A germinação pela justiça, que é lenta, que tem seus tempos
como toda gestação, é ameaçada pela velocidade de um mecanismo destrutivo que
opera no sentido contrário. Há forças poderosas que podem neutralizar este
processo de maturação de uma mudança que seja capaz de substituir a primazia do
dinheiro e colocar o ser humano novamente no centro das atenções. Esse “fio
invisível” sobre o qual nós falamos na Bolívia, essa estrutura injusta que
enlaça todas as exclusões que vocês sofrem, pode se endurecer e se transformar
numa chibata, um látego existencial que, como no Egito do Antigo Testamento,
escraviza, rouba a liberdade, açoita sem misericórdia a uns e ameaça
constantemente a outros, para arriar a todos como gado na direção onde o
dinheiro divinizado quer que sigamos.
Quem governa então? O dinheiro. Como governa? Com o chicote
do medo, da iniquidade, da violência econômica, social, cultural e militar que
engendra mais e mais violência, num espiral descendente que parece não acabar
jamais. Quanta dor, quanto medo! Existe, como eu disse há pouco, um terrorismo
de base que emana do controle global do dinheiro sobre a terra, e que atenta
contra a humanidade inteira. Esse terrorismo básico alimenta os terrorismos
derivados, como o narco terrorismo, o terrorismo de Estado e o que erroneamente
alguns chamam de terrorismo étnico ou religioso. Nenhum povo, nenhuma religião
é terrorista. É verdade que há pequenos grupos fundamentalistas em todos os
lados, mas o terrorismo começa “quando se rejeita a maravilha da criação, o
homem e a mulher, e se dá prioridade ao dinheiro”. Esse sistema é terrorista.
Há quase cem anos, Pio XI previa o crescimento de uma
ditadura econômica mundial que ele chamou de “imperialismo internacional do
dinheiro” – trecho da carta encíclica Quadragesimo Anno, de 15 de maio de 1931.
O recinto em que estamos agora se chama Salão Paolo VI, e foi o Papa Paulo VI
quem denunciou, há quase cinquenta anos, a “nova forma abusiva de ditadura
econômica no campo social, cultural e inclusive político” – carta apostólica Octogesima
Adveniens, de 14 de maio de 1971. São palavras duras, porém justas, escritas
pelos meus antecessores, que antecipavam o futuro. A Igreja e os profetas
disseram, há milênios, que tanto escandaliza ver um Papa repetir, nestes tempos
em que tudo o que se diz alcança expressões inéditas. Toda a doutrina social da
Igreja e o magistério de meus antecessores se rebelam contra o ídolo dinheiro
que reina no lugar de servir, tiraniza e aterroriza a humanidade.
Nenhuma tirania se sustenta sem explorar nossos medos. Logo,
toda tirania é terrorista. E quando esse terror, que se semeou nas periferias
com massacres, saques, opressão e injustiça, e que explode nos centros com
distintas formas de violência, inclusive com atentados odiosos e covardes, os
cidadãos que ainda conservam alguns direitos são tentados com a falsa segurança
dos muros físicos ou sociais. Muros que aprisionam a uns e exilam a outros.
Cidadãos amuralhados, aterrorizados, de um lado, excluídos, desterrados, mais
aterrorizados ainda do outro. Essa é a vida que o nosso Pai quer para os seus
filhos?
Esse medo é alimentado, manipulado… Porque o medo, além de
ser um bom negócio para os mercadores de armas e de morte, nos debilita, nos
desequilibra, destrói nossas defesas psicológicas e espirituais, nos anestesia
diante do sofrimento alheio e, ao final, nos torna cruéis. Quando escutamos que
se festeja a morte de um jovem que talvez errou em seu caminho, quando vemos
que se prefere a guerra ao invés da paz, quando vemos que se generaliza a
xenofobia, quando constatamos que as propostas intolerantes ganham terreno,
vemos que por trás dessa crueldade que parece que vai se massificando está o
frio alento do medo. Peço a vocês que rezemos por todos os que têm medo,
rezemos para que Deus lhes dê a coragem e que, neste ano da misericórdia
possamos abrandar nossos corações. A misericórdia não é fácil, não é fácil…
requer coragem. Por isso Jesus nos diz: “não tenham medo” (Mateus 14, 27), pois
a misericórdia é o melhor antídoto contra o medo. É muito melhor que os
antidepressivos e os ansiolíticos. Muito mais eficaz que os muros, as grades,
os alarmes e as armas. E é grátis: é um dom de Deus.
Queridos irmãos e irmãs, todos os muros caem. Não nos
deixemos enganar. Como disseram vocês mesmos: “sigamos trabalhando para
construir pontes entre os povos, pontes que nos permitam derrubar os muros da
exclusão e da exploração” (documento conclusivo do II Encontro Mundial dos
Movimentos Populares, de 11 de julho de 2015, em Santa Cruz de la Sierra,
Bolívia). Enfrentemos o terror com o amor.
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