sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Aprendendo com formigas e cupins

Washington Novaes
 
O tema das formigas é altamente relevante, fascinante mesmo, por muitos ângulos. E quem se interessar pode, por exemplo, consultar o livro Journey to the Ants - a Story of Scientific Exploration (Harvard Press University, 1994), de Bert Hölldobler e Edward O. Wilson, este último considerado um dos maiores conhecedores da biodiversidade e o maior especialista em mirmecologia, o estudo das formigas, ao qual se dedica há meio século no mundo todo, com vários livros publicados. A ponto de um deles (The Ants, 1990) pesar 3,4 quilos. Juntos, Wilson e Hölldobler têm pesquisas de quase um século.

Wilson e Hölldobler começam ensinando aos humanos uma lição admirável das formigas: o seu êxito - que as levará a dominar o planeta, de acordo com o primeiro - decorre do extraordinário comportamento de cooperação entre os milhares de membros de cada colônia, que produz extrema eficiência na busca, no transporte e no armazenamento de alimentos, na reprodução, na defesa do grupo, etc. Uma das armas principais nessa luta coletiva pela vida é o uso de vários tipos de linguagem (corporal, visual, gestual, etc.), principalmente química - porque o odor de cada parte do corpo, emitido no encontro de dois seres, pode ter significados muito específicos, como alarme, desejo de atração, disposição para cuidar da cria, oferta de alimentos, etc. E essa cooperação é a base da sobrevivência.
A colônia é o sentido fundamental da vida para cada formiga, embora possa haver disputa entre a rainha e formigas operárias quando estas se sentem em condições de reproduzir (o que cabe à rainha). Pode haver também conflitos com outras formigas da mesma espécie. Mas, com suas características, as formigas sobrevivem há muito mais tempo que os seres humanos, uns 100 milhões de anos, desde a época dos dinossauros. É quase inacreditável, quando se lembra que o tamanho de uma formiga é de cerca de um milionésimo do corpo humano. Mas elas representam 1% do quintilhão de insetos que existem no planeta - já eram na década de 1990 cerca de 10 quatrilhões e cada formiga se reproduz umas 500 vezes nos 20 anos que o ser humano leva para formar cada nova geração. Por isso, pensa Wilson, as formigas dominarão a Terra. Hoje, juntas, pesam tanto quanto todos os seres humanos.

Já existem estudos demonstrando que na Floresta Amazônica, perto de Manaus, formigas e térmites (cupins) representam um terço da biomassa animal. Se a elas se acrescentarem abelhas e vespas, serão 80% do total. Por isso, dizem Wilson e seu parceiro, pode-se afirmar que "o socialismo funciona, em certas circunstâncias. Karl Marx apenas escolheu a espécie errada" para estudar. Embora, no caso das formigas, suas 500 mil células nervosas tenham, juntas, apenas o tamanho de uma letra numa página de livro. E se todas as espécies de formigas desaparecessem, afirmam, "seria uma catástrofe".
Poderíamos aprender muito com formigas, cupins e também com muitas espécies vegetais. Há alguns anos, quando produzia um documentário para a TV Cultura, o autor destas linhas foi ao Jardim Botânico paulistano acompanhando um especialista em grandes estruturas de concreto na Universidade de São Paulo (USP), que começou mostrando uma variedade de bambu com a maior capacidade de resistência a impactos físicos por centímetro quadrado - e o estudo dos fundamentos dessa resistência serviam para orientar a criação de grandes estruturas de concreto. Depois mostrou um cupinzeiro, abrindo com as palavras: "Este é o edifício mais inteligente que existe. Aqui vivem dezenas de milhares de indivíduos, que convivem em harmonia, trafegam sem congestionamento (para buscar alimentos), sem colisões, sem conflitos, orientando-se com várias linguagens. No interior do cupinzeiro existem câmaras específicas onde a rainha deposita seus ovos para reprodução; câmaras para depósito de alimentos, com orifícios no alto para a saída de gases da decomposição; outros orifícios que são fechados ou abertos por ação dos cupins, para adaptar-se às temperaturas fria ou quente. Pode haver algo mais racional?".

No momento em que tantos estudos mostram o momento difícil que vivemos por causa das várias crises globais, incluindo a da finitude de recursos naturais, é preciso entender muito mais não apenas da relação humana com os ecossistemas, biomas, áreas específicas, mas também do significado, em cada um deles, das muitas espécies, sua importância para a conservação - e para a sobrevivência humana. É espantoso: na hora em que cientistas afirmam que toda a superfície de gelo acumulada no Ártico pode derreter-se (nos meses de verão) em quatro anos (guardian.co.uk, 17/9), liberando quantidades assombrosas de metano acumuladas sob a camada até aqui permanente, é preciso ter consciência da gravidade da situação. E da necessidade de levar os comportamentos sociais a serem adequados às novas questões. Até formigas, cupins, abelhas e vespas se enquadram nesse contexto.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 28/09/2012 (texto resumido)

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Governo planeja muitas hidrelétricas na Amazônia

O governo planeja instalar na Amazônia pelo menos 23 novas hidrelétricas, além das seis já em construção na região. Segundo levantamento do GLOBO, ao todo, essas 29 hidrelétricas vão gerar 38.292 MW, quase metade dos 78.909 MW produzidos pelas 201 usinas hidrelétricas em operação hoje no país. Sete delas, como as das bacias do Tapajós e do Jamanxim, serão feitas no coração da Amazônia, em áreas de floresta contínua, praticamente intocadas. Outras estão em áreas remanescentes importantes de floresta amazônica, como o conjunto de sete hidrelétricas planejadas nos rios Aripuanã e Roosevelt, no Mosaico de Apuí, com impacto direto em 12 unidades de conservação de proteção integral e terras indígenas. A região, ao Sul do Amazonas, foi considerada de prioridade extremamente alta para conservação pelo Ministério do Meio Ambiente, em 2006.

Somados, os 29 projetos alcançam 31% da capacidade potencial de geração de energia das duas principais bacias hidrográficas da região, as dos rios Amazonas e Tocantins, e 14 deles usam R$ 78 bilhões em recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Verbas do PAC foram destinadas até para usinas que sequer receberam aval ambiental: São Luiz do Tapajós (R$ 18,1 bilhões), Jatobá (R$ 5,1 bilhões) e Marabá (R$ 2,27 bilhões). Os planos vão além: está em andamento o estudo para aproveitar a Bacia do Rio Negro.
— A Amazônia é a bola da vez, e é necessário se antecipar aos problemas, não pedir desculpas pelo já feito. É preciso ter princípios adequados à lógica da região. Na Amazônia, a questão ambiental se sobrepõe a todos os fatores. Não dá para fazer uma usina atrás da outra — diz João Gilberto Lotufo, diretor da Agência Nacional de Águas (ANA), que acaba de finalizar o Plano Estratégico de Recursos Hídricos dos Afluentes da margem direita do Rio Amazonas.
Última fronteira a ser desbravada, a Amazônia pode gerar 121.246 MW, equivalentes a 48,72% do potencial do país. Além das hidrelétricas, outras 11 pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) estão em rios amazônicos — cinco em obras e seis já outorgadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
— Estamos planejando com o maior cuidado e procurando reduzir ao mínimo o impacto — afirma Altino Ventura, secretário de Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia. Se forem acrescentadas à lista as usinas de Estreito e Santo Antônio, que entraram em operação em 2011, as novas usinas vão gerar 42.529 MW, o que significa aumento de 53,9% na capacidade instalada do país. — Metade da energia prevista para entrar no sistema até 2020 está na Amazônia. Podemos abrir mão? — indaga Ventura.

O entusiasmo com a construção de hidrelétricas contrasta com as preocupações ambientais. O Amazonas deve receber quatro delas. O governo do estado é contra. — Não somos contra o crescimento econômico, mas ele não precisa ser predatório. O governo precisa olhar outras soluções — diz Anderson Bittencourt, coordenador de Energia da Secretaria de Meio Ambiente do Amazonas, que projeta uma usina solar em Manaus. Bittencourt diz que a primeira consulta pública sobre as usinas foi em Manaus, a mais de mil quilômetros das comunidades afetadas, onde vivem 112 mil pessoas.
As novas hidrelétricas na Amazônia — incluindo as recém-inauguradas Santo Antônio e Estreito — alagarão uma área de ao menos 9.375,55 quilômetros quadrados, quase oito vezes o tamanho da cidade do Rio de Janeiro. A área inundada diminuiu em relação a obras do passado. Em média, serão 0,22 km²/MW contra uma média nacional de 0,49 km²/MW. As duas maiores usinas, São Luiz do Tapajós e Jatobá, ambas no Tapajós alagarão 1.368,85 quilômetros quadrados, quase o tamanho da cidade de São Paulo. A São Luiz do Tapajós deve gerar 6.133 MW; será a quarta maior do país, atrás de Belo Monte, Tucuruí e Itaipu. A terceira maior usina desta lista é a de Marabá, com operação planejada para 2018 e capacidade de 2.160 MW. Possui o maior reservatório entre as novas, de 1.115 quilômetros quadrados, e poderá deslocar 40 mil pessoas que vivem às margens do Tocantins em nove municípios de Pará, Tocantins e Maranhão. Na região, está a reserva indígena Mãe Maria e o Parque Estadual do Encontro das Águas.

Para o biólogo Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), o Brasil deve buscar novos caminhos: — É preciso repensar a lógica para, no futuro, não se arrepender de ter acabado com os rios da Amazônia. É mais barato fazer um plano de redução do consumo. No Brasil, 5% do gasto são de chuveiro elétrico — diz o biólogo.
Fonte: Jornal O Globo, dia 23/09/12.