Quero destacar os riscos que giram em torno da relação entre
os movimentos populares e a política: o risco de ser absorvido pelo sistema e o
risco de se deixar corromper.
Primeiro, não ser absorvido, porque alguns falam de sua
cooperativa, sua horta agroecológica, dos programas contra a fome, do
microempreendimento, do desenho dos planos assistenciais… até aí está bem.
Enquanto se mantenham no âmbito das “políticas sociais”, enquanto não
questionem a política econômica ou a Política com maiúscula, são tolerados.
Essa ideia das políticas sociais concebidas como uma política para os pobres
mas nunca com os pobres, nunca sendo um direito dos pobres e muito menos
inserta num projeto que reunifique os povos às vezes me parece uma espécie de
trator discursivo, uma maquiagem para conter a falência do sistema. Quando
vocês, desde a sua organização arraigada com as comunidades, desde a realidade
cotidiana, do bairro, do trabalho comunitário, das relações pessoa a pessoa, se
atrevem a questionar as “macrorrelações”, quando chiam, quando gritam, quando
pretendem mostrar ao poder um planteamento mais integral, quando fazem isso já
não são mais tolerados, por colocarem em risco o sistema, se metendo no terreno
das grandes decisões – um privilégio que alguns pretendem manter nas mãos de
pequenas castas. Assim, a democracia se atrofia, se torna um nominalismo, uma
formalidade, perde representatividade, vai se desencarnando, porque deixa de
fora o povo, em sua luta cotidiana pela dignidade, pela construção do seu
destino.
Vocês, as organizações dos excluídos e tantas organizações
de outros setores da sociedade, foram convocados a revitalizar, a refundar as
democracias que passam por uma verdadeira crise. Não caiam na tentação do
sistema que os reduz a atores secundários, ou pior ainda, a meros
administradores da miséria existente. Nestes tempos de paralisia, de
desorientação e de propostas destrutivas, a participação dos povos como
protagonistas do seu destino, buscando o bem comum, e pode se impor, com a
ajuda de Deus, contra os falsos profetas que exploram o medo e a desesperança,
que vendem fórmulas mágicas de ódio e crueldade, ou de um bem-estar egoísta e
uma segurança ilusória.
Sabemos que “enquanto não se resolvam radicalmente os
problemas dos pobres, renunciando à autonomia absoluta dos mercados e da
especulação financeira e atacando as causas estruturais da iniquidade, não se
resolverão os problemas do mundo. A iniquidade é a raiz dos males sociais” (exortação apostólica pós-sinodal Evangelii Gaudium).
Por isso, eu disse e repito: “o futuro da humanidade não está unicamente nas
mãos dos grandes dirigentes, das grandes potências e das elites. Está
fundamentalmente nas mãos dos povos, em sua capacidade de se organizar, e
também nas mãos que regam com humildade e convicção este processo de mudanças” (Discurso no II Encontro Mundial dos Movimentos Populares). A Igreja também pode e deve de
pronunciar, sem pretender ter o monopólio da verdade, e atuar especialmente com
respeito às “situações onde se tocam as chagas e o sofrimento dramático, e nas
quais estão implicados os valores, a ética, as ciências sociais e a fé” (discurso na Cúpula de Juízes e Magistrados contra o Tráfico de Pessoas e o
Crime Organizado, no Vaticano, 3 junho 2016).
O segundo risco que eu dizia é o de não se deixar corromper.
Assim como a política não é um assunto exclusivo dos “políticos”, a corrupção
não é um vício exclusivo da política. Há corrupção na política, há corrupção
nas empresas, há corrupção nos meios de comunicação, há corrupção nas igrejas e
também há corrupção nas organizações sociais e nos movimentos populares. É
justo dizer que há uma corrupção naturalizada em alguns âmbitos da vida
econômica, em particular à atividade financeira, e que tem menos imprensa que a
corrupção diretamente ligada ao âmbito político e social. É justo dizer que os
casos de corrupção muitas vezes são manipulados com más intenções. Mas também é
importante esclarecer que aqueles que optaram por uma vida de serviço têm uma
obrigação adicional à da honestidade, com a que qualquer pessoa deve atuar na
vida. A exigência é maior: é preciso viver a vocação de servir com um forte
sentido de austeridade e humildade. Isso vale para os políticos, mas também
vale para os dirigentes sociais e para nós, os pastores.
Qualquer pessoa que tenha demasiado apego pelas coisas
materiais ou pelo espelho, qualquer pessoa que gosta tanto do dinheiro, dos
banquetes exuberantes, das mansões luxuosas, dos trajes refinados, dos carros
de último modelo, eu aconselharia que preste atenção no que está acontecendo em
seu coração, e reze para que Deus o libere destas ataduras. Contudo,
parafraseando o ex-presidente latino-americano que está aqui presente (Pepe
Mujica), aquele que tem obsessão por essas coisas, por favor, não se meta na
política, não se meta numa organização social ou num movimento popular, porque
causará um enorme dano a si mesmo e ao próximo, e manchará a nobre causa que
diz defender.
Diante da tentação da corrupção, não há melhor antídoto que
a austeridade, e praticar a austeridade é, antes de tudo, predicar com o
exemplo. Peço a vocês que não subestimem o valor do exemplo, que tem mais força
que mil palavras, que mil cartazes, que mil likes, que mil retweets, que mil
vídeos de youtube. O exemplo de uma vida austera a serviço do próximo é a
melhor forma de promover o bem comum e o projeto-ponte das “três Ts”. Peço aos
dirigentes que não se cansem de praticar a austeridade, e peço a todos que
exijam dos dirigentes essa austeridade, a qual – por outra parte – os fará
muito felizes.
Queridas irmãs e queridos irmãos, a corrupção, a soberba, o
exibicionismo dos dirigentes aumenta a descrença coletiva, a sensação de
desamparo e retroalimenta o mecanismo do medo que sustenta este sistema iníquo.
Para finalizar, queria pedir a vocês que sigam enfrentando
o medo com uma vida de serviço, solidariedade e humildade em favor dos povos e,
em especial dos que mais sofrem. Vocês vão se equivocar muitas vezes, pois
todos nos equivocamos, mas se perseveramos neste caminho, mais cedo ou mais
tarde nós vamos ver os frutos. E, insisto, o maior antídoto contra o terror é o
amor. O amor cura tudo. Alguns sabem que depois do Sínodo da família eu escrevi
Amoris Laetitia, um documento (publicado em abril deste ano) sobre o amor na
família de cada um, mas também nessa outra família que é o bairro, a
comunidade, o povo, a humanidade. Um de vocês me pediu que distribuísse um
caderninho que contém um fragmento do capítulo quarto desse documento. Creio
que vai ser entregue na saída. Vai então com a minha bênção. Ali estão alguns
“conselhos úteis” para praticar o mais importante dos mandamentos de Jesus.
Em Amoris Laetitia eu cito um falecido dirigente
afro-americano, Martin Luther King, que insistia em optar pelo amor fraternal
mesmo estando em meio às piores perseguições e humilhações. Quero recordá-lo
hoje com vocês: “quando nos elevamos ao nível do amor, de sua grande beleza e
poder, buscamos derrotar os sistemas malignos. As pessoas aprisionadas por esse
sistema são pessoas que amamos, e por isso pretendemos derrotar esse sistema
[…] A regra do ódio por ódio só intensifica a existência do ódio y do mal no
universo. Se eu te bato e você me bate, e eu te devolvo o golpe e você me
devolve outro, e assim sucessivamente, é evidente que se chega até o infinito.
Nunca terminará, nem para nós, nem para ninguém. Em algum lugar, alguém deve
ter um pouco mais de sentido, e essa pessoa é a pessoa forte. A pessoa forte é
aquela que pode romper a cadeia do ódio, a cadeia do mal”. Isso disse Martin
Luther King, em 1957.
Agradeço novamente pela presença de vocês. Agradeço pelo seu
trabalho. Quero pedir por vocês ao nosso Pai, que os acompanhe e os abençoe,
que os colme com seu amor e os defenda no caminho, dando a vocês, em quantidade
abundante, essa força que nos mantêm de pé, que nos dá a coragem necessária
para romper as correntes do ódio: essa força que se chama esperança.
Peço a vocês, por favor, que rezem por mim. E aos que não
podem rezar, já sabem, basta um pensamento positivo, dedicar seus bons
sentimentos. Obrigado. (5 nov 2016)