quinta-feira, 26 de maio de 2011

O caminho da insustentabilidade

A Câmara dos Deputado aprovou nesta terça-feira, 24 de abril, o texto final da reforma do Código Florestal com alterações que significaram uma derrota para a causa da sustentabilidade.

Aprovada por 273 votos a 182, a votação levou o PT e o PMDB --principais partidos governistas-- para lados opostos, na votação das emendas. O texto das emendas autoriza os Estados a participarem da regularização ambiental, deixa claro a anistia para os desmates ocorridos até junho de 2008, além de consolidar a manutenção de atividades agrícolas nas APPs (áreas de preservação permanente).
Para alguns analistas, como o editor de Ciência da Folha de Sáo Paulo, Reinaldo José Lopes, a decisão de manter as áreas consolidadas tem lógica. Pois nas regiões Sul e Sudeste do país há plantações de café, uva e demais produtos agrícolas há décadas, ou mesmo séculos, em APPs (Áreas de Proteção Permanente). E nas outras regiões do país, principalmente a Amazônia?

O Novo Código permite grande avanço das monoculturas de exportação em prejuízo das áreas de florestas, aprofundando o modelo primário-exportador, que garante os dólares das reservas internacionais.

Veja alguns itens deste Novo Código Florestal e suas consequências para o meio ambiente:

(1) Em seu artigo 3º (inciso III) o Novo Código estabelece o conceito de “Área Rural Consolidada”, ou seja, todas as áreas ocupadas anteriormente a 22 de julho de 2008. Conforme dispõem os artigos 10, 12 (§ 1º), 34, 35 e 39, atividades agropecuárias existentes dentro desta “área consolidada” poderão manter-se, mesmo se situadas em áreas de preservação permanente. Em bom português: haverá uma anistia ampla e irrestrita a proprietários que desmataram áreas de preservação ambiental até 22 de julho de 2008. Além do mais, tal permissão é um grande estímulo ao desmatamento atual e futuro, dado que será muito difícil fiscalizar se tais áreas foram desmatadas antes ou depois daquela data. Não é por acaso que o desmatamento já tem aumentado fortemente, sendo que o próprio governo já criou um “Gabinete de Gerenciamento de Crise”.
Além do mais, o artigo 35 também reduz de 30 para 15 metros a área de preservação permanente ao lado dos rios de até 10 metros de largura, em tais “áreas consolidadas”.

(2) No artigo 3º (inciso IV) o Novo Código reduz fortemente as áreas de preservação permanente nas margens dos rios, pois passa a considerar como base o leito menor (durante a seca) e não mais o leito maior (durante a cheia). Desta forma, poderão ser exterminadas imensas áreas de preservação, principalmente no caso dos rios da Amazônia. Já o artigo 38 (§ 3º) permite que as propriedades sem reserva legal possam recompô-la com “espécies exóticas”, que podem abranger culturas como a cana-de-açúcar ou eucalipto. Outra possibilidade (prevista no §5º, IV) é o proprietário adquirir e conservar florestas em outro município ou estado, o que é absurdo e dificulta a fiscalização.

(3) No final da votação, ainda foi incluída uma emenda que permite que os estados– que estão fortemente sujeitos à influência dos grandes proprietários rurais - definam como (e se) será feito recuperação das áreas de preservação ambiental em tais "áreas consolidadas".  Basta pensar em Rondônia ou no Mato Grosso, para imaginar os horrores que estas "legislações locais" poderão legitimar.

O texto deve ser encaminhado ao Senado, e posteriormente à sanção da Presidente Dilma, que pode vetar pontos do Novo Código Florestal. Porém, dado que 410 deputados aprovaram o texto base do relatório, este veto pode ser derrubado pelo Congresso. Apenas 63 deputados votaram contra o texto base do projeto do código florestal.

O que vamos fazer, diante disso? Que caminhos nos restam, ao menos para diminuir o estrago?

(Fontes: Folha, Boletim do Comitê da Dívida Brasileira)

terça-feira, 24 de maio de 2011

Um código florestal perverso

Dez ex-ministros do Meio Ambiente se uniram contra o texto da reforma do Código Florestal que deve ser votado pela Câmara. Em carta aberta à presidente Dilma Rousseff e ao Congresso, o grupo diz que a proposta a ser analisada significa um retrocesso na política ambiental brasileira, que foi "pioneira" na criação de leis de conservação e proteção de recursos naturais.

Segundo os ex-ministros, a votação do texto do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) nesta semana é prematura. "Não vemos, portanto, na proposta de mudanças do Código Florestal aprovada pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados em junho de 2010, nem nas versões posteriormente circuladas, coerência com nosso processo histórico, marcado por avanços na busca da consolidação do desenvolvimento sustentável. Ao contrário, se aprovada qualquer uma dessas versões, o país agirá na contramão de nossa história e em detrimento de nosso capital natural", dizem os ex-ministros na carta. Assinaram o texto: Marina Silva (PV), Carlos Minc (PT), Sarney Filho (PV), Rubens Ricupero (sem partido), José Carlos Carvalho (sem partido), Fernando Coutinho Jorge (PMDB), Paulo Nogueira Neto (sem partido), Henrique Brandão Cavalcanti (sem partido), Gustavo Krause (DEM), José Goldemberg (PMDB).

O documento traz um pedido de providências para que o texto de Rebelo seja aperfeiçoado. "O código deve ser atualizado para facilitar e viabilizar os necessários esforços de restauração e de uso das florestas, além que de sua conservação." Em entrevista, oito dos dez ex-ministros fizeram duras críticas ao relatório de Rebelo. Na avaliação deles, não há proteção dos pequenos proprietários nem dos agricultores familiares e ainda ocorre a flexibilização da lei para que haja mais desmatamento. "Esse código é perverso. Primeiro quer anistiar aqueles que estão em débito com o ambiente, principalmente os grandes proprietários, que estão conduzindo a negociação se escorando nos pequenos produtores. A questão da pequena propriedade está resolvida. Por outro lado, quer se flexibilizar a legislação para que haja mais desmatamento. Toda a discussão é permeada por essas duas grandes aspirações do agronegócio nocivo, que em detrimento dos direitos da sociedade querem garantir seus direitos individuais."

"Estamos fazendo mais uma lei para não ser cumprida. Por força da pressão de um segmento econômico forte", disse José Carlos Carvalho. Sem aval do Planalto, líderes da base e da oposição fecharam um acordo na semana passada para a votação do texto de Rebelo. Ficou definido que o PMDB apresentaria uma emenda permitindo a manutenção de atividades agrícolas em APPs (áreas de preservação permanente). O texto trará ainda a previsão para que os programas de regularização ambiental sejam feitos por Estados e também pela União. O Planalto não concorda com essa proposta e quer ter a prerrogativa exclusiva de regularizar as APPs por decreto. O governo também não concorda com a isenção da reserva legal para propriedades de até quatro módulos e com a anistia para os desmatadores.

O ex-ministro do Meio Ambiente Carlos Minc disse que a presidente Dilma se comprometeu a vetar a questão das APPs e da isenção dos quatros módulos quando era candidata ao Planalto no ano passado. "Não queremos que passe a motosserra no código, mas queremos mais tempo para entendimentos, para incorporar pontos importantes", comentou. A ex-ministra Marina Silva afirmou que só a expectativa em torno da análise do novo código gerou aumento significativo no desmatamento nos últimos meses: "Se o desmatamento já esta fora de controle só com a expectativa (da votação do texto), quando for aprovada, teremos uma situação de inteiro descontrole."

(Fonte: Folha de São Paulo)

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Ecologia e Ecoteologia

O mundo dá muitas voltas, e certas convicções de raiz retornam com novos matizes. A modernidade proclamou com orgulho a submissão da natureza ao ser humano. A filosofia segue o mesmo caminho, ao sustentar a centralidade do homem, com a autonomia da razão científica, filosófica e subjetiva. A sociedade urbano-industrial e o progresso ilimitado pareciam um sonho sem fim. O antropocentrismo é uma tendência irreversível a se consolidar em todo a orbe. Mas algo levou a questionar tal visão: a consciência planetária. Somos filhos da Terra e responsáveis pelo seu futuro. A contínua degradação do ecossistema, a crise da pretensão de totalidade da ciência, a crescente consciência do desenraizamento do ser humano em relação ao mundo natural e outros fatores criam condições favoráveis para a eclosão de vigoroso movimento ecológico no mundo inteiro.

A ecologia pode ser compreendida como ciência, ética e paradigma. As três dimensões se completam. Enquanto ciência, ecologia significa o estudo de como se inter-relacionam todos os seres que constituem a “comunidade de vida” em nosso planeta: os seres abióticos (água, ar, solo e energia do sol), os seres bióticos (microrganismos, plantas e animais) e o ser humano. Nascida da biologia, a ecologia ultrapassou seu campo inicial de conhecimento, ao propor estudar as relações, os contextos, e não somente determinados seres vivos em seu hábitat. Forja-se então a categoria “interdependência”: todos os seres estão em rede e as redes de matéria e energia são constitutivas na teia da vida.

A começar de seu objeto formal e do método, a ecologia postula a colaboração de muitos saberes. Somente se compreendem as relações na esfera da vida do planeta (biosfera) recorrendo simultaneamente a várias ciências, como biologia, física, química, geografia etc.... Fator semelhante acontece quando se estuda a ecologia humana, ao somar abordagens multidisciplinares da psicologia, da sociologia, da geografia humana, da economia, da história etc.
A abordagem científica da ecologia aproxima-se da teoria da complexidade de E. Morin, por reconhecer a incerteza e a incompletude como parte do conhecimento, que se mantém aberto para tecer novos fios e perceber relações ainda não compreendidas. A ecologia se liga também à holografia e a holística, enquanto percebe que em cada ser, biótico ou abiótico, há uma parte do cosmos, e que o todo é maior do que a soma das partes. A ecologia também se tornou um viés que influencia várias ciências teóricas e aplicadas, pois seu interesse se dirige à sustentabilidade, ou seja, a continuidade da vida no presente e no futuro do planeta. Daí surgem, por exemplo, a arquitetura e construção sustentáveis, a engenharia ambiental, o ecodesign na concepção de produtos, a gestão ambiental...

Ecologia, enquanto ética, diz respeito ao despertar da consciência (ecopercepção) e a empreender ações que tenham em vista a sustentabilidade. Inicia-se com a percepção de que a atual forma de o ser humano se relacionar com o ecossistema está equivocada e levará a humanidade e nossa “casa comum” a desastre sem precedentes. As mudanças climáticas fazem perceber, de forma inequívoca, que a atuação irresponsável do ser humano em relação ao ecossistema tem consequências graves e simultâneas, tais como alteração do ciclo das estações, perda da biodiversidade, contaminação (do solo, do ar e da água), perdas econômicas na agricultura, aumento de doenças respiratórias, custos econômicos não contabilizados e externalizados, etc.
A ética ecológica articula, de forma nova, a questão do indivíduo, do grupo, da instituição e das estruturas sociais e econômicas. Ela rejeita a exclusividade de fatores e a oposição entre subjetividade e coletividade. Propugna que a sociedade ecologicamente sustentável é possível quando se somam, de forma interdependente, atitudes individuais, ações familiares e coletivas, gestão institucional, adoção de políticas locais e nacionais, além de acordos internacionais em forma de protocolos vinculantes.
Assim, sustentabilidade postula também novo ethos humano e sociopolítico. Implica mudança de hábitos pessoais e comunitários de consumo e descarte. Interfere no processo de extração, produção, distribuição, consumo, descarte (ou reciclagem) dos bens e nos serviços a eles associados. Compreende por isso o triple botton line: econômico, social e ambiental. Transforma-se numa das grandes causas da humanidade, no presente e no futuro. Exige que o ser humano recubra o olhar de encantamento, percebendo que os outros seres não são “coisas”, que tome consciência de seu impacto sobre o planeta, da “pegada ecológica”, e assuma novas atitudes.

O paradigma ecológico, por sua vez, consiste na crítica e na superação do antropocentrismo moderno. O ser humano pode até se compreender como “centro consciente do universo conhecido”, mas ele nunca está sozinho. A espécie humana é fruto de longuíssimo processo de evolução da matéria. Somos filhos da Terra e parte da Terra. Por isso, a consciência planetária implica ética planetária: é preciso cuidar da Terra. Assim, ciência e ética se fundem, sem perder a especificidade, num modelo de compreensão do ser humano que se percebe como parte do meio ambiente e em contínua relação de interdependência com ele.

Qual a originalidade da ecoteologia, neste contexto? Brevemente:
— Trata-se de reflexão que resgata a unidade da experiência cristã e de sua formulação, apresentando em seu discurso a relação entre criação, história, encarnação, morte e ressurreição de Jesus, e o início da nova criação.
— Reelabora a teologia da criação na perspectiva da interdependência, mostrando que o ser humano, nos relatos bíblicos, é feito por Deus do barro da terra (consciência ecoplanetária), para cuidar do jardim, assim como para servir-se das outras criaturas, exercitando o senhorio como Deus é Senhor. Há relação estreita entre criação e salvação, e todos os seres estão nelas implicados.
— Explicita e fundamenta a ética do cuidado com o mundo, em ligação estreita com a moral social, ampliando sua abrangência.
— Propõe-se a superar a fragmentação das disciplinas teológicas e, na linha da teoria da complexidade, empenha-se no diálogo efetivo com as “ciências da natureza”.
— Estimula a espiritualidade ecológica, que associa no louvor e no serviço todos os seres à obra criadora, redentora e santificadora da Trindade.
— Estabelece teias de mútua aprendizagem com a teologia da libertação (dimensão social da fé), a teologia feminista, a teologia afro-ameríndia e a teologia das religiões.

A ecoteologia, que apenas se delineia no momento, contribui para superar visões equivocadas ou restritivas da relação do ser humano com o ambiente, assim como de sua própria autocompreensão. Ao se rebelar contra o racionalismo moderno e sua sede ilimitada de tudo explicar e esquadrinhar, o ser humano pode resvalar em posturas irracionais. Confunde-se reencantamento com ingenuidade ou espírito mágico. Exemplos palpáveis se encontram nos discursos de certos grupos religiosos sobre o sentido da doença, do mal, da injustiça social e do destino. Contrariamente ao orgulho antropocêntrico, que tudo submete ao ser humano, proliferam as crenças numa infinidade de determinismos cósmicos sobre o devir individual e coletivo. Além disso, a categoria “energia”, retirada da física quântica, seria uma panaceia que tudo justifica, sem nada explicar.
A holística pode servir à construção do cristianismo atualizado, coerente e cheio de vida; boa-nova para homens e mulheres desesperançados em busca de um fio condutor, sedentos por nova forma de enfocar a posição do ser humano em relação ao cosmos. O fato de comungar com nova mentalidade, compartilhada por grupos não cristãos ou pós-cristãos, não implica aceitação incondicional de todos os componentes. Existem na holística “sinais dos tempos” e sementes do Verbo que pedem reconhecimento e valorização. Há que evitar, no entanto, um pretenso neouniversalismo que a tudo dilui e relativiza, esvaziando o conteúdo da proposta de Jesus Cristo, a novidade radical do Evangelho. Diferentemente do panteísmo, que abole as fronteiras entre o humano e o divino, a ecoteologia propõe o panenteísmo. Compreende que todos os seres estão em Deus e para ele se destinam, pois foram criados pelo Pai, por meio da Palavra (o filho), no Espírito. Este sustenta, renova e leva à consumação a criação.

A ecoteologia tem diante de si duplo compromisso programático. O primeiro consiste em reenfocar temas e disciplinas teológicas, considerando a participação de todos os seres no projeto de redenção e a premência do compromisso ético com a “salvaguarda da criação”. O segundo compreende a adoção de novo paradigma, bioantropocêntrico, que influencia a epistemologia teológica e propugna a unidade entre o conhecimento intelectual e o experiencial-místico.
A ecoteologia se encontra em situação semelhante àquela vivida, faz alguns anos, pela teologia da libertação, quando adotou conceitos e categorias novos, e deve testar a pertinência, a legitimidade e a adequação deles. A dessemelhança reside no acento: não somente na práxis transformadora de cunho social, mas na também na postura ética e na mística que animam a existência humana na relação com a biosfera. Enquanto prática libertadora, a ecoteologia e sua vertente ética ampliam a percepção da prática libertadora, estimulando o compromisso socioambiental dos cristãos.

Em suma, a ecoteologia contribui para ressituar o ser humano à luz da fé cristã, no momento atual de crise global, e contribui para consolidar a consciência planetária: somos filhos da Terra e responsáveis por seu futuro.

Fonte: Afonso Murad, in Introdução a Teologia, Loyola, 2011, ed. revista e ampliada, cap.8.

domingo, 1 de maio de 2011

Mais tempo para as florestas

Partilho com você o texto da Marina Silva veiculado hoje, na Folha de São Paulo.

Mais tempo para as florestas

É extremamente preocupante a forma como está sendo conduzido o debate em torno da atualização da principal lei que protege nossas florestas e nossa biodiversidade: o Código Florestal.

O que tem pautado a ação dos que querem modificar a legislação às pressas parece limitar-se ao interesse imediato, que não leva em conta questões estratégicas, quando sabemos que essa discussão diz respeito à vida de todos nós: as florestas prestam um serviço inestimável de proteção, regulação climática e hídrica, essencial para nossa economia e para a produção agrícola e de energia.

As perdas florestais avançam assustadoramente em todo o mundo, inclusive no Brasil. Já perdemos 93% da mata atlântica, quase metade do cerrado e da caatinga e quase 20% da Amazônia. Ao mesmo tempo, temos mais de 60 milhões de hectares de terras agrícolas que foram degradadas e estão abandonadas, como resultado de um modelo agrícola que precisa mudar.

O cerne das mudanças deve ser o de melhorar a proteção das florestas que nos restam, de criar políticas de incentivo que promovam o desenvolvimento do setor agrícola e florestal, gerando emprego e renda em uma escala muito maior.

Deve ser o de discutir os ajustes necessários para que os produtores rurais possam superar os passivos ambientais e para que nossa agricultura dê um salto de qualidade e produtividade, com sustentabilidade. É a nossa riqueza natural que nos permite ser um dos campeões mundiais de produção agrícola.

Não usar com sabedoria esses recursos é matar a galinha dos ovos de ouro. Quando discutimos o destino das florestas, estamos projetando o Brasil que queremos. Estamos definindo o papel que o país terá no mundo, o tipo de economia e qualidade ambiental que teremos.

Por isso, é absurdo opor produtores rurais e ambientalistas, produção agrícola e meio ambiente.

Mas o absurdo existe e considero que é na política que está o nosso maior problema. É na qualidade do debate e na forma como ele está sendo conduzido na Câmara dos Deputados. Eivado de preconceitos e falsas alegações de que quem defende as florestas estaria a serviço de interesses internacionais, ou, pior, de que a preservação implicaria a diminuição da produção de alimentos e que, com isso, haveria aumento de preços.

Isso nos faz lembrar dos momentos que antecederam a abolição da escravatura no país, quando parte dos produtores rurais bradava que sem os escravos o Brasil rural estaria falido e não haveria quem produzisse comida para nossas mesas.

Por isso, proponho que o Executivo assuma o protagonismo dessa discussão, empenhando-se em construir uma proposta bem estruturada, que atenda aos interesses de toda a sociedade, considerando o que dizem os cientistas brasileiros, com o fortalecimento da governança pública e a criação dos incentivos para o cumprimento da legislação ambiental.

Proponho que a presidente Dilma faça um chamamento à classe política e à nação para que, nos próximos meses, discutamos uma política nacional para a gestão sustentável de nossas florestas e de nossos recursos naturais.

Para tanto, poderíamos adiar o prazo de averbação da reserva legal, previsto para 11 de junho, de forma que tenhamos um ambiente menos tensionado para o diálogo.

Cabe ao governo a responsabilidade de colocar o país no caminho da sustentabilidade e impedir o desmonte da legislação ambiental.

Nos últimos 16 anos, atravessamos dois governos com muitas tentativas de mudanças na legislação.

Nesse período, a sociedade impediu que houvesse um retrocesso.

Agora, cabe a uma mulher a tarefa de promover o encontro e a mediação para a superação do impasse, para a construção de um caminho que integre e projete um futuro melhor para todos.

MARINA SILVA, professora de história, foi candidata à Presidência da República pelo PV em 2010, ministra do Meio Ambiente (2003-2008) e senadora pelo Acre (1995-2011). Site: http://www.minhamarina.org.br/.