terça-feira, 22 de novembro de 2016

Francisco no 3º Encontro Mundial dos Mov. Sociais (2)

(Parte 2: Os muros e o medo)
A germinação pela justiça, que é lenta, que tem seus tempos como toda gestação, é ameaçada pela velocidade de um mecanismo destrutivo que opera no sentido contrário. Há forças poderosas que podem neutralizar este processo de maturação de uma mudança que seja capaz de substituir a primazia do dinheiro e colocar o ser humano novamente no centro das atenções. Esse “fio invisível” sobre o qual nós falamos na Bolívia, essa estrutura injusta que enlaça todas as exclusões que vocês sofrem, pode se endurecer e se transformar numa chibata, um látego existencial que, como no Egito do Antigo Testamento, escraviza, rouba a liberdade, açoita sem misericórdia a uns e ameaça constantemente a outros, para arriar a todos como gado na direção onde o dinheiro divinizado quer que sigamos.

Quem governa então? O dinheiro. Como governa? Com o chicote do medo, da iniquidade, da violência econômica, social, cultural e militar que engendra mais e mais violência, num espiral descendente que parece não acabar jamais. Quanta dor, quanto medo! Existe, como eu disse há pouco, um terrorismo de base que emana do controle global do dinheiro sobre a terra, e que atenta contra a humanidade inteira. Esse terrorismo básico alimenta os terrorismos derivados, como o narco terrorismo, o terrorismo de Estado e o que erroneamente alguns chamam de terrorismo étnico ou religioso. Nenhum povo, nenhuma religião é terrorista. É verdade que há pequenos grupos fundamentalistas em todos os lados, mas o terrorismo começa “quando se rejeita a maravilha da criação, o homem e a mulher, e se dá prioridade ao dinheiro”. Esse sistema é terrorista.

Há quase cem anos, Pio XI previa o crescimento de uma ditadura econômica mundial que ele chamou de “imperialismo internacional do dinheiro” – trecho da carta encíclica Quadragesimo Anno, de 15 de maio de 1931. O recinto em que estamos agora se chama Salão Paolo VI, e foi o Papa Paulo VI quem denunciou, há quase cinquenta anos, a “nova forma abusiva de ditadura econômica no campo social, cultural e inclusive político” – carta apostólica Octogesima Adveniens, de 14 de maio de 1971. São palavras duras, porém justas, escritas pelos meus antecessores, que antecipavam o futuro. A Igreja e os profetas disseram, há milênios, que tanto escandaliza ver um Papa repetir, nestes tempos em que tudo o que se diz alcança expressões inéditas. Toda a doutrina social da Igreja e o magistério de meus antecessores se rebelam contra o ídolo dinheiro que reina no lugar de servir, tiraniza e aterroriza a humanidade.

Nenhuma tirania se sustenta sem explorar nossos medos. Logo, toda tirania é terrorista. E quando esse terror, que se semeou nas periferias com massacres, saques, opressão e injustiça, e que explode nos centros com distintas formas de violência, inclusive com atentados odiosos e covardes, os cidadãos que ainda conservam alguns direitos são tentados com a falsa segurança dos muros físicos ou sociais. Muros que aprisionam a uns e exilam a outros. Cidadãos amuralhados, aterrorizados, de um lado, excluídos, desterrados, mais aterrorizados ainda do outro. Essa é a vida que o nosso Pai quer para os seus filhos?
Esse medo é alimentado, manipulado… Porque o medo, além de ser um bom negócio para os mercadores de armas e de morte, nos debilita, nos desequilibra, destrói nossas defesas psicológicas e espirituais, nos anestesia diante do sofrimento alheio e, ao final, nos torna cruéis. Quando escutamos que se festeja a morte de um jovem que talvez errou em seu caminho, quando vemos que se prefere a guerra ao invés da paz, quando vemos que se generaliza a xenofobia, quando constatamos que as propostas intolerantes ganham terreno, vemos que por trás dessa crueldade que parece que vai se massificando está o frio alento do medo. Peço a vocês que rezemos por todos os que têm medo, rezemos para que Deus lhes dê a coragem e que, neste ano da misericórdia possamos abrandar nossos corações. A misericórdia não é fácil, não é fácil… requer coragem. Por isso Jesus nos diz: “não tenham medo” (Mateus 14, 27), pois a misericórdia é o melhor antídoto contra o medo. É muito melhor que os antidepressivos e os ansiolíticos. Muito mais eficaz que os muros, as grades, os alarmes e as armas. E é grátis: é um dom de Deus.


Queridos irmãos e irmãs, todos os muros caem. Não nos deixemos enganar. Como disseram vocês mesmos: “sigamos trabalhando para construir pontes entre os povos, pontes que nos permitam derrubar os muros da exclusão e da exploração” (documento conclusivo do II Encontro Mundial dos Movimentos Populares, de 11 de julho de 2015, em Santa Cruz de la Sierra, Bolívia). Enfrentemos o terror com o amor.

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