O total de área desmatada na Amazônia, no último mês de maio de 2011, é de 268 km2, divulgou o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). O número mais que dobrou se comparado com o mesmo período de 2010, quando foram registrados 109,6 km2. A destruição da mata local é classificada em categorias que estão divididas de corte raso a floresta degradada em três níveis (leve, moderada e alta).
O levantamento é feito pelo sistema por satélite Deter (Detecção do Desmatamento em Tempo Real), que pertence ao Inpe. Em maio, 32% de toda a Amazônia Legal não pôde ser mapeada devido a nuvens que atrapalham o monitoramento.
Mato Grosso é o Estado mais afetado, com desmate de 93,7 km2. Em seguida vem Rondônia, com 67,9 km2, Pará, com 65,5 km2, e Amazonas, com 29,7 km2. Os Estados onde houve menor ocorrência foram o Maranhão, com 6,5 km2, o Tocantins, com 4,3 km2, e o Acre, com 0,4 km2.
De janeiro a maio de 2011, o Deter já aponta 880,18 km² de área desmatada em toda a Amazônia.
(Fonte: Folha on line, 30/06/11)
quinta-feira, 30 de junho de 2011
domingo, 26 de junho de 2011
Consciência planetária e Ecologia
Estive no VI Congresso de Educadores Agostinianos, num centro de eventos próximo a Belo Horizonte. Animei o grupo temático intitulado "Iluminar a vida: Consciência Planetária e Ecologia", com dois diferentes grupos. Fiquei feliz em poder partilhar conhecimentos e a paixão pela causa da sustentabilidade com outros educadores e gestores da educação. Promovermos em curto período de tempo um espaço intenso de reflexão, consciência de si, mística e exercício elaborado do olhar.
Espero que os agostianianos e outras instituições confessionais incorporem a temática da sustentabilidade na sua proposta pedagógica e continuem a tomar iniciativas concretas para formar as novas gerações na consciência planetária. Afonso Murad
terça-feira, 21 de junho de 2011
Assassinos de Irmã Dorothy
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes negou pedido de habeas corpus ao fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, condenado pela 2ª Vara do Tribunal do Júri de Belém (PA) à pena de reclusão de 30 anos pelo assassinato da missionária norte-americana Dorothy Stang, ocorrido em 12 de fevereiro de 2005, no município de Anapu, sul do Pará.
No pedido, que ainda será julgado no mérito, a defesa pede a expedição de alvará de soltura para Vitalmiro recorrer em liberdade da condenação.
Para isso, alega excesso de prazo na prisão preventiva do fazendeiro, principalmente se reconhecida a nulidade do julgamento. Ele cumpre pena no CRC (Centro de Recuperação do Coqueiro), em Belém (PA).
Dorothy, 73, foi morta com seis tiros por um pistoleiro quando se dirigia a um assentamento de agricultores em Anapu, no Pará.
Dois fazendeiros --Vitalmiro Bastos de Moura e Regivaldo Pereira Galvão-- foram denunciados como mandantes do crime, que teria sido encomendado por R$ 50 mil, em razão da interferência da missionária nos conflitos entre pequenos agricultores e grandes proprietários de terra.
Conhecido como Bida, Vitalmiro enfrentou três julgamentos na 2ª Vara do Tribunal do Júri de Belém (PA). Na primeira vez, em 2007, recebeu pena de 30 anos --o que, por lei, lhe garantia automaticamente novo julgamento. Este ocorreu em maio de 2008, e o réu foi absolvido, mas o Ministério Público recorreu e, em 2009, o júri foi anulado.
O terceiro julgamento se deu em 12 de abril de 2010 e condenou o fazendeiro à pena de 30 anos de reclusão, em regime inicial fechado.
(Fonte: Folha de São Paulo on-line, 21/6/11)
No pedido, que ainda será julgado no mérito, a defesa pede a expedição de alvará de soltura para Vitalmiro recorrer em liberdade da condenação.
Para isso, alega excesso de prazo na prisão preventiva do fazendeiro, principalmente se reconhecida a nulidade do julgamento. Ele cumpre pena no CRC (Centro de Recuperação do Coqueiro), em Belém (PA).
Dorothy, 73, foi morta com seis tiros por um pistoleiro quando se dirigia a um assentamento de agricultores em Anapu, no Pará.
Dois fazendeiros --Vitalmiro Bastos de Moura e Regivaldo Pereira Galvão-- foram denunciados como mandantes do crime, que teria sido encomendado por R$ 50 mil, em razão da interferência da missionária nos conflitos entre pequenos agricultores e grandes proprietários de terra.
Conhecido como Bida, Vitalmiro enfrentou três julgamentos na 2ª Vara do Tribunal do Júri de Belém (PA). Na primeira vez, em 2007, recebeu pena de 30 anos --o que, por lei, lhe garantia automaticamente novo julgamento. Este ocorreu em maio de 2008, e o réu foi absolvido, mas o Ministério Público recorreu e, em 2009, o júri foi anulado.
O terceiro julgamento se deu em 12 de abril de 2010 e condenou o fazendeiro à pena de 30 anos de reclusão, em regime inicial fechado.
(Fonte: Folha de São Paulo on-line, 21/6/11)
sábado, 11 de junho de 2011
Carta do Cacique Mutua Sobre Belo Monte
Carta a todos os povos da Terra
O Sol me acordou dançando no meu rosto. Pela manhã, atravessou a palha da oca e brincou com meus olhos sonolentos. O irmão Vento, mensageiro do Grande Espírito, soprou meu nome, fazendo tremer as folhas das plantas lá fora. Eu sou Mutua, cacique da aldeia dos Xavantes. Na nossa língua, Xingu quer dizer água boa, água limpa. É o nome do nosso rio sagrado. Como guiso da serpente, o Vento anunciou perigo. Meu coração pesou como jaca madura, a garganta pediu saliva. Eu ouvi. O Grande Espírito da floresta estava bravo. Xingu banha toda a floresta com a água da vida. Ele traz alegria e sorriso no rosto dos curumins da aldeia. Xingu traz alimento para nossa tribo.
Mas hoje nosso povo está triste. Xingu recebeu sentença de morte. Os caciques dos homens brancos vão matar nosso rio. O lamento do Vento diz que logo vem uma tal de usina para nossa terra. O nome dela é Belo Monte. No vilarejo de Altamira, vão construir a barragem. Vão tirar um monte de terra, mais do que fizeram lá longe, no canal do Panamá.
Enquanto inundam a floresta de um lado, prendem a água de outro. Xingu vai correr mais devagar. A floresta vai secar em volta. Os animais vão morrer. Vai diminuir a desova dos peixes. E se sobrar vida, ficará triste como o índio.
Como uma grande serpente prateada, Xingu desliza pelo Pará e Mato Grosso, refrescando toda a floresta. Xingu vai longe desembocar no Rio Amazonas e alimentar outros povos distantes. Se o rio morre, a gente também morre, os animais, a floresta, a roça, o peixe tudo morre. Aprendi isso com meu pai, o grande cacique Aritana, que me ensinou como fincar o peixe na água, usando a flecha, para servir nosso alimento.
Se Xingu morre, o curumim do futuro dormirá para sempre no passado, levando o canto da sabedoria do nosso povo para o fundo das águas de sangue. Pela manhã, o Vento me levou para a floresta. O Espírito do Vento é apressado, tem de correr mundo, soprar o saber da alma da Natureza nos ouvidos dos outros pajés. Mas o homem branco está surdo e há muito tempo não ouve mais o Vento.
Eu falei com a Floresta, com o Vento, com o Céu e com o Xingu. Entendo a língua da arara, da onça, do macaco, do tamanduá, da anta e do tatu. O Sol, a Lua e a Terra são sagrados para nós. Quando um índio nasce, ele se torna parte da Mãe Natureza. Nossos antepassados, muitos que partiram pela mão do homem branco, são sagrados para o meu povo.
É verdade que, depois que homem branco chegou, o homem vermelho nunca mais foi o mesmo. Ele trouxe o espírito da doença, a gripe que matou nosso povo. E o espírito da ganância que roubou nossas árvores e matou nossos bichos. No passado, já fomos milhões. Hoje, somos somente cinco mil índios à beira do Xingu, não sei por quanto tempo.
Na roça, ainda conseguimos plantar a mandioca, que é nosso principal alimento, junto com o peixe. Com ela, a gente faz o beiju. Conta a história que Mandioca nasceu do corpo branco de uma linda indiazinha, enterrada numa oca, por causa das lágrimas de saudades dos seus pais caídas na terra que a guardava.
O Sol me acordou dançando no meu rosto. E o Vento trouxe o clamor do rio que está bravo. Sou corajoso guerreiro, não temo nada.
Caminharei sobre jacarés, enfrentarei o abraço de morte da jiboia e as garras terríveis da suçuarana. Por cima de todas as coisas pularei, se quiserem me segurar. Os espíritos têm sentimentos e não gostam de muito esperar.
Eu aprendi desde pequeno a falar com o Grande Espírito da floresta. Foi num dia de chuva, quando corria sozinho dentro da mata, e senti cócegas nos pés quando pisei as sementes de castanha do chão. O meu arco e flecha seguiam a caça, enquanto eu mesmo era caçado pelas sombras dos seres mágicos da floresta. O espírito do Gavião Real agora aparece rodopiando com suas grandes asas no céu. Com um grito agudo perguntou: Quem foi o primeiro a ferir o corpo de Xingu? Meu coração apertado como a polpa do pequi não tem coragem de dizer que foi o representante do reino dos homens. O espírito do Gavião Real diz que se a artéria do Xingu for rompida por causa da barragem, a ira do rio se espalhará por toda a terra como sangue e seu cheiro será o da morte.
O Sol me acordou brincando no meu rosto. O dia se abriu e me perguntou da vida do rio. Se matarem o Xingu, todos veremos o alimento virar areia.
A ave de cabeça majestosa me atraiu para a reunião dos espíritos sagrados na floresta. Pisando as folhas velhas do chão com cuidado, pois a terra está grávida, segui a trilha do rio Xingu. Lembrei que, antes, a gente ia para a cidade e no caminho eu só via árvores.
Agora, o madeireiro e o fazendeiro espremeram o índio perto do rio com o cultivo de pastos para boi e plantações mergulhadas no veneno. A terra está estragada. Depois de matar a nossa floresta, nossos animais, sujar nossos rios e derrubar nossas árvores, querem matar Xingu.
O Sol me acordou brincando no meu rosto. E no caminho do rio passei pela Grande Árvore e uma seiva vermelha deslizava pelo seu nódulo. Quem arrancou a pele da nossa mãe? gemeu a velha senhora num sentimento profundo de dor. As palavras faltaram na minha boca. Não tinha como explicar o mal que trarão à terra. “Leve a nossa voz para os quatro cantos do mundo”, clamou O Vento ligeiro soprará até as conchas dos ouvidos amigos ventilou por último, usando a língua antiga, enquanto as folhas no alto se debatiam.
Nosso povo tentou gritar contra os negócios dos homens. Levamos nossa gente para falar com cacique dos brancos. Nossos caciques do Xingu viajaram preocupados e revoltados para Brasília. Eu estava lá, e vi tudo acontecer.
Os caciques caraíbas se escondem. Não querem olhar direto nos nossos olhos. Eles dizem que nos consultaram, mas ninguém foi ouvido.
O homem branco devia saber que nada cresce se não prestar reverência à vida e à natureza. Tudo que acontecer aqui vai voar com o Vento que não tem fronteiras. Recairá um dia em calor e sofrimento para outros povos distantes do mundo.
O tempo da verdade chegou e existe missão em cada estrela que brilha nas ondas do Rio Xingu. Pronta para desvendar seus mistérios, tanto no mundo dos homens como na natureza.
Eu sou o cacique Mutua e esta é minha palavra! Esta é minha dança! E este é o meu canto!
Porta-voz da nossa tradição, vamos nos fortalecer. Casa de Rezas, vamos nos fortalecer. Bicho-Espírito, vamos nos fortalecer. Maracá, vamos nos fortalecer. Vento, vamos nos fortalecer. Terra, vamos nos fortalecer. Rio Xingu! Vamos nos fortalecer!
Leve minha mensagem nas suas ondas para todo o mundo: a terra é fonte de toda vida, mas precisa de todos nós para dar vida e fazer tudo crescer. Quando você avistar um reflexo mais brilhante nas águas de um rio, lago ou mar, é a mensagem de lamento do Xingu clamando por viver".
(O personagem "Cacique Mutua" e o texto foram criados por Mônica Martins. Expressam de forma poética o grito dos povos da floresta, diante da eminente construção de Usina de Belo Monte)
O Sol me acordou dançando no meu rosto. Pela manhã, atravessou a palha da oca e brincou com meus olhos sonolentos. O irmão Vento, mensageiro do Grande Espírito, soprou meu nome, fazendo tremer as folhas das plantas lá fora. Eu sou Mutua, cacique da aldeia dos Xavantes. Na nossa língua, Xingu quer dizer água boa, água limpa. É o nome do nosso rio sagrado. Como guiso da serpente, o Vento anunciou perigo. Meu coração pesou como jaca madura, a garganta pediu saliva. Eu ouvi. O Grande Espírito da floresta estava bravo. Xingu banha toda a floresta com a água da vida. Ele traz alegria e sorriso no rosto dos curumins da aldeia. Xingu traz alimento para nossa tribo.
Mas hoje nosso povo está triste. Xingu recebeu sentença de morte. Os caciques dos homens brancos vão matar nosso rio. O lamento do Vento diz que logo vem uma tal de usina para nossa terra. O nome dela é Belo Monte. No vilarejo de Altamira, vão construir a barragem. Vão tirar um monte de terra, mais do que fizeram lá longe, no canal do Panamá.
Enquanto inundam a floresta de um lado, prendem a água de outro. Xingu vai correr mais devagar. A floresta vai secar em volta. Os animais vão morrer. Vai diminuir a desova dos peixes. E se sobrar vida, ficará triste como o índio.
Como uma grande serpente prateada, Xingu desliza pelo Pará e Mato Grosso, refrescando toda a floresta. Xingu vai longe desembocar no Rio Amazonas e alimentar outros povos distantes. Se o rio morre, a gente também morre, os animais, a floresta, a roça, o peixe tudo morre. Aprendi isso com meu pai, o grande cacique Aritana, que me ensinou como fincar o peixe na água, usando a flecha, para servir nosso alimento.
Se Xingu morre, o curumim do futuro dormirá para sempre no passado, levando o canto da sabedoria do nosso povo para o fundo das águas de sangue. Pela manhã, o Vento me levou para a floresta. O Espírito do Vento é apressado, tem de correr mundo, soprar o saber da alma da Natureza nos ouvidos dos outros pajés. Mas o homem branco está surdo e há muito tempo não ouve mais o Vento.
Eu falei com a Floresta, com o Vento, com o Céu e com o Xingu. Entendo a língua da arara, da onça, do macaco, do tamanduá, da anta e do tatu. O Sol, a Lua e a Terra são sagrados para nós. Quando um índio nasce, ele se torna parte da Mãe Natureza. Nossos antepassados, muitos que partiram pela mão do homem branco, são sagrados para o meu povo.
É verdade que, depois que homem branco chegou, o homem vermelho nunca mais foi o mesmo. Ele trouxe o espírito da doença, a gripe que matou nosso povo. E o espírito da ganância que roubou nossas árvores e matou nossos bichos. No passado, já fomos milhões. Hoje, somos somente cinco mil índios à beira do Xingu, não sei por quanto tempo.
Na roça, ainda conseguimos plantar a mandioca, que é nosso principal alimento, junto com o peixe. Com ela, a gente faz o beiju. Conta a história que Mandioca nasceu do corpo branco de uma linda indiazinha, enterrada numa oca, por causa das lágrimas de saudades dos seus pais caídas na terra que a guardava.
O Sol me acordou dançando no meu rosto. E o Vento trouxe o clamor do rio que está bravo. Sou corajoso guerreiro, não temo nada.
Caminharei sobre jacarés, enfrentarei o abraço de morte da jiboia e as garras terríveis da suçuarana. Por cima de todas as coisas pularei, se quiserem me segurar. Os espíritos têm sentimentos e não gostam de muito esperar.
Eu aprendi desde pequeno a falar com o Grande Espírito da floresta. Foi num dia de chuva, quando corria sozinho dentro da mata, e senti cócegas nos pés quando pisei as sementes de castanha do chão. O meu arco e flecha seguiam a caça, enquanto eu mesmo era caçado pelas sombras dos seres mágicos da floresta. O espírito do Gavião Real agora aparece rodopiando com suas grandes asas no céu. Com um grito agudo perguntou: Quem foi o primeiro a ferir o corpo de Xingu? Meu coração apertado como a polpa do pequi não tem coragem de dizer que foi o representante do reino dos homens. O espírito do Gavião Real diz que se a artéria do Xingu for rompida por causa da barragem, a ira do rio se espalhará por toda a terra como sangue e seu cheiro será o da morte.
O Sol me acordou brincando no meu rosto. O dia se abriu e me perguntou da vida do rio. Se matarem o Xingu, todos veremos o alimento virar areia.
A ave de cabeça majestosa me atraiu para a reunião dos espíritos sagrados na floresta. Pisando as folhas velhas do chão com cuidado, pois a terra está grávida, segui a trilha do rio Xingu. Lembrei que, antes, a gente ia para a cidade e no caminho eu só via árvores.
Agora, o madeireiro e o fazendeiro espremeram o índio perto do rio com o cultivo de pastos para boi e plantações mergulhadas no veneno. A terra está estragada. Depois de matar a nossa floresta, nossos animais, sujar nossos rios e derrubar nossas árvores, querem matar Xingu.
O Sol me acordou brincando no meu rosto. E no caminho do rio passei pela Grande Árvore e uma seiva vermelha deslizava pelo seu nódulo. Quem arrancou a pele da nossa mãe? gemeu a velha senhora num sentimento profundo de dor. As palavras faltaram na minha boca. Não tinha como explicar o mal que trarão à terra. “Leve a nossa voz para os quatro cantos do mundo”, clamou O Vento ligeiro soprará até as conchas dos ouvidos amigos ventilou por último, usando a língua antiga, enquanto as folhas no alto se debatiam.
Nosso povo tentou gritar contra os negócios dos homens. Levamos nossa gente para falar com cacique dos brancos. Nossos caciques do Xingu viajaram preocupados e revoltados para Brasília. Eu estava lá, e vi tudo acontecer.
Os caciques caraíbas se escondem. Não querem olhar direto nos nossos olhos. Eles dizem que nos consultaram, mas ninguém foi ouvido.
O homem branco devia saber que nada cresce se não prestar reverência à vida e à natureza. Tudo que acontecer aqui vai voar com o Vento que não tem fronteiras. Recairá um dia em calor e sofrimento para outros povos distantes do mundo.
O tempo da verdade chegou e existe missão em cada estrela que brilha nas ondas do Rio Xingu. Pronta para desvendar seus mistérios, tanto no mundo dos homens como na natureza.
Eu sou o cacique Mutua e esta é minha palavra! Esta é minha dança! E este é o meu canto!
Porta-voz da nossa tradição, vamos nos fortalecer. Casa de Rezas, vamos nos fortalecer. Bicho-Espírito, vamos nos fortalecer. Maracá, vamos nos fortalecer. Vento, vamos nos fortalecer. Terra, vamos nos fortalecer. Rio Xingu! Vamos nos fortalecer!
Leve minha mensagem nas suas ondas para todo o mundo: a terra é fonte de toda vida, mas precisa de todos nós para dar vida e fazer tudo crescer. Quando você avistar um reflexo mais brilhante nas águas de um rio, lago ou mar, é a mensagem de lamento do Xingu clamando por viver".
(O personagem "Cacique Mutua" e o texto foram criados por Mônica Martins. Expressam de forma poética o grito dos povos da floresta, diante da eminente construção de Usina de Belo Monte)
quinta-feira, 26 de maio de 2011
O caminho da insustentabilidade
A Câmara dos Deputado aprovou nesta terça-feira, 24 de abril, o texto final da reforma do Código Florestal com alterações que significaram uma derrota para a causa da sustentabilidade.
Aprovada por 273 votos a 182, a votação levou o PT e o PMDB --principais partidos governistas-- para lados opostos, na votação das emendas. O texto das emendas autoriza os Estados a participarem da regularização ambiental, deixa claro a anistia para os desmates ocorridos até junho de 2008, além de consolidar a manutenção de atividades agrícolas nas APPs (áreas de preservação permanente).
Para alguns analistas, como o editor de Ciência da Folha de Sáo Paulo, Reinaldo José Lopes, a decisão de manter as áreas consolidadas tem lógica. Pois nas regiões Sul e Sudeste do país há plantações de café, uva e demais produtos agrícolas há décadas, ou mesmo séculos, em APPs (Áreas de Proteção Permanente). E nas outras regiões do país, principalmente a Amazônia?
O Novo Código permite grande avanço das monoculturas de exportação em prejuízo das áreas de florestas, aprofundando o modelo primário-exportador, que garante os dólares das reservas internacionais.
Veja alguns itens deste Novo Código Florestal e suas consequências para o meio ambiente:
(1) Em seu artigo 3º (inciso III) o Novo Código estabelece o conceito de “Área Rural Consolidada”, ou seja, todas as áreas ocupadas anteriormente a 22 de julho de 2008. Conforme dispõem os artigos 10, 12 (§ 1º), 34, 35 e 39, atividades agropecuárias existentes dentro desta “área consolidada” poderão manter-se, mesmo se situadas em áreas de preservação permanente. Em bom português: haverá uma anistia ampla e irrestrita a proprietários que desmataram áreas de preservação ambiental até 22 de julho de 2008. Além do mais, tal permissão é um grande estímulo ao desmatamento atual e futuro, dado que será muito difícil fiscalizar se tais áreas foram desmatadas antes ou depois daquela data. Não é por acaso que o desmatamento já tem aumentado fortemente, sendo que o próprio governo já criou um “Gabinete de Gerenciamento de Crise”.
Além do mais, o artigo 35 também reduz de 30 para 15 metros a área de preservação permanente ao lado dos rios de até 10 metros de largura, em tais “áreas consolidadas”.
(2) No artigo 3º (inciso IV) o Novo Código reduz fortemente as áreas de preservação permanente nas margens dos rios, pois passa a considerar como base o leito menor (durante a seca) e não mais o leito maior (durante a cheia). Desta forma, poderão ser exterminadas imensas áreas de preservação, principalmente no caso dos rios da Amazônia. Já o artigo 38 (§ 3º) permite que as propriedades sem reserva legal possam recompô-la com “espécies exóticas”, que podem abranger culturas como a cana-de-açúcar ou eucalipto. Outra possibilidade (prevista no §5º, IV) é o proprietário adquirir e conservar florestas em outro município ou estado, o que é absurdo e dificulta a fiscalização.
(3) No final da votação, ainda foi incluída uma emenda que permite que os estados– que estão fortemente sujeitos à influência dos grandes proprietários rurais - definam como (e se) será feito recuperação das áreas de preservação ambiental em tais "áreas consolidadas". Basta pensar em Rondônia ou no Mato Grosso, para imaginar os horrores que estas "legislações locais" poderão legitimar.
O texto deve ser encaminhado ao Senado, e posteriormente à sanção da Presidente Dilma, que pode vetar pontos do Novo Código Florestal. Porém, dado que 410 deputados aprovaram o texto base do relatório, este veto pode ser derrubado pelo Congresso. Apenas 63 deputados votaram contra o texto base do projeto do código florestal.
O que vamos fazer, diante disso? Que caminhos nos restam, ao menos para diminuir o estrago?
(Fontes: Folha, Boletim do Comitê da Dívida Brasileira)
Aprovada por 273 votos a 182, a votação levou o PT e o PMDB --principais partidos governistas-- para lados opostos, na votação das emendas. O texto das emendas autoriza os Estados a participarem da regularização ambiental, deixa claro a anistia para os desmates ocorridos até junho de 2008, além de consolidar a manutenção de atividades agrícolas nas APPs (áreas de preservação permanente).
Para alguns analistas, como o editor de Ciência da Folha de Sáo Paulo, Reinaldo José Lopes, a decisão de manter as áreas consolidadas tem lógica. Pois nas regiões Sul e Sudeste do país há plantações de café, uva e demais produtos agrícolas há décadas, ou mesmo séculos, em APPs (Áreas de Proteção Permanente). E nas outras regiões do país, principalmente a Amazônia?
O Novo Código permite grande avanço das monoculturas de exportação em prejuízo das áreas de florestas, aprofundando o modelo primário-exportador, que garante os dólares das reservas internacionais.
Veja alguns itens deste Novo Código Florestal e suas consequências para o meio ambiente:
(1) Em seu artigo 3º (inciso III) o Novo Código estabelece o conceito de “Área Rural Consolidada”, ou seja, todas as áreas ocupadas anteriormente a 22 de julho de 2008. Conforme dispõem os artigos 10, 12 (§ 1º), 34, 35 e 39, atividades agropecuárias existentes dentro desta “área consolidada” poderão manter-se, mesmo se situadas em áreas de preservação permanente. Em bom português: haverá uma anistia ampla e irrestrita a proprietários que desmataram áreas de preservação ambiental até 22 de julho de 2008. Além do mais, tal permissão é um grande estímulo ao desmatamento atual e futuro, dado que será muito difícil fiscalizar se tais áreas foram desmatadas antes ou depois daquela data. Não é por acaso que o desmatamento já tem aumentado fortemente, sendo que o próprio governo já criou um “Gabinete de Gerenciamento de Crise”.
Além do mais, o artigo 35 também reduz de 30 para 15 metros a área de preservação permanente ao lado dos rios de até 10 metros de largura, em tais “áreas consolidadas”.
(2) No artigo 3º (inciso IV) o Novo Código reduz fortemente as áreas de preservação permanente nas margens dos rios, pois passa a considerar como base o leito menor (durante a seca) e não mais o leito maior (durante a cheia). Desta forma, poderão ser exterminadas imensas áreas de preservação, principalmente no caso dos rios da Amazônia. Já o artigo 38 (§ 3º) permite que as propriedades sem reserva legal possam recompô-la com “espécies exóticas”, que podem abranger culturas como a cana-de-açúcar ou eucalipto. Outra possibilidade (prevista no §5º, IV) é o proprietário adquirir e conservar florestas em outro município ou estado, o que é absurdo e dificulta a fiscalização.
(3) No final da votação, ainda foi incluída uma emenda que permite que os estados– que estão fortemente sujeitos à influência dos grandes proprietários rurais - definam como (e se) será feito recuperação das áreas de preservação ambiental em tais "áreas consolidadas". Basta pensar em Rondônia ou no Mato Grosso, para imaginar os horrores que estas "legislações locais" poderão legitimar.
O texto deve ser encaminhado ao Senado, e posteriormente à sanção da Presidente Dilma, que pode vetar pontos do Novo Código Florestal. Porém, dado que 410 deputados aprovaram o texto base do relatório, este veto pode ser derrubado pelo Congresso. Apenas 63 deputados votaram contra o texto base do projeto do código florestal.
O que vamos fazer, diante disso? Que caminhos nos restam, ao menos para diminuir o estrago?
(Fontes: Folha, Boletim do Comitê da Dívida Brasileira)
terça-feira, 24 de maio de 2011
Um código florestal perverso
Dez ex-ministros do Meio Ambiente se uniram contra o texto da reforma do Código Florestal que deve ser votado pela Câmara. Em carta aberta à presidente Dilma Rousseff e ao Congresso, o grupo diz que a proposta a ser analisada significa um retrocesso na política ambiental brasileira, que foi "pioneira" na criação de leis de conservação e proteção de recursos naturais.
Segundo os ex-ministros, a votação do texto do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) nesta semana é prematura. "Não vemos, portanto, na proposta de mudanças do Código Florestal aprovada pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados em junho de 2010, nem nas versões posteriormente circuladas, coerência com nosso processo histórico, marcado por avanços na busca da consolidação do desenvolvimento sustentável. Ao contrário, se aprovada qualquer uma dessas versões, o país agirá na contramão de nossa história e em detrimento de nosso capital natural", dizem os ex-ministros na carta. Assinaram o texto: Marina Silva (PV), Carlos Minc (PT), Sarney Filho (PV), Rubens Ricupero (sem partido), José Carlos Carvalho (sem partido), Fernando Coutinho Jorge (PMDB), Paulo Nogueira Neto (sem partido), Henrique Brandão Cavalcanti (sem partido), Gustavo Krause (DEM), José Goldemberg (PMDB).
O documento traz um pedido de providências para que o texto de Rebelo seja aperfeiçoado. "O código deve ser atualizado para facilitar e viabilizar os necessários esforços de restauração e de uso das florestas, além que de sua conservação." Em entrevista, oito dos dez ex-ministros fizeram duras críticas ao relatório de Rebelo. Na avaliação deles, não há proteção dos pequenos proprietários nem dos agricultores familiares e ainda ocorre a flexibilização da lei para que haja mais desmatamento. "Esse código é perverso. Primeiro quer anistiar aqueles que estão em débito com o ambiente, principalmente os grandes proprietários, que estão conduzindo a negociação se escorando nos pequenos produtores. A questão da pequena propriedade está resolvida. Por outro lado, quer se flexibilizar a legislação para que haja mais desmatamento. Toda a discussão é permeada por essas duas grandes aspirações do agronegócio nocivo, que em detrimento dos direitos da sociedade querem garantir seus direitos individuais."
"Estamos fazendo mais uma lei para não ser cumprida. Por força da pressão de um segmento econômico forte", disse José Carlos Carvalho. Sem aval do Planalto, líderes da base e da oposição fecharam um acordo na semana passada para a votação do texto de Rebelo. Ficou definido que o PMDB apresentaria uma emenda permitindo a manutenção de atividades agrícolas em APPs (áreas de preservação permanente). O texto trará ainda a previsão para que os programas de regularização ambiental sejam feitos por Estados e também pela União. O Planalto não concorda com essa proposta e quer ter a prerrogativa exclusiva de regularizar as APPs por decreto. O governo também não concorda com a isenção da reserva legal para propriedades de até quatro módulos e com a anistia para os desmatadores.
O ex-ministro do Meio Ambiente Carlos Minc disse que a presidente Dilma se comprometeu a vetar a questão das APPs e da isenção dos quatros módulos quando era candidata ao Planalto no ano passado. "Não queremos que passe a motosserra no código, mas queremos mais tempo para entendimentos, para incorporar pontos importantes", comentou. A ex-ministra Marina Silva afirmou que só a expectativa em torno da análise do novo código gerou aumento significativo no desmatamento nos últimos meses: "Se o desmatamento já esta fora de controle só com a expectativa (da votação do texto), quando for aprovada, teremos uma situação de inteiro descontrole."
(Fonte: Folha de São Paulo)
Segundo os ex-ministros, a votação do texto do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) nesta semana é prematura. "Não vemos, portanto, na proposta de mudanças do Código Florestal aprovada pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados em junho de 2010, nem nas versões posteriormente circuladas, coerência com nosso processo histórico, marcado por avanços na busca da consolidação do desenvolvimento sustentável. Ao contrário, se aprovada qualquer uma dessas versões, o país agirá na contramão de nossa história e em detrimento de nosso capital natural", dizem os ex-ministros na carta. Assinaram o texto: Marina Silva (PV), Carlos Minc (PT), Sarney Filho (PV), Rubens Ricupero (sem partido), José Carlos Carvalho (sem partido), Fernando Coutinho Jorge (PMDB), Paulo Nogueira Neto (sem partido), Henrique Brandão Cavalcanti (sem partido), Gustavo Krause (DEM), José Goldemberg (PMDB).
O documento traz um pedido de providências para que o texto de Rebelo seja aperfeiçoado. "O código deve ser atualizado para facilitar e viabilizar os necessários esforços de restauração e de uso das florestas, além que de sua conservação." Em entrevista, oito dos dez ex-ministros fizeram duras críticas ao relatório de Rebelo. Na avaliação deles, não há proteção dos pequenos proprietários nem dos agricultores familiares e ainda ocorre a flexibilização da lei para que haja mais desmatamento. "Esse código é perverso. Primeiro quer anistiar aqueles que estão em débito com o ambiente, principalmente os grandes proprietários, que estão conduzindo a negociação se escorando nos pequenos produtores. A questão da pequena propriedade está resolvida. Por outro lado, quer se flexibilizar a legislação para que haja mais desmatamento. Toda a discussão é permeada por essas duas grandes aspirações do agronegócio nocivo, que em detrimento dos direitos da sociedade querem garantir seus direitos individuais."
"Estamos fazendo mais uma lei para não ser cumprida. Por força da pressão de um segmento econômico forte", disse José Carlos Carvalho. Sem aval do Planalto, líderes da base e da oposição fecharam um acordo na semana passada para a votação do texto de Rebelo. Ficou definido que o PMDB apresentaria uma emenda permitindo a manutenção de atividades agrícolas em APPs (áreas de preservação permanente). O texto trará ainda a previsão para que os programas de regularização ambiental sejam feitos por Estados e também pela União. O Planalto não concorda com essa proposta e quer ter a prerrogativa exclusiva de regularizar as APPs por decreto. O governo também não concorda com a isenção da reserva legal para propriedades de até quatro módulos e com a anistia para os desmatadores.
O ex-ministro do Meio Ambiente Carlos Minc disse que a presidente Dilma se comprometeu a vetar a questão das APPs e da isenção dos quatros módulos quando era candidata ao Planalto no ano passado. "Não queremos que passe a motosserra no código, mas queremos mais tempo para entendimentos, para incorporar pontos importantes", comentou. A ex-ministra Marina Silva afirmou que só a expectativa em torno da análise do novo código gerou aumento significativo no desmatamento nos últimos meses: "Se o desmatamento já esta fora de controle só com a expectativa (da votação do texto), quando for aprovada, teremos uma situação de inteiro descontrole."
(Fonte: Folha de São Paulo)
quarta-feira, 18 de maio de 2011
Ecologia e Ecoteologia
O mundo dá muitas voltas, e certas convicções de raiz retornam com novos matizes. A modernidade proclamou com orgulho a submissão da natureza ao ser humano. A filosofia segue o mesmo caminho, ao sustentar a centralidade do homem, com a autonomia da razão científica, filosófica e subjetiva. A sociedade urbano-industrial e o progresso ilimitado pareciam um sonho sem fim. O antropocentrismo é uma tendência irreversível a se consolidar em todo a orbe. Mas algo levou a questionar tal visão: a consciência planetária. Somos filhos da Terra e responsáveis pelo seu futuro. A contínua degradação do ecossistema, a crise da pretensão de totalidade da ciência, a crescente consciência do desenraizamento do ser humano em relação ao mundo natural e outros fatores criam condições favoráveis para a eclosão de vigoroso movimento ecológico no mundo inteiro.
A ecologia pode ser compreendida como ciência, ética e paradigma. As três dimensões se completam. Enquanto ciência, ecologia significa o estudo de como se inter-relacionam todos os seres que constituem a “comunidade de vida” em nosso planeta: os seres abióticos (água, ar, solo e energia do sol), os seres bióticos (microrganismos, plantas e animais) e o ser humano. Nascida da biologia, a ecologia ultrapassou seu campo inicial de conhecimento, ao propor estudar as relações, os contextos, e não somente determinados seres vivos em seu hábitat. Forja-se então a categoria “interdependência”: todos os seres estão em rede e as redes de matéria e energia são constitutivas na teia da vida.
A começar de seu objeto formal e do método, a ecologia postula a colaboração de muitos saberes. Somente se compreendem as relações na esfera da vida do planeta (biosfera) recorrendo simultaneamente a várias ciências, como biologia, física, química, geografia etc.... Fator semelhante acontece quando se estuda a ecologia humana, ao somar abordagens multidisciplinares da psicologia, da sociologia, da geografia humana, da economia, da história etc.
A abordagem científica da ecologia aproxima-se da teoria da complexidade de E. Morin, por reconhecer a incerteza e a incompletude como parte do conhecimento, que se mantém aberto para tecer novos fios e perceber relações ainda não compreendidas. A ecologia se liga também à holografia e a holística, enquanto percebe que em cada ser, biótico ou abiótico, há uma parte do cosmos, e que o todo é maior do que a soma das partes. A ecologia também se tornou um viés que influencia várias ciências teóricas e aplicadas, pois seu interesse se dirige à sustentabilidade, ou seja, a continuidade da vida no presente e no futuro do planeta. Daí surgem, por exemplo, a arquitetura e construção sustentáveis, a engenharia ambiental, o ecodesign na concepção de produtos, a gestão ambiental...
Ecologia, enquanto ética, diz respeito ao despertar da consciência (ecopercepção) e a empreender ações que tenham em vista a sustentabilidade. Inicia-se com a percepção de que a atual forma de o ser humano se relacionar com o ecossistema está equivocada e levará a humanidade e nossa “casa comum” a desastre sem precedentes. As mudanças climáticas fazem perceber, de forma inequívoca, que a atuação irresponsável do ser humano em relação ao ecossistema tem consequências graves e simultâneas, tais como alteração do ciclo das estações, perda da biodiversidade, contaminação (do solo, do ar e da água), perdas econômicas na agricultura, aumento de doenças respiratórias, custos econômicos não contabilizados e externalizados, etc.
A ética ecológica articula, de forma nova, a questão do indivíduo, do grupo, da instituição e das estruturas sociais e econômicas. Ela rejeita a exclusividade de fatores e a oposição entre subjetividade e coletividade. Propugna que a sociedade ecologicamente sustentável é possível quando se somam, de forma interdependente, atitudes individuais, ações familiares e coletivas, gestão institucional, adoção de políticas locais e nacionais, além de acordos internacionais em forma de protocolos vinculantes.
Assim, sustentabilidade postula também novo ethos humano e sociopolítico. Implica mudança de hábitos pessoais e comunitários de consumo e descarte. Interfere no processo de extração, produção, distribuição, consumo, descarte (ou reciclagem) dos bens e nos serviços a eles associados. Compreende por isso o triple botton line: econômico, social e ambiental. Transforma-se numa das grandes causas da humanidade, no presente e no futuro. Exige que o ser humano recubra o olhar de encantamento, percebendo que os outros seres não são “coisas”, que tome consciência de seu impacto sobre o planeta, da “pegada ecológica”, e assuma novas atitudes.
O paradigma ecológico, por sua vez, consiste na crítica e na superação do antropocentrismo moderno. O ser humano pode até se compreender como “centro consciente do universo conhecido”, mas ele nunca está sozinho. A espécie humana é fruto de longuíssimo processo de evolução da matéria. Somos filhos da Terra e parte da Terra. Por isso, a consciência planetária implica ética planetária: é preciso cuidar da Terra. Assim, ciência e ética se fundem, sem perder a especificidade, num modelo de compreensão do ser humano que se percebe como parte do meio ambiente e em contínua relação de interdependência com ele.
Qual a originalidade da ecoteologia, neste contexto? Brevemente:
— Trata-se de reflexão que resgata a unidade da experiência cristã e de sua formulação, apresentando em seu discurso a relação entre criação, história, encarnação, morte e ressurreição de Jesus, e o início da nova criação.
— Reelabora a teologia da criação na perspectiva da interdependência, mostrando que o ser humano, nos relatos bíblicos, é feito por Deus do barro da terra (consciência ecoplanetária), para cuidar do jardim, assim como para servir-se das outras criaturas, exercitando o senhorio como Deus é Senhor. Há relação estreita entre criação e salvação, e todos os seres estão nelas implicados.
— Explicita e fundamenta a ética do cuidado com o mundo, em ligação estreita com a moral social, ampliando sua abrangência.
— Propõe-se a superar a fragmentação das disciplinas teológicas e, na linha da teoria da complexidade, empenha-se no diálogo efetivo com as “ciências da natureza”.
— Estimula a espiritualidade ecológica, que associa no louvor e no serviço todos os seres à obra criadora, redentora e santificadora da Trindade.
— Estabelece teias de mútua aprendizagem com a teologia da libertação (dimensão social da fé), a teologia feminista, a teologia afro-ameríndia e a teologia das religiões.
A ecoteologia, que apenas se delineia no momento, contribui para superar visões equivocadas ou restritivas da relação do ser humano com o ambiente, assim como de sua própria autocompreensão. Ao se rebelar contra o racionalismo moderno e sua sede ilimitada de tudo explicar e esquadrinhar, o ser humano pode resvalar em posturas irracionais. Confunde-se reencantamento com ingenuidade ou espírito mágico. Exemplos palpáveis se encontram nos discursos de certos grupos religiosos sobre o sentido da doença, do mal, da injustiça social e do destino. Contrariamente ao orgulho antropocêntrico, que tudo submete ao ser humano, proliferam as crenças numa infinidade de determinismos cósmicos sobre o devir individual e coletivo. Além disso, a categoria “energia”, retirada da física quântica, seria uma panaceia que tudo justifica, sem nada explicar.
A holística pode servir à construção do cristianismo atualizado, coerente e cheio de vida; boa-nova para homens e mulheres desesperançados em busca de um fio condutor, sedentos por nova forma de enfocar a posição do ser humano em relação ao cosmos. O fato de comungar com nova mentalidade, compartilhada por grupos não cristãos ou pós-cristãos, não implica aceitação incondicional de todos os componentes. Existem na holística “sinais dos tempos” e sementes do Verbo que pedem reconhecimento e valorização. Há que evitar, no entanto, um pretenso neouniversalismo que a tudo dilui e relativiza, esvaziando o conteúdo da proposta de Jesus Cristo, a novidade radical do Evangelho. Diferentemente do panteísmo, que abole as fronteiras entre o humano e o divino, a ecoteologia propõe o panenteísmo. Compreende que todos os seres estão em Deus e para ele se destinam, pois foram criados pelo Pai, por meio da Palavra (o filho), no Espírito. Este sustenta, renova e leva à consumação a criação.
A ecoteologia tem diante de si duplo compromisso programático. O primeiro consiste em reenfocar temas e disciplinas teológicas, considerando a participação de todos os seres no projeto de redenção e a premência do compromisso ético com a “salvaguarda da criação”. O segundo compreende a adoção de novo paradigma, bioantropocêntrico, que influencia a epistemologia teológica e propugna a unidade entre o conhecimento intelectual e o experiencial-místico.
A ecoteologia se encontra em situação semelhante àquela vivida, faz alguns anos, pela teologia da libertação, quando adotou conceitos e categorias novos, e deve testar a pertinência, a legitimidade e a adequação deles. A dessemelhança reside no acento: não somente na práxis transformadora de cunho social, mas na também na postura ética e na mística que animam a existência humana na relação com a biosfera. Enquanto prática libertadora, a ecoteologia e sua vertente ética ampliam a percepção da prática libertadora, estimulando o compromisso socioambiental dos cristãos.
Em suma, a ecoteologia contribui para ressituar o ser humano à luz da fé cristã, no momento atual de crise global, e contribui para consolidar a consciência planetária: somos filhos da Terra e responsáveis por seu futuro.
Fonte: Afonso Murad, in Introdução a Teologia, Loyola, 2011, ed. revista e ampliada, cap.8.
A ecologia pode ser compreendida como ciência, ética e paradigma. As três dimensões se completam. Enquanto ciência, ecologia significa o estudo de como se inter-relacionam todos os seres que constituem a “comunidade de vida” em nosso planeta: os seres abióticos (água, ar, solo e energia do sol), os seres bióticos (microrganismos, plantas e animais) e o ser humano. Nascida da biologia, a ecologia ultrapassou seu campo inicial de conhecimento, ao propor estudar as relações, os contextos, e não somente determinados seres vivos em seu hábitat. Forja-se então a categoria “interdependência”: todos os seres estão em rede e as redes de matéria e energia são constitutivas na teia da vida.
A começar de seu objeto formal e do método, a ecologia postula a colaboração de muitos saberes. Somente se compreendem as relações na esfera da vida do planeta (biosfera) recorrendo simultaneamente a várias ciências, como biologia, física, química, geografia etc.... Fator semelhante acontece quando se estuda a ecologia humana, ao somar abordagens multidisciplinares da psicologia, da sociologia, da geografia humana, da economia, da história etc.
A abordagem científica da ecologia aproxima-se da teoria da complexidade de E. Morin, por reconhecer a incerteza e a incompletude como parte do conhecimento, que se mantém aberto para tecer novos fios e perceber relações ainda não compreendidas. A ecologia se liga também à holografia e a holística, enquanto percebe que em cada ser, biótico ou abiótico, há uma parte do cosmos, e que o todo é maior do que a soma das partes. A ecologia também se tornou um viés que influencia várias ciências teóricas e aplicadas, pois seu interesse se dirige à sustentabilidade, ou seja, a continuidade da vida no presente e no futuro do planeta. Daí surgem, por exemplo, a arquitetura e construção sustentáveis, a engenharia ambiental, o ecodesign na concepção de produtos, a gestão ambiental...
Ecologia, enquanto ética, diz respeito ao despertar da consciência (ecopercepção) e a empreender ações que tenham em vista a sustentabilidade. Inicia-se com a percepção de que a atual forma de o ser humano se relacionar com o ecossistema está equivocada e levará a humanidade e nossa “casa comum” a desastre sem precedentes. As mudanças climáticas fazem perceber, de forma inequívoca, que a atuação irresponsável do ser humano em relação ao ecossistema tem consequências graves e simultâneas, tais como alteração do ciclo das estações, perda da biodiversidade, contaminação (do solo, do ar e da água), perdas econômicas na agricultura, aumento de doenças respiratórias, custos econômicos não contabilizados e externalizados, etc.
A ética ecológica articula, de forma nova, a questão do indivíduo, do grupo, da instituição e das estruturas sociais e econômicas. Ela rejeita a exclusividade de fatores e a oposição entre subjetividade e coletividade. Propugna que a sociedade ecologicamente sustentável é possível quando se somam, de forma interdependente, atitudes individuais, ações familiares e coletivas, gestão institucional, adoção de políticas locais e nacionais, além de acordos internacionais em forma de protocolos vinculantes.
Assim, sustentabilidade postula também novo ethos humano e sociopolítico. Implica mudança de hábitos pessoais e comunitários de consumo e descarte. Interfere no processo de extração, produção, distribuição, consumo, descarte (ou reciclagem) dos bens e nos serviços a eles associados. Compreende por isso o triple botton line: econômico, social e ambiental. Transforma-se numa das grandes causas da humanidade, no presente e no futuro. Exige que o ser humano recubra o olhar de encantamento, percebendo que os outros seres não são “coisas”, que tome consciência de seu impacto sobre o planeta, da “pegada ecológica”, e assuma novas atitudes.
O paradigma ecológico, por sua vez, consiste na crítica e na superação do antropocentrismo moderno. O ser humano pode até se compreender como “centro consciente do universo conhecido”, mas ele nunca está sozinho. A espécie humana é fruto de longuíssimo processo de evolução da matéria. Somos filhos da Terra e parte da Terra. Por isso, a consciência planetária implica ética planetária: é preciso cuidar da Terra. Assim, ciência e ética se fundem, sem perder a especificidade, num modelo de compreensão do ser humano que se percebe como parte do meio ambiente e em contínua relação de interdependência com ele.
Qual a originalidade da ecoteologia, neste contexto? Brevemente:
— Trata-se de reflexão que resgata a unidade da experiência cristã e de sua formulação, apresentando em seu discurso a relação entre criação, história, encarnação, morte e ressurreição de Jesus, e o início da nova criação.
— Reelabora a teologia da criação na perspectiva da interdependência, mostrando que o ser humano, nos relatos bíblicos, é feito por Deus do barro da terra (consciência ecoplanetária), para cuidar do jardim, assim como para servir-se das outras criaturas, exercitando o senhorio como Deus é Senhor. Há relação estreita entre criação e salvação, e todos os seres estão nelas implicados.
— Explicita e fundamenta a ética do cuidado com o mundo, em ligação estreita com a moral social, ampliando sua abrangência.
— Propõe-se a superar a fragmentação das disciplinas teológicas e, na linha da teoria da complexidade, empenha-se no diálogo efetivo com as “ciências da natureza”.
— Estimula a espiritualidade ecológica, que associa no louvor e no serviço todos os seres à obra criadora, redentora e santificadora da Trindade.
— Estabelece teias de mútua aprendizagem com a teologia da libertação (dimensão social da fé), a teologia feminista, a teologia afro-ameríndia e a teologia das religiões.
A ecoteologia, que apenas se delineia no momento, contribui para superar visões equivocadas ou restritivas da relação do ser humano com o ambiente, assim como de sua própria autocompreensão. Ao se rebelar contra o racionalismo moderno e sua sede ilimitada de tudo explicar e esquadrinhar, o ser humano pode resvalar em posturas irracionais. Confunde-se reencantamento com ingenuidade ou espírito mágico. Exemplos palpáveis se encontram nos discursos de certos grupos religiosos sobre o sentido da doença, do mal, da injustiça social e do destino. Contrariamente ao orgulho antropocêntrico, que tudo submete ao ser humano, proliferam as crenças numa infinidade de determinismos cósmicos sobre o devir individual e coletivo. Além disso, a categoria “energia”, retirada da física quântica, seria uma panaceia que tudo justifica, sem nada explicar.
A holística pode servir à construção do cristianismo atualizado, coerente e cheio de vida; boa-nova para homens e mulheres desesperançados em busca de um fio condutor, sedentos por nova forma de enfocar a posição do ser humano em relação ao cosmos. O fato de comungar com nova mentalidade, compartilhada por grupos não cristãos ou pós-cristãos, não implica aceitação incondicional de todos os componentes. Existem na holística “sinais dos tempos” e sementes do Verbo que pedem reconhecimento e valorização. Há que evitar, no entanto, um pretenso neouniversalismo que a tudo dilui e relativiza, esvaziando o conteúdo da proposta de Jesus Cristo, a novidade radical do Evangelho. Diferentemente do panteísmo, que abole as fronteiras entre o humano e o divino, a ecoteologia propõe o panenteísmo. Compreende que todos os seres estão em Deus e para ele se destinam, pois foram criados pelo Pai, por meio da Palavra (o filho), no Espírito. Este sustenta, renova e leva à consumação a criação.
A ecoteologia tem diante de si duplo compromisso programático. O primeiro consiste em reenfocar temas e disciplinas teológicas, considerando a participação de todos os seres no projeto de redenção e a premência do compromisso ético com a “salvaguarda da criação”. O segundo compreende a adoção de novo paradigma, bioantropocêntrico, que influencia a epistemologia teológica e propugna a unidade entre o conhecimento intelectual e o experiencial-místico.
A ecoteologia se encontra em situação semelhante àquela vivida, faz alguns anos, pela teologia da libertação, quando adotou conceitos e categorias novos, e deve testar a pertinência, a legitimidade e a adequação deles. A dessemelhança reside no acento: não somente na práxis transformadora de cunho social, mas na também na postura ética e na mística que animam a existência humana na relação com a biosfera. Enquanto prática libertadora, a ecoteologia e sua vertente ética ampliam a percepção da prática libertadora, estimulando o compromisso socioambiental dos cristãos.
Em suma, a ecoteologia contribui para ressituar o ser humano à luz da fé cristã, no momento atual de crise global, e contribui para consolidar a consciência planetária: somos filhos da Terra e responsáveis por seu futuro.
Fonte: Afonso Murad, in Introdução a Teologia, Loyola, 2011, ed. revista e ampliada, cap.8.
domingo, 1 de maio de 2011
Mais tempo para as florestas
Partilho com você o texto da Marina Silva veiculado hoje, na Folha de São Paulo.
Mais tempo para as florestas
É extremamente preocupante a forma como está sendo conduzido o debate em torno da atualização da principal lei que protege nossas florestas e nossa biodiversidade: o Código Florestal.
O que tem pautado a ação dos que querem modificar a legislação às pressas parece limitar-se ao interesse imediato, que não leva em conta questões estratégicas, quando sabemos que essa discussão diz respeito à vida de todos nós: as florestas prestam um serviço inestimável de proteção, regulação climática e hídrica, essencial para nossa economia e para a produção agrícola e de energia.
As perdas florestais avançam assustadoramente em todo o mundo, inclusive no Brasil. Já perdemos 93% da mata atlântica, quase metade do cerrado e da caatinga e quase 20% da Amazônia. Ao mesmo tempo, temos mais de 60 milhões de hectares de terras agrícolas que foram degradadas e estão abandonadas, como resultado de um modelo agrícola que precisa mudar.
O cerne das mudanças deve ser o de melhorar a proteção das florestas que nos restam, de criar políticas de incentivo que promovam o desenvolvimento do setor agrícola e florestal, gerando emprego e renda em uma escala muito maior.
Deve ser o de discutir os ajustes necessários para que os produtores rurais possam superar os passivos ambientais e para que nossa agricultura dê um salto de qualidade e produtividade, com sustentabilidade. É a nossa riqueza natural que nos permite ser um dos campeões mundiais de produção agrícola.
Não usar com sabedoria esses recursos é matar a galinha dos ovos de ouro. Quando discutimos o destino das florestas, estamos projetando o Brasil que queremos. Estamos definindo o papel que o país terá no mundo, o tipo de economia e qualidade ambiental que teremos.
Por isso, é absurdo opor produtores rurais e ambientalistas, produção agrícola e meio ambiente.
Mas o absurdo existe e considero que é na política que está o nosso maior problema. É na qualidade do debate e na forma como ele está sendo conduzido na Câmara dos Deputados. Eivado de preconceitos e falsas alegações de que quem defende as florestas estaria a serviço de interesses internacionais, ou, pior, de que a preservação implicaria a diminuição da produção de alimentos e que, com isso, haveria aumento de preços.
Isso nos faz lembrar dos momentos que antecederam a abolição da escravatura no país, quando parte dos produtores rurais bradava que sem os escravos o Brasil rural estaria falido e não haveria quem produzisse comida para nossas mesas.
Por isso, proponho que o Executivo assuma o protagonismo dessa discussão, empenhando-se em construir uma proposta bem estruturada, que atenda aos interesses de toda a sociedade, considerando o que dizem os cientistas brasileiros, com o fortalecimento da governança pública e a criação dos incentivos para o cumprimento da legislação ambiental.
Proponho que a presidente Dilma faça um chamamento à classe política e à nação para que, nos próximos meses, discutamos uma política nacional para a gestão sustentável de nossas florestas e de nossos recursos naturais.
Para tanto, poderíamos adiar o prazo de averbação da reserva legal, previsto para 11 de junho, de forma que tenhamos um ambiente menos tensionado para o diálogo.
Cabe ao governo a responsabilidade de colocar o país no caminho da sustentabilidade e impedir o desmonte da legislação ambiental.
Nos últimos 16 anos, atravessamos dois governos com muitas tentativas de mudanças na legislação.
Nesse período, a sociedade impediu que houvesse um retrocesso.
Agora, cabe a uma mulher a tarefa de promover o encontro e a mediação para a superação do impasse, para a construção de um caminho que integre e projete um futuro melhor para todos.
MARINA SILVA, professora de história, foi candidata à Presidência da República pelo PV em 2010, ministra do Meio Ambiente (2003-2008) e senadora pelo Acre (1995-2011). Site: http://www.minhamarina.org.br/.
Mais tempo para as florestas
É extremamente preocupante a forma como está sendo conduzido o debate em torno da atualização da principal lei que protege nossas florestas e nossa biodiversidade: o Código Florestal.
O que tem pautado a ação dos que querem modificar a legislação às pressas parece limitar-se ao interesse imediato, que não leva em conta questões estratégicas, quando sabemos que essa discussão diz respeito à vida de todos nós: as florestas prestam um serviço inestimável de proteção, regulação climática e hídrica, essencial para nossa economia e para a produção agrícola e de energia.
As perdas florestais avançam assustadoramente em todo o mundo, inclusive no Brasil. Já perdemos 93% da mata atlântica, quase metade do cerrado e da caatinga e quase 20% da Amazônia. Ao mesmo tempo, temos mais de 60 milhões de hectares de terras agrícolas que foram degradadas e estão abandonadas, como resultado de um modelo agrícola que precisa mudar.
O cerne das mudanças deve ser o de melhorar a proteção das florestas que nos restam, de criar políticas de incentivo que promovam o desenvolvimento do setor agrícola e florestal, gerando emprego e renda em uma escala muito maior.
Deve ser o de discutir os ajustes necessários para que os produtores rurais possam superar os passivos ambientais e para que nossa agricultura dê um salto de qualidade e produtividade, com sustentabilidade. É a nossa riqueza natural que nos permite ser um dos campeões mundiais de produção agrícola.
Não usar com sabedoria esses recursos é matar a galinha dos ovos de ouro. Quando discutimos o destino das florestas, estamos projetando o Brasil que queremos. Estamos definindo o papel que o país terá no mundo, o tipo de economia e qualidade ambiental que teremos.
Por isso, é absurdo opor produtores rurais e ambientalistas, produção agrícola e meio ambiente.
Mas o absurdo existe e considero que é na política que está o nosso maior problema. É na qualidade do debate e na forma como ele está sendo conduzido na Câmara dos Deputados. Eivado de preconceitos e falsas alegações de que quem defende as florestas estaria a serviço de interesses internacionais, ou, pior, de que a preservação implicaria a diminuição da produção de alimentos e que, com isso, haveria aumento de preços.
Isso nos faz lembrar dos momentos que antecederam a abolição da escravatura no país, quando parte dos produtores rurais bradava que sem os escravos o Brasil rural estaria falido e não haveria quem produzisse comida para nossas mesas.
Por isso, proponho que o Executivo assuma o protagonismo dessa discussão, empenhando-se em construir uma proposta bem estruturada, que atenda aos interesses de toda a sociedade, considerando o que dizem os cientistas brasileiros, com o fortalecimento da governança pública e a criação dos incentivos para o cumprimento da legislação ambiental.
Proponho que a presidente Dilma faça um chamamento à classe política e à nação para que, nos próximos meses, discutamos uma política nacional para a gestão sustentável de nossas florestas e de nossos recursos naturais.
Para tanto, poderíamos adiar o prazo de averbação da reserva legal, previsto para 11 de junho, de forma que tenhamos um ambiente menos tensionado para o diálogo.
Cabe ao governo a responsabilidade de colocar o país no caminho da sustentabilidade e impedir o desmonte da legislação ambiental.
Nos últimos 16 anos, atravessamos dois governos com muitas tentativas de mudanças na legislação.
Nesse período, a sociedade impediu que houvesse um retrocesso.
Agora, cabe a uma mulher a tarefa de promover o encontro e a mediação para a superação do impasse, para a construção de um caminho que integre e projete um futuro melhor para todos.
MARINA SILVA, professora de história, foi candidata à Presidência da República pelo PV em 2010, ministra do Meio Ambiente (2003-2008) e senadora pelo Acre (1995-2011). Site: http://www.minhamarina.org.br/.
sexta-feira, 22 de abril de 2011
Duelo entre a vida e a morte
Leonardo Boff
Num dos mais belos hinos da liturgia cristã da Páscoa, que nos vem do século XIII, se canta que “a vida e a morte travaram um duelo; o Senhor da vida foi morto mas eis que agora reina vivo”. É o sentido cristão da Páscoa: a inversão dos termos do embate. O que parecia derrota era, na verdade, uma estratégia para vencer o vencedor, quer dizer a morte. Por isso, a grama não cresceu sobre a sepultura de Jesus. Ressuscitado, garantiu a supremacia da vida.
A mensagem vem do campo religioso que se inscreve no humano mais profundo, mas seu significado não se restringe a ele. Ganha uma relevância universal, especialmente, nos dias atuais, em que se trava física e realmente um duelo entre a vida e a morte. Esse duelo se realiza em todas as frentes e tem como campo de batalha o planeta inteiro, envolvendo toda a comunidade de vida e toda a humanidade.
Isso ocorre porque, tardiamente, nos estamos dando conta de que o estilo de vida que escolhemos nos últimos séculos, implica uma verdadeira guerra total contra a Terra. No afã de buscar riqueza, aumentar o consumo indiscriminado (63% do PIB norte-americano é constituido pelo consumo que se transformou numa real cultura consumista) estão sendo pilhados todos os recursos e serviços possíveis da Mãe Terra.
Nos últimos tempos, cresceu a consciência coletiva de que se está travando um verdadeiro duelo entre os mecanismo naturais da vida e os mecanismos artificiais de morte deslanchados por nosso sistema de habitar, produzir, consumir e tratar os dejetos. As primeiras vítimas desta guerra total são os próprios seres humanos. Grande parte vive com insuficiência de meios de vida, favelizada e superexplorada em sua força de trabalho. O que de sofrimento, frustração e humilhação ai se esconde é inenarrável. Vivemos tempos de nova barbárie, denunciada por vários pensadores mundiais, como recentemente por Tsvetan Todorov em seu livro O medo dos bárbaros (2008). Estas realidades que realmente contam porque nos fazem humanos ou cruéis, não entram nos cáculos dos lucros de nenhuma empresa e não são considerados pelo PIB dos paises, à exceção do Butão que estabeleceu o Indice de Felicidade Interna de seu povo. As outras vítimas são todos os ecossstemas, a biodiversidade e o planeta Terra como um todo.
Recentemente, o prêmio Nobel em economia, Paul Krugmann, revelava que 400 famílias norte-americanas detinham sozinhas mais renda que 46% da população trabalhadora estadounidense. Esta riqueza não cái do céu. É feita através de estratégias de acumulação que incluem trapaças, superespeculação financeira e roubo puro e simples do fruto do trabalho de milhões.
Para o sistema vigente e devemos dizê-lo com todas as letras, a acumulação ilimitada de ganhos é tida como inteligência, a rapinagem de recursos públicos e naturais como destreza, a fraude como habilidade, a corrupção como sagacidade e a exploração desenfreada como sabedoria gerencial. É o triunfo da morte. Será que nesse duelo ela levará a melhor?
O que podemos dizer com toda a certeza que nessa guerra não temos nenhuma chance de ganhar da Terra. Ela existiu sem nós e pode continuar sem nós. Nós sim precisamos dela. O sistema dentro do qual vivemos é de uma espantosa irracionalidade, própria de seres realmente dementes.
Analistas da pegada ecológica global da Terra, devido à conjunção das muitas crises existentes, nos advertem que poderemos conhecer, para tempos não muito distantes, tragédias ecológico-humanitárias de extrema gravidade.
É neste contexto sombrio que cabe atualizar e escutar a mensagem da Páscoa. Possivelmente não escaparemos de uma dolorosa sexta-feira santa. Mas depois virá a ressurreição. A Terra e a Humanidade ainda viverão.
Num dos mais belos hinos da liturgia cristã da Páscoa, que nos vem do século XIII, se canta que “a vida e a morte travaram um duelo; o Senhor da vida foi morto mas eis que agora reina vivo”. É o sentido cristão da Páscoa: a inversão dos termos do embate. O que parecia derrota era, na verdade, uma estratégia para vencer o vencedor, quer dizer a morte. Por isso, a grama não cresceu sobre a sepultura de Jesus. Ressuscitado, garantiu a supremacia da vida.
A mensagem vem do campo religioso que se inscreve no humano mais profundo, mas seu significado não se restringe a ele. Ganha uma relevância universal, especialmente, nos dias atuais, em que se trava física e realmente um duelo entre a vida e a morte. Esse duelo se realiza em todas as frentes e tem como campo de batalha o planeta inteiro, envolvendo toda a comunidade de vida e toda a humanidade.
Isso ocorre porque, tardiamente, nos estamos dando conta de que o estilo de vida que escolhemos nos últimos séculos, implica uma verdadeira guerra total contra a Terra. No afã de buscar riqueza, aumentar o consumo indiscriminado (63% do PIB norte-americano é constituido pelo consumo que se transformou numa real cultura consumista) estão sendo pilhados todos os recursos e serviços possíveis da Mãe Terra.
Nos últimos tempos, cresceu a consciência coletiva de que se está travando um verdadeiro duelo entre os mecanismo naturais da vida e os mecanismos artificiais de morte deslanchados por nosso sistema de habitar, produzir, consumir e tratar os dejetos. As primeiras vítimas desta guerra total são os próprios seres humanos. Grande parte vive com insuficiência de meios de vida, favelizada e superexplorada em sua força de trabalho. O que de sofrimento, frustração e humilhação ai se esconde é inenarrável. Vivemos tempos de nova barbárie, denunciada por vários pensadores mundiais, como recentemente por Tsvetan Todorov em seu livro O medo dos bárbaros (2008). Estas realidades que realmente contam porque nos fazem humanos ou cruéis, não entram nos cáculos dos lucros de nenhuma empresa e não são considerados pelo PIB dos paises, à exceção do Butão que estabeleceu o Indice de Felicidade Interna de seu povo. As outras vítimas são todos os ecossstemas, a biodiversidade e o planeta Terra como um todo.
Recentemente, o prêmio Nobel em economia, Paul Krugmann, revelava que 400 famílias norte-americanas detinham sozinhas mais renda que 46% da população trabalhadora estadounidense. Esta riqueza não cái do céu. É feita através de estratégias de acumulação que incluem trapaças, superespeculação financeira e roubo puro e simples do fruto do trabalho de milhões.
Para o sistema vigente e devemos dizê-lo com todas as letras, a acumulação ilimitada de ganhos é tida como inteligência, a rapinagem de recursos públicos e naturais como destreza, a fraude como habilidade, a corrupção como sagacidade e a exploração desenfreada como sabedoria gerencial. É o triunfo da morte. Será que nesse duelo ela levará a melhor?
O que podemos dizer com toda a certeza que nessa guerra não temos nenhuma chance de ganhar da Terra. Ela existiu sem nós e pode continuar sem nós. Nós sim precisamos dela. O sistema dentro do qual vivemos é de uma espantosa irracionalidade, própria de seres realmente dementes.
Analistas da pegada ecológica global da Terra, devido à conjunção das muitas crises existentes, nos advertem que poderemos conhecer, para tempos não muito distantes, tragédias ecológico-humanitárias de extrema gravidade.
É neste contexto sombrio que cabe atualizar e escutar a mensagem da Páscoa. Possivelmente não escaparemos de uma dolorosa sexta-feira santa. Mas depois virá a ressurreição. A Terra e a Humanidade ainda viverão.
quarta-feira, 6 de abril de 2011
Declaração sobre o desastre nuclear Japonês
A Organização Internacional "World Future Council", que reúne importantes personalidades do mundo, comprometidas com a causa sócioambiental, publicou o documento abaixo sobre o Desastre Ambiental na usina nuclear do Japão . Entre os signatários está Dom Erwin, bispo do Xingu. Leia e divulgue.
Apresentamos nossos mais profundos sentimentos ao povo do Japão, que tem sofrido com o devastador terremoto e tsunami seguido por graves danos à Usina Nuclear Fukushima Daiichi. Parabenizamos os corajosos homens e mulheres que estão arriscando suas vidas para impedir a fuga de quantidades maciças de radiação dos reatores nucleares e dos depósitos de combustível usado em Fukushima Daiichi.
O desastre no Japão demonstrou mais uma vez os limites da capacidade humana de manter tecnologias perigosas, livres de acidentes com resultados catastróficos. Os desastres naturais combinados com os erros humanos têm demonstrado uma força potente para minar até mesmo os melhores planos. Confiança na perfeição humana reflete uma arrogância que tem levado a outras grandes falhas de tecnologias perigosas no passado, e que também o fará no futuro. O que tem ocorrido como resultado da confluência de desastres naturais e erros humanos no Japão, também pode ser provocado intencionalmente com objetivos terroristas ou em atos de guerra.
Além da destruição, acidental ou proposital, as usinas nucleares representam outras ameaças para a humanidade e para o futuro humano. As grandes quantidades de resíduos radioativos que são criados pela geração de energia nuclear continuarão altamente tóxicos por muito mais tempo do que a civilização humana existe. E não há, atualmente, nenhuma solução de longo prazo para lidar com as ameaças que estes resíduos radioativos representam para o meio-ambiente e a saúde humana. Além disso, as usinas nucleares, que recebem grandes subsídios pagos pela sociedade, têm desviado recursos financeiros e humanos do desenvolvimento de formas seguras e confiáveis de energia renovável.
Programas de energia nuclear usam e criam material físsil que pode ser usado para fabricar armas nucleares e, assim, proporcionar uma via comprovada de proliferação de armas nucleares. Vários países já utilizaram programas nucleares civis para fornecer o material físsil para fabricar armas nucleares. Outros países, particularmente aqueles que contam com a possibilidade de reprocessar plutônio ou enriquecer urânio, poderiam facilmente seguir o mesmo caminho, caso assim decidissem. A disseminação de usinas nucleares não só irá tornar o mundo mais perigoso, mas tornará mais difícil, senão impossível, realizar a meta de um mundo livre de armas nucleares.
A energia nuclear não é a resposta aos problemas energéticos modernos, nem uma panacéia para os desafios da mudança climática. Não se pode pretender solucionar problemas criando outros. A energia nuclear não é viável economicamente, nem ambientalmente nem socialmente. De todas as opções de geração de energia, a energia nuclear é a que precisa de mais capital para ser produzida, desmantelar usinas é proibitivamente caro e o ônus financeiro continua por muito tempo depois que a usina foi fechada.
A tragédia no Japão aumentou a conscientização mundial sobre os gravíssimos perigos que podem resultar da geração de energia nuclear. Mesmo sendo tão graves, esses perigos não são tão grandes como os que decorrem da posse, ameaça e uso de armas nucleares - armas que têm a capacidade de destruir a civilização e terminar a vida no planeta.
A conclusão que tiramos do acidente da usina nuclear no Japão é que a comunidade humana, agindo por si mesma e com responsabilidade quanto às futuras gerações, deve ser extremamente cuidadosa em um nível muito mais elevado, mundialmente, para lidar com tecnologias capazes de provocar destruição em massa, e deve interromper gradativamente, abolir e substituir o uso dessas tecnologias com alternativas que não ameacem as gerações atuais e futuras. Isso se aplica tanto às armas nucleares como às usinas nucleares.
Apresentamos nossos mais profundos sentimentos ao povo do Japão, que tem sofrido com o devastador terremoto e tsunami seguido por graves danos à Usina Nuclear Fukushima Daiichi. Parabenizamos os corajosos homens e mulheres que estão arriscando suas vidas para impedir a fuga de quantidades maciças de radiação dos reatores nucleares e dos depósitos de combustível usado em Fukushima Daiichi.
O desastre no Japão demonstrou mais uma vez os limites da capacidade humana de manter tecnologias perigosas, livres de acidentes com resultados catastróficos. Os desastres naturais combinados com os erros humanos têm demonstrado uma força potente para minar até mesmo os melhores planos. Confiança na perfeição humana reflete uma arrogância que tem levado a outras grandes falhas de tecnologias perigosas no passado, e que também o fará no futuro. O que tem ocorrido como resultado da confluência de desastres naturais e erros humanos no Japão, também pode ser provocado intencionalmente com objetivos terroristas ou em atos de guerra.
Além da destruição, acidental ou proposital, as usinas nucleares representam outras ameaças para a humanidade e para o futuro humano. As grandes quantidades de resíduos radioativos que são criados pela geração de energia nuclear continuarão altamente tóxicos por muito mais tempo do que a civilização humana existe. E não há, atualmente, nenhuma solução de longo prazo para lidar com as ameaças que estes resíduos radioativos representam para o meio-ambiente e a saúde humana. Além disso, as usinas nucleares, que recebem grandes subsídios pagos pela sociedade, têm desviado recursos financeiros e humanos do desenvolvimento de formas seguras e confiáveis de energia renovável.
Programas de energia nuclear usam e criam material físsil que pode ser usado para fabricar armas nucleares e, assim, proporcionar uma via comprovada de proliferação de armas nucleares. Vários países já utilizaram programas nucleares civis para fornecer o material físsil para fabricar armas nucleares. Outros países, particularmente aqueles que contam com a possibilidade de reprocessar plutônio ou enriquecer urânio, poderiam facilmente seguir o mesmo caminho, caso assim decidissem. A disseminação de usinas nucleares não só irá tornar o mundo mais perigoso, mas tornará mais difícil, senão impossível, realizar a meta de um mundo livre de armas nucleares.
A energia nuclear não é a resposta aos problemas energéticos modernos, nem uma panacéia para os desafios da mudança climática. Não se pode pretender solucionar problemas criando outros. A energia nuclear não é viável economicamente, nem ambientalmente nem socialmente. De todas as opções de geração de energia, a energia nuclear é a que precisa de mais capital para ser produzida, desmantelar usinas é proibitivamente caro e o ônus financeiro continua por muito tempo depois que a usina foi fechada.
A tragédia no Japão aumentou a conscientização mundial sobre os gravíssimos perigos que podem resultar da geração de energia nuclear. Mesmo sendo tão graves, esses perigos não são tão grandes como os que decorrem da posse, ameaça e uso de armas nucleares - armas que têm a capacidade de destruir a civilização e terminar a vida no planeta.
A conclusão que tiramos do acidente da usina nuclear no Japão é que a comunidade humana, agindo por si mesma e com responsabilidade quanto às futuras gerações, deve ser extremamente cuidadosa em um nível muito mais elevado, mundialmente, para lidar com tecnologias capazes de provocar destruição em massa, e deve interromper gradativamente, abolir e substituir o uso dessas tecnologias com alternativas que não ameacem as gerações atuais e futuras. Isso se aplica tanto às armas nucleares como às usinas nucleares.
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