Daniela Chiaretti, jornal Valor, 07-12-2012
Não era só a música árabe melancólica que abatia o ânimo no
imenso centro de conferências de Doha, no Qatar. Além da exaustão de se
falar dos temas de sempre - a falta de recursos financeiros, a transferência de
tecnologia que não acontece, o segundo período do Protocolo de Kyoto com
metas de redução de gases-estufa que não fazem cócegas na mudança do clima -
começava-se a ouvir com mais frequência críticas sobre os resultados concretos
das rodadas de negociação climática. Os avanços são mínimos, e o problema,
gigante.
Não há chefes de Estado na conferência do clima do Qatar.
Ao contrário da reunião de Copenhague, em 2009, ninguém tem na ponta do
lápis quanto as promessas de redução de emissões podem significar na conta
geral do aquecimento do planeta. Os anfitriões no Qatar, com a maior emissão per
capita do mundo, a maior renda per capita, grande reserva de gás e petróleo,
não estabeleceram metas de redução de emissão voluntárias, sendo protagonistas
em sinalizar com uma economia de baixo carbono nesta região do mundo.
Anunciaram, apenas, mais uma instituição de pesquisa para estudar o aquecimento
global e tecnologias verdes.
Na tenda vermelha de um dos restaurantes do centro de
convenções montado sob uma assombrosa estrutura de alicerces em forma de
árvores, um experiente observador das rodadas climáticas da ONU estava
desolado. "As pessoas que podem responder a este desafio não estão
aqui", lembrava. "Ministros de Meio Ambiente e de Relações Exteriores
não vão resolver." Temas relevantes não chegam perto das negociações
climáticas. Alguns números ajudam a colocar, em perspectiva, um dos impasses
desta rodada: a falta de recursos financeiros. Os investimentos em energias
renováveis no mundo em 2010 bateram em quase US$ 1 trilhão - e isso quer dizer
apenas 1% do mercado internacional de títulos. O mercado global de carbono
movimenta mais de US$ 200 bilhões ao ano - e isso representa só 1/30 do
movimento diário do mercado de câmbio global.
O último relatório da Agência Internacional de Energia
(AIE), divulgado há poucos dias, diz que, se se investisse em todos os
projetos relacionados a eficiência energética no mundo, seria possível dar um
impulso de US$ 6 trilhões à economia global até 2025, o que poderia atrasar em
cinco anos o momento em que as emissões do mundo têm que atingir o pico para,
depois, despencarem rapidamente. Isso se se quiser evitar que a temperatura
aqueça mais do que 2ºC ao fim deste século, como recomendam cientistas e como
foi acertado pelos líderes globais. Ainda, o mundo gasta todos os anos mais de US$ 500 bilhões
em incentivos a combustíveis fósseis. Diante dessas cifras, o que são US$ 60
bilhões de recursos financeiros até 2015 sendo suplicados em Doha por
países pobres e nações-ilha para conseguirem erguer diques e conter o avanço do
mar ou lidar melhor com secas cada vez mais fortes em regiões carentes?
Os diplomatas reunidos em Doha, em Durban, em Cancún,
em Copenhague ou em Poznan - só para ficar nas rodadas mais
recentes de negociação climática, depois da divulgação do relatório do IPCC,
o braço científico da ONU, que colocou em evidência que as ações humanas estão
levando o planeta a uma mudança climática de consequências imprevisíveis - são
habilidosos em avançar o mínimo possível ano a ano. Cumprem à risca as
determinações de seus governos. O problema é que a tarefa tem horizontes
estreitos. O que vem sendo discutido nas COPs é complexo e
importante, mas não chega perto da solução do problema. A negociação está
ficando complicada demais e restrita à compreensão de uma parcela minúscula dos
7 bilhões de habitantes do planeta. Está se discutindo a árvore enquanto a
floresta está queimando ou afundando.