Leonardo Boff
(..) Partimos de um pressuposto teórico que convém revelar: o teorema de Gödel, segundo o qual, por toda parte reina sempre a incompletude. Tentemos
aplicar esse entendimento à ecologia verde e ver o que nela é resgatável e o
que não é. Ela pode significar várias coisas.
Em primeiro
lugar, pode se propor a recuperação das áreas verdes,
desmatadas ou resultantes da degradação e da erosão dos solos e manter em pé
florestas ainda existentes. É um propósito positivo e deve ser realizado com
urgência. São as manchas verdes que garantem a água para o sistema da vida e
que sequestram o dióxido de carbono, diminuindo o aquecimento global. A
economia verde neste sentido é desejável.
Em segundo
lugar pode sinalizar a valorização econômica das assim chamadas
externalidades como água, solos, ar, nutrientes, paisagens, vale dizer,
dimensões da natureza (verde) etc. Estes elementos não entravam na avaliação de
preço dos produtos. Eram simplesmente bens gratuitos oferecidos pela natureza
que cada um podia se apropriar. Hoje, entretanto, com a escassez de bens e
serviços, especialmente, de água, nutrientes, fibras e outros começam a ganhar
valor. Este deve entrar na composição do preço do produto. Não se trata ainda
de mercantilizar tais bens e serviços mas de inclui-los como parte importante
do produto. O mesmo vale para os resíduos produzidos, que acabam poluindo
águas, envenenando os solos e contaminando o ar. Os custos de sua transformação
ou eliminação devem outrossim entrar nos custos finais dos produtos. Assim, por
exemplo, para cada quilo de carne bovina precisam-se de 15.500 litros de água;
para um hamburguer de carne, 2.400 litros; para um par de sapatos 8.000 litros
e até para uma pequena xícara de café, 140 litros de água. O capital natural usado
deve ser incluído no capital humano e na economia de mercado (..) Pela economia verde se pretende tomar em consideração
o valor estimativo do capital natural, já que está em alto grau de degradação e
de crescente escassez. Nesse sentido a economia verde possui uma validade
aceitável.
Em
terceiro lugar, economia verde, na compreensão do PNUMA que
a formulou, deve "produzir uma melhoria do bem estar do ser humano, a
equidade social, ao mesmo tempo que reduz significamente os riscos ambientais e
a escassez ecológica”. Tal propósito implica um outro modo de produção que
respeita o mais possível o alcance e os limites de um determinado bioma (caatinga, cerrado, amazônico, pampa e
outros) e avalia que tipo de intervenção pode ser
feita sem estressá-lo, a ponto de não poder se refazer. Demos alguns exemplos.
Trata-se de buscar energias alternativas às fósseis, altamente poluentes,
energias que se baseiam nos bens e serviços da natureza que menos poluem como a
energia hidrelétrica, a eólica, a solar a das marés, a da geotérmica e a de
base orgânica. Nunca haverá energia totalmente pura. Mas seu impacto negativo
sobre a biosfera pode ser grandemente diminuído (..). E assim poderíamos
multiplicar indefinidamente os exemplos. A pressuposição é que este tipo de
economia verde represente uma transição para uma verdadeira sustentabilidade
econômica, até hoje ainda não alcançada.
(..) A economia verde é aceitável na medida em que for mais a
fundo em sua formulação para, então, apresentar outro paradigma de relação para
com a Terra, onde não a economia, mas a sustentabilidade geral do planeta, do
sistema-vida, da Humanidade e de nossa civilização devem ganhar centralidade.
Em razão deste propósito há que organizar a base material econômica em sinergia
com as possibilidades da Terra. Cumpre que nós nos sentamos parte dela e
comissionados a cuidá-la para que nos passa dar tudo o que precisamos para
viver junto com a comunidade de vida.
No entanto, a economia verde pode
representar uma vontade altamente perversa da voracidade humana, especialmente,
das grandes corporações, de fazer negócios com o que há de mais sagrado na
natureza, que são os bens comuns da Terra e da Humanidade, cuja propriedade
deve ser coletiva. Entre eles se contam a água, os aquíferos, os rios e os
oceanos, a atmosfera, as sementes, os solos, as terras comunais, os parques
naturais, as paisagens, as linguas, a ciência, a informação genética, os meios
de comunicação, a internet, a saúde e a educação entre outros. Como estão
intimamente ligados à vida não podem ser transformados em mercadoria e entrar
no circuito de compra e venda. A vida é sagrada e intocável. Pôr preço aos bens e serviços que a natureza nos dá gratuitamente,
privatizá-los com a intenção de lucro é a suprema insensatez de uma sociedade
de mercado. Ela já havia operado a perversidade de passar de uma economia de
mercado para uma sociedade de mercado. Nem tudo pode ser objeto da ganância humana
privatista e acumuladora, a serviço dos interesses de poucos à custa do
sofrimento da maioria. A vida, por ser sagrada, reagirá, possivelmente nos
colocando um obstáculo que poderá liquidar grande parte da própria humanidade.
Esse tipo de economia verde é inaceitável.
Por fim, não podemos deixar que as coisas corram de tal forma que o caminho ao
abismo seja irreversível. Então nem teremos filhos e netos para chorar o nosso
trágico destino. Porque eles também não existirão mais.
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