quarta-feira, 27 de junho de 2012

Fracasso da Rio+20

Frei Betto

Terminou em fracasso a Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) para o Desenvolvimento Sustentável. Foram gastos US$ 150 milhões para promovê-la. Dinheiro jogado fora. Teria sido mais bem utilizado na preservação de florestas. O documento final, aprovado por 193 países, é pífio. Como nenhum país, sobretudo os mais ricos, queria se comprometer com medidas a curto prazo, o texto sofreu tantos cortes, para não desagradar a ninguém, que desagradou até mesmo ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.

No dia seguinte, pressionado pelo Brasil, ele voltou atrás. Desdisse o que havia dito e defendeu o documento, no qual não foram levadas em conta as sugestões da sociedade civil. Nada de concreto foi decidido, todos os compromissos pela sustentabilidade ficaram para depois. Acordou-se que, no ano que vem, serão definidos os objetivos de desenvolvimento sustentável. Em 2014, a resolução de onde virão os recursos para financiá-los. E a partir de 2015 devem ser implementados.
O evento se equipara à crônica de uma morte anunciada. Os líderes dos países ricos viraram as costas à Rio+20. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, não veio. E ainda teve o descaramento de enviar sua secretária de Estado, Hillary Clinton, apenas no último dia, quando tudo já estava debatido e aprovado. Em discurso inócuo, ela anunciou que os EUA destinarão US$ 20 milhões à proteção ambiental de países da África. Uma esmola, sobretudo considerando que os EUA figuram, ao lado da China, como principal culpado pela degradação da natureza.


O que a Rio-92 representou de avanço, a Rio+20 representa de retrocesso. Em 1992 foram aprovadas a Carta da Terra, a Agenda 21 e três importantes convenções: biodiversidade, desertificação e mudanças climáticas. A partir de então, muitos países criaram ministérios do Meio Ambiente. O entusiasmo durou 10 anos. Em 2002, na Conferência de Johannesburgo, os governos se recusaram a prestar contas do que haviam acordado no Rio de Janeiro. Já tinham constatado que não há compatibilidade entre preservação ambiental e o modelo de desenvolvimento – predador e excludente – centrado na acumulação privada do capital. Tivemos então 10 anos (2002/2012) de conversa fiada.


A Rio+20 propôs aos governos, via G-77 (grupo dos países menos desenvolvidos), criarem um fundo de US$ 30 bilhões para financiar iniciativas de sustentabilidade em seus países. A proposta não foi aprovada. Ninguém mexeu no bolso. Isso uma semana depois de o G-20, no México, destinar US$ 456 bilhões para tentar sanar a crise na Zona do Euro. Não falta dinheiro para salvar bancos. Para salvar a humanidade e a natureza, nem um tostão. Os donos do mundo e do dinheiro vivem na ilusão de que a nave espacial chamada planeta Terra tem, como os voos internacionais, primeira classe e classe executiva.
O fato é que os governos, com raras exceções, não estão interessados em investir na sustentabilidade. Isso depende de um esforço a médio e longo prazos. E governos buscam resultados propagáveis nas próximas eleições. Sustentabilidade é como saneamento. Segundo o Ministério das Cidades, 57% da população brasileira não têm esgoto coletado. Como esgoto passa por debaixo do solo, nossos políticos dão as costas, interessados no que traz visibilidade. Os governos querem desenvolvimento entendido como multiplicação do capital. Nada de proteger a biodiversidade. Fingem não se dar conta de que as mudanças climáticas decorrem da degradação da biodiversidade.

A voracidade do capital venceu na Rio+20. Hoje, 7 bilhões de pessoas sobrevivem consumindo um planeta e meio. Em breve, chegaremos a dois planetas. Como os recursos naturais são limitados, as gerações futuras correm o sério risco de padecerem a carência de bens essenciais, como água e alimentos. A chuva que caiu sobre o Rio durante o evento era como lágrimas de Gaia que, com certeza, tinha esperança de que a Rio+20 a livrasse do estupro que sofre em mãos de quem procura apenas tirar proveito dela, indiferente aos direitos das gerações futuras. Valeu estar ali e participar da Cúpula dos Povos, onde nações indígenas se misturavam com ambientalistas, jovens e crianças, para preservar ao menos a esperança de que vale a pena lutar por um outro mundo possível e sustentável.

domingo, 24 de junho de 2012

Carta final da Cúpula dos Povos

Recortamos aqui uma parte do Documento Final da Cúpula dos Povos na Rio+20 que apontam convicções e consensos deste importante encontro mundial. O texto inteiro está no site www.cupuladospovos.org.br
As alternativas estão em nossos povos, nossa historia, nossos costumes, conhecimentos, práticas e sistemas produtivos, que devemos manter, revalorizar e ganhar escala como projeto contra-hegemonico e transformador. A defesa dos espaços públicos nas cidades, com gestão democrática e participação popular, a economia cooperativa e solidaria, a soberania alimentar, um novo paradigma de produção, distribuição e consumo, a mudança da matriz energética, são exemplos de alternativas reais frente ao atual sistema agro-urbano-industrial. A defesa dos bens comuns passa pela garantia de uma série de direitos humanos e da natureza, pela solidariedade e respeito às cosmovisões e crenças dos diferentes povos, como, por exemplo, a defesa do “Bem Viver” como forma de existir em harmonia com a natureza, o que pressupõe uma transição justa a ser construída com os trabalhadores/as e povos.

Exigimos uma transição justa que supõe a ampliação do conceito de trabalho, o reconhecimento do trabalho das mulheres e um equilíbrio entre a produção e reprodução, para que esta não seja uma atribuição exclusiva das mulheres. Passa ainda pela liberdade de organização e o direito a contratação coletiva, assim como pelo estabelecimento de uma ampla rede de seguridade e proteção social, entendida como um direito humano, bem como de políticas públicas que garantam formas de trabalho decentes. Afirmamos o feminismo como instrumento da construção da igualdade, a autonomia das mulheres sobre seus corpos e sexualidade e o direito a uma vida livre de violência. Da mesma forma reafirmamos a urgência da distribuição de riqueza e da renda, do combate ao racismo e ao etnocídio, da garantia do direito a terra e território, do direito à cidade, ao meio ambiente e à água, à educação, a cultura, a liberdade de expressão e democratização dos meios de comunicação.

O fortalecimento de diversas economias locais e dos direitos territoriais garantem a construção comunitária de economias mais vibrantes. Estas economias locais proporcionam meios de vida sustentáveis locais, a solidariedade comunitária, componentes vitais da resiliência dos ecossistemas. A diversidade da natureza e sua diversidade cultural associada é fundamento para um novo paradigma de sociedade. Os povos querem determinar para que e para quem se destinam os bens comuns e energéticos, além de assumir o controle popular e democrático de sua produção. Um novo modelo enérgico está baseado em energias renováveis descentralizadas e que garanta energia para a população e não para as corporações. A transformação social exige convergências de ações, articulações e agendas a partir das resistências e alternativas ao sistema capitalista, que estão em curso em todos os cantos do planeta.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Jovem questiona Chefes de Governo na Rio+20

Na quarta-feira, 20 de junho, os 86 chefes de estado reunidos na cerimônia de abertura da Rio+20 ouviram uma pergunta impactante: "Por que estão aqui? É para salvar sua imagem, ou é para nos salvar?". O questionamento foi feito pela jovem Brittany Trilford, de 17 anos, da cidade de Wellington, Nova Zelândia. A estudante inaugurou a tribuna da Cúpula apresentando-se: "Meu nome é Brittany, tenho 17 anos e sou uma criança. Hoje, nesse momento, sou todas as crianças, suas três bilhões de crianças. Pensem em mim como metade do mundo".

Os chefes de estado também foram alertados sobre o tempo disponível. Segundo Brittany, eles tinham 72 horas para resolver o futuro da humanidade.  "Acertei o meu relógio e o tempo está passando: tic, tac, tic, tac... Nós, da próxima geração, exigimos mudança e ação para que tenhamos um futuro". A jovem, que conseguiu participar da Rio+20 após vencer um concurso organizado pela Campanha Global por Ações Climáticas, lembrou a menina de 12 anos, Severn Suzuki, que impressionou todos ao improvisar um apelo durante a Eco-92. "A próxima geração pede mudança, ação, para que possamos ter um futuro. Confiamos em vocês", enfatizou. No concurso internacional, o vídeo de Brittany, produzido em casa, foi considerado o melhor, pelo júri composto por diversos ativistas ambientais. Veja abaixo:



sábado, 16 de junho de 2012

Economia verde: um balanço crítico-construtivo

Leonardo Boff

(..) Partimos de um pressuposto teórico que convém revelar: o teorema de Gödel, segundo o qual, por toda parte reina sempre a incompletude. Tentemos aplicar esse entendimento à ecologia verde e ver o que nela é resgatável e o que não é. Ela pode significar várias coisas.

Em primeiro lugar, pode se propor a recuperação das áreas verdes, desmatadas ou resultantes da degradação e da erosão dos solos e manter em pé florestas ainda existentes. É um propósito positivo e deve ser realizado com urgência. São as manchas verdes que garantem a água para o sistema da vida e que sequestram o dióxido de carbono, diminuindo o aquecimento global. A economia verde neste sentido é desejável.

Em segundo lugar pode sinalizar a valorização econômica das assim chamadas externalidades como água, solos, ar, nutrientes, paisagens, vale dizer, dimensões da natureza (verde) etc. Estes elementos não entravam na avaliação de preço dos produtos. Eram simplesmente bens gratuitos oferecidos pela natureza que cada um podia se apropriar. Hoje, entretanto, com a escassez de bens e serviços, especialmente, de água, nutrientes, fibras e outros começam a ganhar valor. Este deve entrar na composição do preço do produto. Não se trata ainda de mercantilizar tais bens e serviços mas de inclui-los como parte importante do produto. O mesmo vale para os resíduos produzidos, que acabam poluindo águas, envenenando os solos e contaminando o ar. Os custos de sua transformação ou eliminação devem outrossim entrar nos custos finais dos produtos. Assim, por exemplo, para cada quilo de carne bovina precisam-se de 15.500 litros de água; para um hamburguer de carne, 2.400 litros; para um par de sapatos 8.000 litros e até para uma pequena xícara de café, 140 litros de água. O capital natural usado deve ser incluído no capital humano e na economia de mercado (..) Pela economia verde se pretende tomar em consideração o valor estimativo do capital natural, já que está em alto grau de degradação e de crescente escassez. Nesse sentido a economia verde possui uma validade aceitável.

Em terceiro lugar, economia verde, na compreensão do PNUMA que a formulou, deve "produzir uma melhoria do bem estar do ser humano, a equidade social, ao mesmo tempo que reduz significamente os riscos ambientais e a escassez ecológica”. Tal propósito implica um outro modo de produção que respeita o mais possível o alcance e os limites de um determinado bioma (
caatinga, cerrado, amazônico, pampa e outros) e avalia que tipo de intervenção pode ser feita sem estressá-lo, a ponto de não poder se refazer. Demos alguns exemplos. Trata-se de buscar energias alternativas às fósseis, altamente poluentes, energias que se baseiam nos bens e serviços da natureza que menos poluem como a energia hidrelétrica, a eólica, a solar a das marés, a da geotérmica e a de base orgânica. Nunca haverá energia totalmente pura. Mas seu impacto negativo sobre a biosfera pode ser grandemente diminuído (..). E assim poderíamos multiplicar indefinidamente os exemplos. A pressuposição é que este tipo de economia verde represente uma transição para uma verdadeira sustentabilidade econômica, até hoje ainda não alcançada.
(..) A economia verde é aceitável na medida em que for mais a fundo em sua formulação para, então, apresentar outro paradigma de relação para com a Terra, onde não a economia, mas a sustentabilidade geral do planeta, do sistema-vida, da Humanidade e de nossa civilização devem ganhar centralidade. Em razão deste propósito há que organizar a base material econômica em sinergia com as possibilidades da Terra. Cumpre que nós nos sentamos parte dela e comissionados a cuidá-la para que nos passa dar tudo o que precisamos para viver junto com a comunidade de vida.

No entanto, a economia verde pode representar uma vontade altamente perversa da voracidade humana, especialmente, das grandes corporações, de fazer negócios com o que há de mais sagrado na natureza, que são os bens comuns da Terra e da Humanidade, cuja propriedade deve ser coletiva. Entre eles se contam a água, os aquíferos, os rios e os oceanos, a atmosfera, as sementes, os solos, as terras comunais, os parques naturais, as paisagens, as linguas, a ciência, a informação genética, os meios de comunicação, a internet, a saúde e a educação entre outros. Como estão intimamente ligados à vida não podem ser transformados em mercadoria e entrar no circuito de compra e venda. A vida é sagrada e intocável. Pôr preço aos bens e serviços que a natureza nos dá gratuitamente, privatizá-los com a intenção de lucro é a suprema insensatez de uma sociedade de mercado. Ela já havia operado a perversidade de passar de uma economia de mercado para uma sociedade de mercado. Nem tudo pode ser objeto da ganância humana privatista e acumuladora, a serviço dos interesses de poucos à custa do sofrimento da maioria. A vida, por ser sagrada, reagirá, possivelmente nos colocando um obstáculo que poderá liquidar grande parte da própria humanidade. Esse tipo de economia verde é inaceitável.

Por fim, não podemos deixar que as coisas corram de tal forma que o caminho ao abismo seja irreversível. Então nem teremos filhos e netos para chorar o nosso trágico destino. Porque eles também não existirão mais.

terça-feira, 5 de junho de 2012

Dia do meio ambiente: corpo da Terra e o corpo de Cristo

Marcelo Barros
A Amazônia ressurge das águas da pior inundação dos últimos tempos. O sertão do Nordeste, ao contrário, há tempos, não via seca tão extrema. Em outras paisagens do mundo, a cada dia, notícias de um novo terremoto se fazem ouvir. Cientistas concluem: a terra sempre tremeu e o clima sempre alternou enchentes e estiagens, mas nunca em ritmo tão frequente e de forma tão intensa. Atualmente, o ecossistema reage como pode às agressões humanas. A novidade é que se certas profecias indígenas se cumprem e o mundo parece se acabar, dessa vez, a sentença não vem de alguma divindade magoada com os desmandos da humanidade, mas do próprio ser humano que transforma tudo em mercadoria e destrói a natureza apenas em função do lucro. Graças a Deus, uma parte sadia da sociedade civil internacional se mobiliza e toma consciência: a sustentabilidade do planeta é assunto tão urgente e importante que não pode mais ser deixado ao arbítrio de governos que promovem o sistema econômico que destrói a terra. São as comunidades indígenas, grupos afrodescendentes, movimentos sociais organizados e a parte mais consciente da sociedade civil que se articulam e se unem para pensar o futuro e propor uma nova forma de relação do ser humano com a terra e a natureza.

No dia 05 de junho, a ONU celebra mais uma vez o dia internacional do meio ambiente. Neste ano, essa comemoração ocorre poucos dias antes da Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável que se reunirá no Rio de Janeiro de 20 a 22 desse mês. Exatamente por não querer deixar assunto tão determinante para toda a humanidade apenas em mãos de governos e técnicos, a sociedade civil internacional resolveu se mobilizar. No mesmo tempo e lugar, enquanto a ONU se reúne para estudar novas medidas paliativas para aliviar os impactos do Capitalismo sobre a terra, os movimentos sociais se reúnem na Cúpula dos Povos, para um grande mutirão de cura e salvação do planeta Terra, assim como da busca da sustentabilidade que nos envolve a todos. A Conferência oficial da ONU proporá como solução o que está sendo chamado de "economia verde”. Trata-se de taxar um preço para cada elemento da natureza. Pensam que, ao ter de pagar pelas consequências dos seus desmandos, os responsáveis pela destruição evitarão o pior. Ao contrário, as comunidades populares sabem que a terra, a água e o ar não se salvarão por uma cotação de preços à natureza. Qual o preço de uma árvore frondosa? E quanto paga uma empresa para poluir um rio e matar a vida que nele habita? Quanto custará um pouco de ar puro? A Cúpula dos Povos deixará claro que se a sociedade não mudar esse modo de organizar a sociedade não haverá esperança para a terra e a comunidade da vida no planeta.

Nessa mesma semana em que a ONU celebra o Dia Mundial do Meio Ambiente, coincidentemente, na próxima quinta feira, a Igreja Católica celebra a festa do Corpo e Sangue de Cristo. Em muitas cidades, se fazem procissões e em outras concentrações coletivas para honrar a eucaristia. Ainda são poucos os católicos que percebem: ao manifestar sua presença no convívio afetuoso em uma ceia e especificamente nos elementos do pão e do vinho, símbolos de todo o universo, este se torna assim um imenso corpo cósmico do Cristo. É preciso que todas as tradições religiosas fortaleçam a dimensão ecológica da sua espiritualidade. É na comunhão com a terra, a água e todos os seres do universo que encontramos a Deus e, podemos testemunhar o que escreveu Paulo: "quando todas as coisas estiverem sob o projeto e como o Cristo quer, então também esse estará plenamente em Deus e, então, Deus será tudo em todos os seres” (1 Cor 15, 28).

segunda-feira, 4 de junho de 2012

A dor da seca e das cercas no nordeste

Frei Gilvander Moreira

Início de junho de 2012, no sertão da Bahia, depois de tantas promessas com o projeto da transposição do Rio São Francisco. Uma criança de nove anos, com uma irmãzinha menor no colo, carrega um balde de água na cabeça, servida por um caminhão pipa. A mãe foi para São Paulo para trabalhar de doméstica e envia, mensalmente, o pouco que ganha para a família. Eis uma cena que nos leva às lágrimas. Mais uma vez a seca está campeando no semi-árido brasileiro. Quem tem coração chora ao ver e sentir as agruras dos pobres e animais sem água. Estudos do Instituto de Atividades Espaciais – IAE -, de São José dos Campos, SP, prevê, através do “Prognóstico do Tempo a Longo Prazo”, que a cada 26 anos ocorre uma grande seca em todo o semi-árido brasileiro. Grave é que esta seca instalada agora promete durar todo o ano de 2012 e também por todo o ano de 2013 (...)

Nesse árduo contexto, participamos na cidade de Januária, norte de Minas, de 25 a 27 de maio de 2012, do III Encontro popular da bacia do rio São Francisco, promovido pela Articulação Popular São Francisco Vivo.  Participaram dezenas de representantes das lutas de defesa do Rio, do povo e de todo seu bioma, lutas que estão em curso na Bacia Sanfranciscana - de Minas, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. Foi um encontro de resistência. Foi reconfortante (re)encontrar tantas pessoas militantes da mesma causa: a do rio São Francisco, do seu povo e de toda a biodiversidade existente na grande bacia do Velho Chico. Que beleza perceber que os povos tradicionais – quilombolas, indígenas, geraizeiros, vazanteiros, comunidades de fundo e fechos de pasto, pescadores, ribeirinhos – estão firmes resistindo aos projetos capitalistas. Resistem para continuarem existindo!

Visitamos algumas aldeias do povo indígena Xacriabá, no município de São João das Missões, MG. Foi emocionante constatar como os nossos parentes indígenas têm uma mística/espiritualidade que os move a conviver com a terra, as águas e toda a biodiversidade com uma postura de veneração pelo divino que está em todos e em tudo. Os Xacriabás estão lutando pela conquista de seu território integral. Cerca de 50 mil hectares de seu território ainda continuam grilados. Visitamos também três comunidades do Rio dos Cochos que, com o apoio da Cáritas, há mais de dez anos, estão revitalizando o Rio dos Cochos. Com os frutos do cerrado fazem suco, doces, remédios, renda familiar. Fizeram barraginhas com lombadas para contenção das enxurradas e aproveitamento das águas pluviais. Replantaram matas ciliares, tendo, inclusive, matas ciliares doadas para a universidade fazer pesquisa. Recuperaram nascentes e as preservam. Cobram políticas públicas de saneamento e de preservação ambiental em toda a região.

Na análise da conjuntura ficou claro que a Transposição das águas do rio São Francisco vai de mal a pior. Obras paradas com rachaduras, um grande número de famílias expulsas de suas casas, povo desiludido. As promessas estão se revelando falsas, conforme denunciou com autoridade o bispo dom Luiz Flávio Cappio. “Várias construtoras largaram a Transposição e foram fazer obras da COPA. Exigem aditivos contratuais acima de 40%. Quem acreditou na propaganda da transposição está desiludido. Cadê os empregos? Demissões estão acontecendo aos montes”, denuncia padre Sebastião Gonçalves, da Diocese de Floresta, PE. Todos os que estão participando do Projeto de Convivência com o semi-árido dizem: “O problema do Nordeste não é a seca, mas são as cercas do latifúndio, do hidro e agronegócio, da indústria da seca que se compõe de obras faraônicas tal como a Transposição do Velho Chico, a Transnordestina, as monoculturas, grandes projetos para exportação.”

Após muitas trocas de experiências, palestras, debates e planejar a continuidade da luta, o Encontro encerrou-se nas águas do Velho Chico, onde os indígenas cantaram e todos, em duplas, se “batizaram” nas águas que clamam por revitalização. Assim, revigorados na esperança e conspirando uma causa justa e sublime voltaram para suas bases, os de Alagoas e de Sergipe tendo que pegar 36 horas de viagem. Voltaram para suas bases com o compromisso com a luta reafirmado. Lá nas bases, sobretudo os que estão no Nordeste, sabem que a cena acima apresentada, uma criança de nove anos com a lata de água na cabeça e uma irmãzinha no colo tem sido as cenas do dia-a-dia, com a falta de chuva e de políticas públicas que priorizem, de fato, a convivência com o semiárido.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

A loucura do mundo e a urgência da questão ambiental

É paradoxal e aflitivo: 2.800 cientistas reunidos em Londres assinam, no simpósio Planet Under Pressure, uma declaração sobre o estado do planeta, na qual dizem que "o funcionamento do sistema Terra (...) está em risco"; que poderemos enfrentar ameaças graves na questão da água, dos alimentos e da biodiversidade, com crises econômicas, ecológicas e sociais. No Brasil, quase 800 municípios do Semiárido enfrentam estado de emergência, com uma seca que pode ser a mais grave em 40 anos e já deixa prejuízos superiores a R$ 12 bilhões. Também no Extremo Sul do País a seca é gravíssima. No Amazonas, dois terços dos municípios se veem às voltas com uma inundação inédita, que já afetou 70 mil famílias e inundou até partes de Manaus (após fortes estiagens em 2005 e 2010 e outra forte inundação em 2009).
Embora 65% dos brasileiros ouvidos numa pesquisa CNI/Ibope considerem "muito graves" os problemas relacionados com o clima, nossas políticas continuam fazendo de conta que não precisamos perder tempo com o "ambiente" - tanto que no novo Código Florestal, mesmo após os vetos presidenciais, anistiamos a maior parte dos desmatadores, permitimos a ocupação de encostas e topos de morros (que assoreia rios e contribui para inundações), reduzimos áreas preservação à beira-rio, permitimos a ocupação de partes de mangues. E não tomamos conhecimento das advertências dos cientistas.

Já desmatamos quase 20% da Amazônia, quase 50% do Cerrado, só restam 7% da Mata Atlântica, quase nada dos Pampas, o Pantanal já sofre muito. O pretexto é não "prejudicar a expansão da agropecuária", quando a Embrapa há mais de 20 anos diz que não é preciso desmatar um só hectare: temos 200 mil hectares já desmatados e sem ocupação econômica, além de metade das pastagens degradadas. Mais grave ainda, qualquer que seja a decisão final do Congresso Nacional a respeito do projeto, tudo tenderá a ficar como nas práticas predatórias de hoje, já que o Ministério do Meio Ambiente, com menos de 1% do orçamento da União, não tem estruturas para fiscalizar com rigor e mudar o quadro.
Também não se deve esperar muito na Caatinga. O projeto de transposição de águas do Rio São Francisco, que o ex-presidente Lula anunciava como redenção para "12 milhões de pessoas que sofrem com a seca", em 2012 só teve gastos 2,2% do seu orçamento (Estado, 23/5), está com 4 dos 16 lotes de obras paralisados, já custa quase o dobro do que fora orçado e a água, quando chegar, irá em grande parte para grandes projetos agrícolas de exportação, outra parte para cidades que desperdiçam mais de 40% do que sai das estações de tratamento.

Para a Amazônia encontra-se em discussão no Congresso projeto para abrir as terras indígenas à mineração - quando estudos internacionais e nacionais dizem que essas reservas são o caminho mais eficaz para a conservação da biodiversidade, uma das riquezas nacionais. E uma medida provisória reduz a área de várias unidades de conservação para permitir a formação de grandes lagos para sete hidrelétricas - quando estudo da Unicamp/WWF, já citados várias vezes neste espaço, considera que não precisamos de novas mega-hidrelétricas, e sim de conservação e eficiência energética, além de redução de perdas nas linhas de transmissão.

Mas a falta de juízo não é só por aqui. Há poucos dias, terminou em fracasso - "discórdia e desapontamento", segundo o jornal The Guardian (25/5) - mais uma reunião da Convenção do Clima. Com retrocesso até, já que muitos países (principalmente Índia e China) se mostram relutantes em continuar apoiando a carta de intenções aprovada no ano passado em Durban, que acena para 2015 com um compromisso de todos os países para reduzir as emissões de poluentes, mas só entrando em vigor em 2020. Aprovou-se apenas a prorrogação do Protocolo de Kyoto, porque este envolve altíssimos recursos financeiros, ao permitir que um país ou empresa financie em outro país projeto que reduza emissões - e contabilize a redução no seu balanço próprio. Há um mercado mundial de muitos bilhões de dólares envolvido.

As discussões foram as de sempre: quem deve pagar pelas reduções, países ricos ou "em desenvolvimento"? Como farão China, Índia e outros que ainda precisam dotar de energia as casas de centenas de milhões de pessoas e só dispõem de combustíveis fósseis? Que se fará agora com o novo caminho de extração de gás de rochas, chamado de fracking, que dizem poluir menos, mas implica liberação de metano? A Agência Internacional de Energia não se cansa de advertir que já nos estamos aproximando do limite de mais 2 graus Celsius no aquecimento da Terra, mas as emissões de poluentes continuam em nível recorde - e a partir de 2017 a alta terá efeitos irreversíveis. O tema também nos fala de perto. Segundo estudo publicado na revista da Fapesp por Fábio Castro, Minas Gerais poderá perder R$ 450 bilhões até 2050 com problemas climáticos; o País todo, R$ 3,6 trilhões em 40 anos.
E a três semanas do início oficial da conferência Rio+20, na qual todos esses temas - mais a pobreza no mundo, redução do desperdício de alimentos (1,3 bilhão de toneladas anuais), novas formas de calcular crescimento, "economia verde", "governança sustentável" - em princípio estarão na pauta, surgem os temores de outro malogro, já que as discussões preliminares continuam patinando. O temor já foi manifestado pela ex-primeira-ministra norueguesa Gro Brundtland e pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

"O planeta não é sustentável sem controle do consumo e da população", diz a britânica Royal Society (Folha de S.Paulo, 27/4). Mas da crise econômica no mundo "ninguém vai escapar sem ser afetado". Poderemos até levar "de um século a dois para sair da crise", afirma o renomado economista James K. Galbraith, da Universidade Yale (Estado, 23/5). Seja como for, é preciso continuar encarando os olhos luminosos dos nossos netos e seguir lutando.

Fonte: Washington Novaes, jornalista, O Estado de S. Paulo, 01 de junho de 2012.