Washington
Novaes
O tema das formigas é altamente relevante, fascinante mesmo,
por muitos ângulos. E quem se interessar pode, por exemplo, consultar o livro
Journey to the Ants - a Story of Scientific Exploration (Harvard Press
University, 1994), de Bert Hölldobler
e Edward O. Wilson, este último
considerado um dos maiores conhecedores da biodiversidade e o maior
especialista em mirmecologia, o estudo das formigas, ao qual se dedica há meio
século no mundo todo, com vários livros publicados. A ponto de um deles (The Ants, 1990) pesar 3,4 quilos.
Juntos, Wilson e Hölldobler têm pesquisas de quase um
século.
Wilson e Hölldobler começam ensinando aos
humanos uma lição admirável das formigas: o seu êxito - que as levará a dominar
o planeta, de acordo com o primeiro - decorre do extraordinário comportamento
de cooperação entre os milhares de membros de cada colônia, que produz extrema
eficiência na busca, no transporte e no armazenamento de alimentos, na
reprodução, na defesa do grupo, etc. Uma das armas principais nessa luta
coletiva pela vida é o uso de vários tipos de linguagem (corporal, visual,
gestual, etc.), principalmente química - porque o odor de cada parte do corpo,
emitido no encontro de dois seres, pode ter significados muito específicos, como
alarme, desejo de atração, disposição para cuidar da cria, oferta de alimentos,
etc. E essa cooperação é a base da sobrevivência.
A colônia é o sentido fundamental da vida para cada formiga,
embora possa haver disputa entre a rainha e formigas operárias quando estas se
sentem em condições de reproduzir (o que cabe à rainha). Pode haver também
conflitos com outras formigas da mesma espécie. Mas, com suas características,
as formigas sobrevivem há muito mais tempo que os seres humanos, uns 100
milhões de anos, desde a época dos dinossauros. É quase inacreditável, quando
se lembra que o tamanho de uma formiga é de cerca de um milionésimo do corpo
humano. Mas elas representam 1% do quintilhão de insetos que existem no planeta
- já eram na década de 1990 cerca de 10 quatrilhões e cada formiga se reproduz
umas 500 vezes nos 20 anos que o ser humano leva para formar cada nova geração.
Por isso, pensa Wilson, as formigas dominarão a Terra. Hoje, juntas, pesam
tanto quanto todos os seres humanos.
Já existem estudos demonstrando que na Floresta Amazônica, perto de Manaus,
formigas e térmites (cupins) representam um terço da biomassa animal. Se a elas
se acrescentarem abelhas e vespas, serão 80% do total. Por isso, dizem Wilson e seu parceiro, pode-se
afirmar que "o socialismo funciona, em certas circunstâncias. Karl Marx apenas escolheu a espécie
errada" para estudar. Embora, no caso das formigas, suas 500 mil células
nervosas tenham, juntas, apenas o tamanho de uma letra numa página de livro. E
se todas as espécies de formigas desaparecessem, afirmam, "seria uma
catástrofe".
Poderíamos aprender muito com formigas, cupins e também com
muitas espécies vegetais. Há alguns anos, quando produzia um documentário para
a TV Cultura, o autor destas linhas foi ao Jardim Botânico paulistano acompanhando um especialista em
grandes estruturas de concreto na Universidade de São Paulo (USP), que começou
mostrando uma variedade de bambu com a maior capacidade de resistência a
impactos físicos por centímetro quadrado - e o estudo dos fundamentos dessa
resistência serviam para orientar a criação de grandes estruturas de concreto.
Depois mostrou um cupinzeiro, abrindo com as palavras: "Este é o edifício
mais inteligente que existe. Aqui vivem dezenas de milhares de indivíduos, que
convivem em harmonia, trafegam sem congestionamento (para buscar alimentos),
sem colisões, sem conflitos, orientando-se com várias linguagens. No interior
do cupinzeiro existem câmaras específicas onde a rainha deposita seus ovos para
reprodução; câmaras para depósito de alimentos, com orifícios no alto para a
saída de gases da decomposição; outros orifícios que são fechados ou abertos
por ação dos cupins, para adaptar-se às temperaturas fria ou quente. Pode haver
algo mais racional?".
No momento em que tantos estudos mostram o momento difícil
que vivemos por causa das várias crises globais, incluindo a da finitude de
recursos naturais, é preciso entender muito mais não apenas da relação humana
com os ecossistemas, biomas, áreas específicas, mas também do significado, em
cada um deles, das muitas espécies, sua importância para a conservação - e para
a sobrevivência humana. É espantoso: na hora em que cientistas afirmam que toda
a superfície de gelo acumulada no Ártico pode derreter-se (nos meses de
verão) em quatro anos (guardian.co.uk, 17/9), liberando quantidades assombrosas
de metano acumuladas sob a camada até aqui permanente, é preciso ter
consciência da gravidade da situação. E da necessidade de levar os
comportamentos sociais a serem adequados às novas questões. Até formigas,
cupins, abelhas e vespas se enquadram nesse contexto.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 28/09/2012 (texto resumido)
Que linda reflexão, dá até vontade de ser formiga! Curti o texto e estou aguardando a proxima postagem...
ResponderExcluirLembro das nossas aulas.
Lembranças.. Hélem de Oliveira