui as conclusões do Forum, acontecido em Brasília, no inicio de abril.

Vivemos um momento da história da humanidade em que está em risco o futuro das mais diversas formas de vida no planeta terra, inclusive do ser humano. A conjugação simultânea das crises atuais e, especialmente a questão ecológica, tem desencadeado tragédias de enormes proporções, o que impõe a urgente adoção de medidas que envolvam a todos.
Preocupa-nos profundamente o impacto desproporcional que as mudanças climáticas, provocadas pela ação do ser humano no planeta, têm causado nas populações mais pobres e vulneráveis que vivem permanentemente em áreas e situações de risco.
Estas pessoas que vivem em situações de pobreza têm mostrado grande capacidade de resistência e de sobrevivência diante do impacto das mudanças do clima sobre suas vidas e seu sustento. No entanto, estão chegando rapidamente a um limite, a partir do qual já não mais poderão sequer adaptar-se a novas formas de vida.

Não bastasse o fato de que as mudanças climáticas afetam a vida do planeta como um todo, os que menos contribuíram para que chegássemos a tal situação são os que mais sofrem suas consequências. Os refugiados pelas alterações climáticas já somam a 45 milhões de pessoas.
Neste sentido, por um lado é crucial que enfrentemos o debate sobre as alterações climáticas numa perspectiva de desenvolvimento, porém, centrada nas pessoas, em seus direitos, respeitando e promovendo a equidade e a justiça social. Por outro lado, para se alcançar uma justiça eficaz, as indústrias poluidoras devem pagar pelos seus atos e os principais responsáveis pelo aumento das temperaturas mundiais devem assumir as suas responsabilidades para enfrentar essa ameaça global.

Para o Brasil, o maior desafio é continuar o desenvolvimento sem aumentar a emissão de gases de efeito estufa e incluir socialmente grandes segmentos da população sem aumentar a crise do clima. Coloca-se aí o maior dos impasses: o debate sobre a construção de outro paradigma de desenvolvimento que seja efetivamente justo, sustentável e responsável com a natureza e com as futuras gerações.
Fazer este debate significa, de um lado, ampliar e qualificar a discussão sobre tecnologias e matriz energética realmente limpa; significa também buscar uma economia de baixa emissão de gases de efeito estufa, e uma nova racionalidade para o consumo humano, bem como garantir a seguridade e soberania alimentar e os demais direitos sociais das populações e povos.
Por outro lado, faz-se necessário a criação de um mecanismo de governança mundial equitativo e transparente que represente os países pobres e em desenvolvimento e que faça a gestão e o controle dos fundos para mudanças climáticas. Faz-se necessário construir mecanismos que contribuam para um modelo de desenvolvimento que tenha como base a agroecologia, uma matriz energética diversificada e descentralizada e o reconhecimento e valorização das práticas tradicionais baseadas na convivência entre produção e preservação ambiental. Faz-se necessário promover a sustentabilidade e dignidade do desenvolvimento humano, especialmente das populações mais vulneráveis, e a integridade dos processos ecológicos, mediante a transformação da economia e o fortalecimento da democracia.

Diante da gravidade das mudanças climáticas, este Fórum propõe:
a) Ampliar o conhecimento e monitorar os impactos sociais e ambientais das mudanças climáticas e do aquecimento global, averiguar suas causas e suas consequências, tendo prioritariamente como referência a sabedoria dos povos tradicionais e a opinião das pessoas que já passam por situações graves relacionadas ao assunto, bem como os estudos de cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC).
b) Desenvolver ações conjuntas e abrangentes, para enfrentar os problemas decorrentes do aquecimento e encontrar alternativas de adaptação para as populações, especialmente as mais pobres que são as mais violentamente atingidas.
c) Opor-se radicalmente ao projeto de construção da usina de Belo Monte, no Estado do Pará, considerando ser este empreendimento altamente depredador da natureza e das populações locais.
d) Reafirmar nossa corresponsabilidade em relação ao cuidado com a integridade da criação, obra divina, como imperativo da fé cristã.

Na solidariedade com a Terra crucificada em sua desafiante paixão, na certeza da força da páscoa da ressurreição, reafirmamos nosso permanente compromisso em defesa da vida no planeta e do planeta terra.
Brasília – DF, 7 de abril de 2010.

domingo, 11 de abril de 2010

Mudanças climáticas e Epidemias

Partilhamos com você um artigo do Dr. Dráuzio Varella, intitulado: "Tempestades, calor e epidemias".

FICO DESNORTEADO quando escuto falar de aquecimento global. Ouço as justificativas dos que o consideram uma ameaça à vida na Terra e fico com a impressão de que estão certos (...) A ignorância crassa em climatologia não é a única culpada de minha incapacidade de interpretar os estudos que servem de base para conclusões tão díspares. Os interesses econômicos, a politização e as paixões envolvidas nesse debate confundem e dificultam o entendimento. Sem me envolver nessas controvérsias, no entanto, tomo a liberdade de resumir um artigo que acaba de ser publicado na revista "The New England Journal of Medicine" pela infectologista Emily Shuman, da Universidade de Michigan, sob o título "Mudanças Climáticas Globais e Doenças Infecciosas".

De forma bem simplificada, leitor, podemos dizer que as mudanças do clima acontecem como resultado do desequilíbrio entre as radiações que penetram e as que deixam a atmosfera. Ao entrar na atmosfera, parte das radiações solares é absorvida pela superfície da Terra e reemitida como radiação infravermelha.Esses raios infravermelhos acabam absorvidos pelos gases liberados principalmente pelos combustíveis fósseis (metano, gás carbônico, óxido nitroso e outros), que deixaram de ser removidos da atmosfera por causa do desmatamento e da produção excessiva. Como esse processo de absorção gera calor, recebe o nome de efeito estufa. Porque a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento atingiram níveis altos, as temperaturas globais têm subido num ritmo mais rápido do que em qualquer época, desde que começaram a ser medidas nos anos 1850. E, as estimativas são de que ainda aumentem de 1,8 ºC a 5,8 ºC, até o fim deste século.
O aquecimento modificará o ciclo da água. Uma vez que o ar mais quente retém mais água do que o frio, em algumas regiões haverá muita chuva; em outras, as secas se repetirão. Tempestades e ondas de calor insuportável serão cada vez mais frequentes.Tais variações climáticas terão forte impacto na incidência das doenças transmitidas por insetos e naquelas disseminadas através da água contaminada. Os insetos se tornam mais ativos no calor. O mosquito da malária, por exemplo, requer temperaturas acima de 16 ºC para completar seu ciclo de vida e necessita de água para botar os ovos. Temporadas de calor e chuvas torrenciais poderão causar milhões de novos casos da doença.Ao contrário, epidemias como as do vírus do Nilo Ocidental, doença transmitida ao homem por mosquitos que picaram pássaros infectados, costumam disseminar-se nas secas, quando aves e insetos ficam mais próximos dos poucos reservatórios de água remanescentes.Já há evidências de que mudanças climáticas introduziram epidemias em regiões anteriormente livres delas. É o caso da malária que hoje se espalha pelas terras altas do leste africano em razão de um clima muito mais quente e úmido do que o habitual na área.Da mesma forma, diarreias epidêmicas, parasitoses intestinais e outras enfermidades transmissíveis por meio da água contaminada têm sua incidência aumentada, tanto por causa das dificuldades de saneamento nas secas, quanto por contaminação com esgotos, lixo e dejetos de animais durante as enchentes.

No ano 2000, a Organização Mundial da Saúde calculou que doenças atribuíveis a mudanças climáticas haviam sido responsáveis pela perda de 188 milhões de anos de vida por morte prematura ou incapacidade física, apenas na América Latina e Caribe; na África, foram 307 milhões de anos; no sudeste asiático, 1,7 bilhão. Esses números contrastam com os dos países industrializados: 8,9 milhões.Independentemente das especulações sobre o futuro do clima, fica claro que os mais pobres já estão pagando a conta do desmatamento e das emissões de gases dos países desenvolvidos e das economias que crescem em ritmo acelerado como a chinesa e a indiana.

domingo, 4 de abril de 2010

Ressurreição, nova criação

No começo, Deus criou o céu e a terra.
Pôs em movimento um processo evolutivo, ainda aberto.
Deste processo, animado pelo Espírito divino, pela sua Palavra, surge o ser humano.
Imagem e semelhança de Deus, criatura, filho da Terra, jardineiro da criação.
E a história se desenrolou, com luzes e trevas, Graça e des-graças..
E, um dia, o Filho de Deus veio habitar este mundo.
Provou suas belezas e limitações.
Viveu no meio de homens e mulheres, abrindo o caminho de um novo jeito de ser.
Mas foi cruelmente assassinado, em morte violenta.
Acabou a esperança? Não.
A madrugada da ressurreição anuncia a “Nova criação”
O sonho de Deus para nossa Terra não é reduzi-la a uma tumba,
E sim desenvolver suas potencialidades de jardim.
Jesus ressuscitado inaugura neste mundo a vitória de Deus e das forças do BEM.
Sua luz atinge todas as criaturas: os seres bióticos (água, solo, ar, energia), os seres vivos (microorganismos, plantas e animais) e os humanos.
O ressuscitado aparece a Maria Madalena, que o confunde com o jardineiro.
Ele de fato é o jardineiro da nova criação.
Ainda é tempo de transformar o nosso planeta em Jardim!
A luz da ressurreição ilumina com luz nova a luta pela sustentabilidade.
Aleluia!

Texto: Afonso Murad
Imagem: Romero Brito