quinta-feira, 16 de julho de 2015

Forum Temático: Religião, ecologia e cidadania planetária

Mais uma vez, aconteceu o Forum Temático "Religião, ecologia e cidadania planetária" durante o Congresso Internacional da SOTER (Sociedade de Teologia e Ciências da Religião). Apresentações se realizar sob o olhar de diversas disciplinas.

O FT “Religião, ecologia e cidadania planetária” visa discutir questões teóricas e experiências relevantes na relação entre Religião, cuidado com a Terra e superação do antropocentrismo, dando continuidade ao trabalho realizado desde 2011. Serão aceitas comunicações que (1) abordem problemas teóricos envolvidos no debate atual da Teologia e das Ciências da Religião, (2) analisem experiências de formação da consciência ecológica/planetária, (3) apresentem dados de pesquisa empírica sobre o assunto, (4) reflitam sobre as imagens de Deus e a espiritualidade que afloram de práticas em favor da sustentabilidade e do Bem-Viver. O Forum Temático é realizado juntamente com o seminário dos grupos de pesquisa “Modernidade, Religião e Ecologia” e “Ecoteologia”.

domingo, 5 de julho de 2015

O caso Giordano Bruno

No capítulo XI de seu livro Ciência e Sabedoria, Jürgen Moltmann apresenta de modo sucinto a biografia de Giordano Bruno e os traços básicos de sua visão de mundo e de homem.
Giordano Bruno nasceu em 1548 em Nola, província de Nápoles. Em 1565 entrou no mosteiro dominicano em Nápoles. Foi ordenado padre em 1572, época da qual procede sua formação de filosofia da natureza antiga e humanista. Em 1576, a partir de uma ata secreta, foi levantada contra ele, junto à Inquisição, uma acusação por causa de dúvidas quanto à fé e de uma tendência à poesia lasciva.
Para evitar o processo judicial, Bruno fugiu e procurou refúgio nos centros intelectuais europeus dessa época. Em 1579 chegou a Gênova, o asilo de fugitivos evangélicos de toda a Europa. Em seguida se mudou para Toulouse onde conquistou o mais alto grau académico (venia legenda) em teologia e começou uma atividade bem-sucedida de professor. Em 1581 se mudou para Paris, onde ganhou grande reputação como professor e por seu livro sobre a arte da memória. Em 1583 se transferiu para Londres e deu cursos em Oxford sobre a cosmologia de Copérnico. Na Inglaterra tolerante dessa época publicou suas obras cosmológicas.
Em 1585 voltou à França e foi convidado para lecionar na Universidade luterana de Wittenberg. Em 1589 exerceu a docência na universidade luterana em Helmstedt e escreveu sua principal obra sobre cosmologia, De monado, numero et figua liber. Em 1591 lecionou em Zurique. Na época já era uma celebridade europeia. Mas depois recebeu o convite traiçoeiro e fatídico de Giovanni Mocenigo para ir a Veneza. Este o denunciou à Inquisição, que o prendeu em 1592. Em 1593 foi transferido à prisão do Santo Ofício em Roma. Graças a uma defesa habilidosa e uma certa irresolução dos inquisidores, seu processo se estendeu por mais de sete anos.
As acusações contra ele eram difusas. Sua defesa afirmou que ele era filósofo, não teólogo, e que argumentara de acordo com o entendimento natural, não com a fé. Em 1600 Bruno foi condenado e queimado vivo.
Já em 1543 tinha aparecido a obra de Copérnico sobre Os movimentos circulares dos corpos celestes, que causou a dissolução da mundivisão geocêntrica. Mas Giordano Bruno foi o primeiro a reconhecer o alcance dessa descoberta e a tirar as consequências para a teologia. Bruno aboliu todo centrismo e teve a coragem de pensar a infinitude do universo e a relatividade do centro e dos limites. “No universo não há nem centro, nem circunferência, mas se quiseres, em tudo há um centro e qualquer ponto pode valer como centro de qualquer circunferência” (De l’infinito, 5,2). Único é apenas o céu, o espaço incomensurável. Desse espaço e dos corpos que nele se encontram resulta o universo como um todo conexo. Se há no espaço esse mundo, então naquele espaço pode haver outros mundos, e em incontáveis outros espaços incontáveis outros mundos.
Como compaginar a absoluta infinitude de Deus com essa infinitude do universo incomensurável? Como se relaciona a unidade de Deus com essa multiplicidade dos mundos? Bruno procurou esclarecer as diferenças entre Deus e universo: Deus é o delimitador, o mundo o delimitado. O Mundo é infinito, Deus o abrange no sentido da inteireza perfeita e do ser total no universo. O universo não tem uma infinitude absoluta, mas dimensional. A infinitude cósmica e a divina não se contradizem. Bruno não introduz Deus no mundo, mas faz luzir o mundo em Deus. Se o mundo é incomensurável e dimensionalmente infinito, a divindade, na medida em que é, deve ser maior. O conceito de Deus é, portanto, irrenunciável.
Mas a divindade não apenas abrange tudo, mas é também o ser total em cada indivíduo. Deus é o máximo e o mínimo ao mesmo tempo. Se o mínimo geométrico é o ponto, e o mínimo físico é o átomo, o mínimo metafísico é a mônada. Todas as coisas são construídas dessas unidades básicas. Elas formam a unidade real do mundo, pois a divindade é a monas monadum.
No entanto, o universo de Bruno é pensado de forma organológica, o que o faz retomar a doutrina estóica de alma do mundo, também familiar para os Padres da Igreja: a alma do mundo, que vivifica e move tudo, é a dinâmica divina do universo. Isso resultou na concepção de um mundo que é um organismo vivo. A unidade que atua em toda parte é Deus.
Para Bruno, o ser humano não é mais o centro de um mundo criado por causa dele, mas justamente por isso, pode e deve escolher livremente o centro e criar, ele mesmo, sua orientação. Em face do universo incomensurável, o homem descobre sua própria dignidade e grandeza. Ele é o “herói apaixonado”, aquele que percebe a profunda harmonia com o universo: no finito ele se torna um com o infinito. Torna-se um com aquilo que torna o mundo intimamente ligado.
O diálogo teológico com Bruno deve ocorrer hoje sob a impressão da crise ecológica, provocada pela visão de mundo mecanicista e pela civilização técnico-científica. O pressuposto metafísico para o desenvolvimento dessa visão do mundo foi retirar a alma do mundo. A concepção masculina de domínio desalojou a antiga imagem feminina do mundo organicamente animado. Nesse sentido, a meta não é mais o “herói apaixonado” que no espírito divino se torna um com o universo, mas o homem que, pela ciência e pela técnica, se torna senhor e dono da natureza.
Para que a natureza e a humanidade convivam nesta terra, elas precisam chegar a uma nova comunhão. Os humanos devem novamente se integrar às condições delimitadoras cósmicas da terra. Por isso é necessário e sensato desenvolver novas concepções do organismo “Terra”.
O fundamento metafísico para tal concepção “pós-moderna” organológica da natureza da terra é uma nova compreensão para a atuação do espírito divino em todas as coisas. O fundamento teológico para a superação da religião de domínio unilateral do homem na sociedade moderna é a redescoberta da imanência de Deus no mundo. No espírito da criação, que chama à existência todas as coisas e é a vida vivificante para todos os seres vivos. Deus, o Criador, põe toda a sua alma em cada uma de suas criaturas e se comunica a todas elas em seu amor ilimitado. O criador que se comunica está presente em todas as suas criaturas graças a seu Espírito, de modo que são elas capazes de amar e de louvá-lo. Apenas quando Deus permanece Deus, sua imanência no mundo ocasiona a autotranscendencia de todos os sistemas de vida abertos, provocando também evolução e  entrelaçamento cada vez mais complexo em relações comunitárias, porque nela reside aquele “mais” que ultrapassa qualquer estado. 

Resumo de: MOLTMANN, Jürgen. Que Deus seria que apenas empurrasse de fora, e com os dedos fizesse girar o universo?” O caso Giordano Bruno. In: ______. Ciência e sabedoria. São Paulo: Loyola, 2007. cap. 11, p.207-220, como atividade de Iniciação Científica, bolsa da FAPEMIG, realizado por Gonzalo Benavides Mesones, estudante de Teologia da FAJE, Faculdade Jesuíta, sob orientação do prof. Afonso Murad.