Embora 65% dos brasileiros ouvidos numa pesquisa CNI/Ibope considerem "muito graves" os problemas relacionados com o clima, nossas políticas continuam fazendo de conta que não precisamos perder tempo com o "ambiente" - tanto que no novo Código Florestal, mesmo após os vetos presidenciais, anistiamos a maior parte dos desmatadores, permitimos a ocupação de encostas e topos de morros (que assoreia rios e contribui para inundações), reduzimos áreas preservação à beira-rio, permitimos a ocupação de partes de mangues. E não tomamos conhecimento das advertências dos cientistas.
Já desmatamos quase 20% da Amazônia, quase 50% do Cerrado,
só restam 7% da Mata Atlântica, quase nada dos Pampas, o Pantanal já sofre
muito. O pretexto é não "prejudicar a expansão da agropecuária",
quando a Embrapa há mais de 20 anos diz que não é preciso desmatar um só
hectare: temos 200 mil hectares já desmatados e sem ocupação econômica, além de
metade das pastagens degradadas. Mais grave ainda, qualquer que seja a decisão
final do Congresso Nacional a respeito do projeto, tudo tenderá a ficar como
nas práticas predatórias de hoje, já que o Ministério do Meio Ambiente, com
menos de 1% do orçamento da União, não tem estruturas para fiscalizar com rigor
e mudar o quadro.
Também não se deve esperar muito na Caatinga. O projeto de
transposição de águas do Rio São Francisco, que o ex-presidente Lula anunciava
como redenção para "12 milhões de pessoas que sofrem com a seca", em
2012 só teve gastos 2,2% do seu orçamento (Estado, 23/5), está com 4 dos 16
lotes de obras paralisados, já custa quase o dobro do que fora orçado e a água,
quando chegar, irá em grande parte para grandes projetos agrícolas de
exportação, outra parte para cidades que desperdiçam mais de 40% do que sai das
estações de tratamento.
Para a Amazônia encontra-se em discussão no Congresso
projeto para abrir as terras indígenas à mineração - quando estudos
internacionais e nacionais dizem que essas reservas são o caminho mais eficaz
para a conservação da biodiversidade, uma das riquezas nacionais. E uma medida provisória
reduz a área de várias unidades de conservação para permitir a formação de
grandes lagos para sete hidrelétricas - quando estudo da Unicamp/WWF, já
citados várias vezes neste espaço, considera que não precisamos de novas
mega-hidrelétricas, e sim de conservação e eficiência energética, além de
redução de perdas nas linhas de transmissão.
Mas a falta de juízo não é só por aqui. Há poucos dias,
terminou em fracasso - "discórdia e desapontamento", segundo o jornal
The Guardian (25/5) - mais uma reunião da Convenção do Clima. Com retrocesso
até, já que muitos países (principalmente Índia e China) se mostram relutantes
em continuar apoiando a carta de intenções aprovada no ano passado em Durban,
que acena para 2015 com um compromisso de todos os países para reduzir as
emissões de poluentes, mas só entrando em vigor em 2020. Aprovou-se apenas a
prorrogação do Protocolo de Kyoto, porque este envolve altíssimos recursos
financeiros, ao permitir que um país ou empresa financie em outro país projeto
que reduza emissões - e contabilize a redução no seu balanço próprio. Há um
mercado mundial de muitos bilhões de dólares envolvido.
As discussões foram as de sempre: quem deve pagar pelas
reduções, países ricos ou "em desenvolvimento"? Como farão China,
Índia e outros que ainda precisam dotar de energia as casas de centenas de
milhões de pessoas e só dispõem de combustíveis fósseis? Que se fará agora com
o novo caminho de extração de gás de rochas, chamado de fracking, que dizem
poluir menos, mas implica liberação de metano? A Agência Internacional de
Energia não se cansa de advertir que já nos estamos aproximando do limite de
mais 2 graus Celsius no aquecimento da Terra, mas as emissões de poluentes
continuam em nível recorde - e a partir de 2017 a alta terá efeitos
irreversíveis. O tema também nos fala de perto. Segundo estudo publicado na
revista da Fapesp por Fábio Castro, Minas Gerais poderá perder R$ 450 bilhões
até 2050 com problemas climáticos; o País todo, R$ 3,6 trilhões em 40 anos.
E a três semanas do início oficial da conferência Rio+20, na
qual todos esses temas - mais a pobreza no mundo, redução do desperdício de
alimentos (1,3 bilhão de toneladas anuais), novas formas de calcular
crescimento, "economia verde", "governança sustentável" -
em princípio estarão na pauta, surgem os temores de outro malogro, já que as
discussões preliminares continuam patinando. O temor já foi manifestado pela
ex-primeira-ministra norueguesa Gro Brundtland e pelo ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso.
"O planeta não é sustentável sem controle do consumo e
da população", diz a britânica Royal Society (Folha de S.Paulo, 27/4). Mas
da crise econômica no mundo "ninguém vai escapar sem ser afetado".
Poderemos até levar "de um século a dois para sair da crise", afirma
o renomado economista James K. Galbraith, da Universidade Yale (Estado, 23/5).
Seja como for, é preciso continuar encarando os olhos luminosos dos nossos
netos e seguir lutando.
Fonte: Washington Novaes, jornalista, O Estado de S. Paulo, 01
de junho de 2012.
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