Li atentamente as 192 páginas
do Relatório do Deputado Padre João Carlos (PT/MG), da Subcomissão Especial
sobre o Uso dos Agrotóxicos e suas Consequências à Saúde, instalada em maio de
2011 e integrante da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados.
Fiquei estarrecido. A situação é muito mais grave do que imaginamos. Epidemias avassaladoras de câncer e tantas
outras doenças estão sendo construídas com incentivo/cumplicidade/omissão do
Estado (= Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário), protagonismo da classe
dominante e omissão/resignação de grande parte da sociedade.
O objetivo geral da referida
Subcomissão foi o de “avaliar os processos de controle e usos dos agrotóxicos e
suas repercussões na saúde pública.” Brasil, país celeiro do mundo, atualmente
ocupa a primeira posição no valor despendido com a aquisição de substâncias
agrotóxicas em todo o mundo. O Brasil se tornou a nação que mais consome
agrotóxicos no mundo.Paralelamente ao aumento no consumo, alavancado por uma política econômica estúpida que visa incluir pelo consumo, como se o ser humano fosse só “estômago”, está comprovado pelo Programa de Avaliação de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos – PARA -, da ANVISA : a) a presença de resíduos de agrotóxicos em alimentos acima dos limites máximos “recomendados”, não por quem come, mas pelo deus mercado que só pensa em lucrar, lucrar; b) a presença em muitos alimentos de venenos não permitidos. Afora isso, nas fiscalizações junto às empresas produtoras de agrotóxicos observa-se, recorrentemente, muitas irregularidades.
Assim, estão sendo
contaminados o solo, as águas e o ar, Doenças se multiplicam em progressão
geométrica. O envenenamento da comida está sendo perpetrado pelo uso exagerado
de agrotóxicos, pelo emprego de venenos não recomendados para determinadas
culturas, ou ainda pelo desrespeito ao intervalo de “segurança (?)” (período
mínimo entre a última aplicação e a colheita). Apenas no ano de 2010 foram
comercializados mais de um milhão de toneladas (= 1 bilhão de quilos) de
agrotóxicos em todo o território nacional. Desse total, 750 mil toneladas foram
produzidas no País, sendo o restante importado, cerca de 318 mil
toneladas. Esses dados são oficiais. Ao
incluir o comércio clandestino de agrotóxico, o contrabandeado, a quantidade
deverá ser bem maior. Cada pessoa está ingerindo, em média, 5,2 quilos de
agrotóxico por ano. Haja estômago! O
crescimento do consumo de agrotóxicos no mundo aumentou quase 100%, entre os
anos de 2000 e 2009. No Brasil, a taxa de crescimento atingiu quase 200%, o que
indica que teremos no mínimo o dobro de pessoas doentes em relação à média
mundial.
Atualmente existem 2.195
agrotóxicos registrados no Brasil, mas só 900 são comercializados. Ou seja,
além dos já comercializados, outros 1.295 tipos de agrotóxicos podem entrar
mercado a qualquer hora. Os registros são de titularidade de apenas 136
empresas diferentes, ou seja, poucas grandes empresas auferem muita grana
envenenando a alimentação do povo. São cerca de 430 ingredientes ativos
registrados. A comercialização desses produtos no país movimentou recursos da
ordem de 14,6 bilhões de reais, somente no ano de 2009. Quantas pessoas
adoeceram? Quantas morreram? Quanto o povo tem gasto, via SUS, para tentar
socorrer as vítimas dos agrotóxicos? Já existem fortes indícios de que o uso dos agrotóxicos provoca câncer e outras doenças graves. Relatório da ANVISA (2010) informa que foram encontrados 234 ingredientes ativos de agrotóxicos em hortaliças, frutas e leguminosas. Em “todas” as espécies testadas foram utilizados agrotóxicos não autorizados. No pimentão, por exemplo, no ano de 2009, 64,8% das amostras testadas revelaram a presença de agrotóxicos não autorizados. Atenção: Por “ser agrotóxico autorizado” não garante que não faça mal à saúde. Todo agrotóxico é substância química, é tóxico. No Município de Lucas de Rio Verde, em Mato Grosso, constatou-se a contaminação do leite materno, das águas da chuva, do solo e até do ar. Estima-se que, a cada ano, 25 milhões de trabalhadores são contaminados com agrotóxicos apenas nos países empobrecidos.
O Relatório põe o dedo na
ferida: “A incidência de câncer em regiões produtoras de Minas Gerais, que usam
intensamente agrotóxicos em patamares bem acima das médias nacional e mundial,
sugere uma relação estreita entre essa moléstia e a presença de agrotóxico.
Neste estado, na cidade de Unaí, está sendo construído um Hospital do Câncer,
em virtude da grande ocorrência desta doença na região. Segundo os dados
apresentados na Ausculta Pública que realizamos nesse município, já estão
ocorrendo cerca de 1.260 casos/ano/100.000 pessoas. A média mundial não
ultrapassa 400 casos/ano/100.000 pessoas.” Ou seja, se não houver uma redução
drástica no uso de agrotóxico, daqui a 10 anos, poderá ter na cidade de Unaí,
mais de 12.600 pessoas com câncer, sem contar o grande número de pessoas que já
contraíram câncer. Onde já se viu uma cidade com apenas 100 mil habitantes ter
Hospital do Câncer? Eis um sinal dos tempos e do lugar! Feliz quem entender a
gravidade desse sinal vermelho.
Várias leis já foram criadas
para tratar dos agrotóxicos: Lei nº 7.802/1989, Lei nº 9.974/2000, Lei nº
11.657/2008, institui o dia 18 de agosto como o Dia Nacional do Campo Limpo;
Lei nº 6.938/81, referente a Política Nacional de Meio Ambiente e a Lei nº
12.305/10, referente a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Essas leis são
dribladas o tempo todo, além de serem “generosas” com a indústria dos
agrotóxicos, o que fere mortalmente dignidade humana e toda a biodiversidade.
Padre João Carlos afirma no
Relatório: “O uso de agrotóxicos representa uma série de riscos à pessoa
humana, à saúde humana, ao meio ambiente, fato que já é de conhecimento geral.
Quando o uso é indiscriminado, tais riscos são muito mais elevados e não podem
ser relegados, nem pela sociedade, muito menos pelo Poder Público, em especial
pelos órgãos responsáveis pelo controle e fiscalização de tais produtos.” A aplicação de agrotóxicos
contamina os trabalhadores, as populações que residem nas áreas periféricas às
lavouras, os alimentos, os cursos d’água, enfim todo o ambiente. O sinal
vermelho do agrotóxico acendeu-se. Feliz quem abraçar pra valer a luta pela
construção de reforma agrária com agricultura familiar segundo o paradigma da
agroecologia, caminho para produção de alimentos saudáveis e vida em plenitude.
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