Trechos do artigo de Leonardo Boff
(..) Eduardo Gudynas define assim a ecologia social: "é o estudo dos sistemas humanos em interação com seus sistemas ambientais", Os sistemas humanos abarcam os seres humanos individuais, as sociedades e sistemas sociais. Os sistemas ambientais comportam componentes naturais (florestas, desertos, cerrados), civilizacionais (cidades, fábricas) e humanos (homens, mulheres, crianças, etnias, classes..).
As principais questões da ecologia social
Os postulados básicos ecologia social são os seguintes:
l. O ser humano sempre interage intensamente com o ambiente. Nem o ser humano nem o ambiente podem ser estudados separadamente. Há aspectos que somente se compreendem a partir desta interação mútua, particularmente as florestas secundárias,toda a gama de sementes (milho,trigo,arroz etc) e de frutas que são resultado de milhares de anos de trabalho sobre sua genética.
2. Esta interação é dinâmica e se realiza no tempo. A história dos seres humanos é inseparável da história de seu ambiente e de como eles inter-agem.
3. Cada sistema humano cria seu adequado ambiente. É diferente e possui simbolizações singulares, por exemplo,o ambiente próprio habitado pelos yanomamis, pelos seringueiros ou pelos latifundistas, pelos europeus ou pelos indianos.
4. A ecologia social se interessa por tais questões como: Através de que instrumentos os seres humanos agem sobre a natureza: com tecnologia intensiva, como por exemplo com agrotóxicos ou com adubos orgânicos? De que forma os seres humanos se apropriam dos recursos naturais, de forma solidária, participativa ou elitista, com tecnologias não socializadas? Como são eles distribuídos, de forma eqüitativa,consoante o trabalho de cada um,atendendo as necessidades básicas de todos ou de forma elitista e excludente? Uma distribuição desigual afeta de que maneira os grupos humanos? Que tipo de discurso usa o poder para justificar a concentração em poucas mãos, por isso, sua relação de desigualdade que tende à dominação? Como reagem os movimentos sociais no confronto com o estado e com o capital e para melhorar a qualidade de vida no trabalho, na cidade e no campo?
Pertence à discussão da ecologia social, a miséria e a pobreza das populações periféricas,a concentração de terras no campo e na cidade,as técnicas agrícolas e agropecuárias, o crescimento populacional e o processo de inchamento das cidades,o comércio internacional de alimentos e o controle de patentes, a produção do buraco de ozônio,o efeito estufa, a dizimação das florestas tropicais e a ameaça à floresta boreal,o envenenamento das águas,dos solos,da atmosfera etc.
Uma ecologia integral
Para uma perspectiva integral, a sociedade e a cultura pertencem também ao complexo ecológico. Ecologia é a relação que todos os seres, vivos e não vivos, naturais e culturais têm entre si e com o seu meio-ambiente. Nesta perspectiva também as questões econômicas, políticas, sociais, educacionais, urbanísticas, agrícolas entram no campo de consideração da ecologia, como ecologia social. A questão de base em ecologia é sempre esta: em que medida, esta ou aquela ciência,atividade social,prática institucional ou pessoal ajuda a manter ou a quebrar o equilíbrio de todas as coisas entre si, a preservar ou destruir as condições de evolução/desenvolvimento dos seres? Nós somos parte, com tudo o que somos por natureza e fizemos por cultura, de um imenso equilíbrio, do ecossistema. Diz um dos bons ecólogos sociais na América Latina Ingemar Edström,um sueco que vive há anos na Costa Rica:
"A ecologia chegou a ser uma crítica e até uma denúncia do funcionamento das sociedades modernas. Entre as coisas que se tem denunciado temos a super exploração do hemisfério sul,quer dizer, o chamado terceiro mundo,por parte dos paises comparativamente ricos do norte,do chamado primeiro mundo. Neste sentido,tomar consciência sobre a problemática ecológica global deve significar adquirir consciência da situação socioeconômica,política e cultural de nossas sociedades,o que implica conhecer a situação de exploração dos paises do sul pelos industrializados do norte" (Somos parte de un gran equilibro,DEI,Costa Rica l985,12).
O atual sistema social é antiecológico e gerador de miséria
Dentro dos parâmetros da ecologia social devemos denunciar que o sistema social dentro do qual vivemos - a ordem do capital, hoje mundialmente integrado - é profundamente antiecológico.
Em todas as fases ele se baseou e se baseia na exploração das pessoas e da natureza. No afã de produzir desenvolvimento material ilimitado,ele cria desigualdades entre o capital e o trabalho. Disso se segue exploração dos trabalhadores com toda a seqüela de deteriorização da qualidade de vida.
Entre nós ele se implantou a partir da Conquista no século XVI com grande virulência pelo genocídio,impondo aos que aqui viviam uma forma de trabalhar e de se relacionar com a natureza que implicava o ecocídio,vale dizer,a devastação de nossos ecossistemas. Nós fomos incorporados a uma totalidade maior que é a economia capitalista. Nosso sistema capitalista é de economia de exportação dependente.
Implantou-se aqui a apropriação privada da terra, de suas riquezas e das águas que são fonte de riqueza. Esta apropriação se operou de forma profundamente desigual e irracional. Uma minoria possui as melhores terras, muitas vezes,não cultivadas. As terras mais pobres foram deixadas para as maiorias que para sobreviver tem que superexplorá-las e esgotar o solo, terminando por desflorestar as matas e quebrando o equilíbrio natural. Os negros antes escravizados, com a libertação jurídica,não foram compensados em nada. Da casa grande foram jogados diretamente nas favelas. Tiveram que ocupar os morros, desmatar,abrir valas para o saneamento ao ar livre e assim viver sob ameaças de muitas doenças,de desabamentos e de mortes. Todas estas manifestações significam outras agressões ao meio provocadas socialmente.
Hoje a Conquista continua especialmente através da dívida externa que comporta,em seu bojo,uma forte agressão às relações sociais,uma devastação social dos pobres e a contaminação da biosfera pela tecnologia suja que nos é imposta (...). Enquanto permanecer o modelo de desenvolvimento imperante, saqueador dos homens e da natureza, voltado para fora, produzindo o que os ricos querem que produzamos para eles consumirem, e não atendendo o mercado interno,o círculo vicioso retornaria com as mesmas conseqüências perversas.
O economista americano Kennet E.Baoulding chama a economia capitalista de economia de cowboy: baseia-se na abundância aparentemente ilimitada de recursos e de espaços livres para invadir e se estabelecer. É o antropocentrismo desbragado.
A outra economia,para a qual devemos caminhar, a chama , de economia da nave espacial terra. Nesta nave, como em qualquer avião, a sobrevivência dos passageiros depende do equilíbrio entre a capacidade de carga do aparelho e as necessidades dos passageiros. Disso resulta que o ser humano deve se acostumar à solidariedade, como virtude fundamental,encontrar o seu lugar no sistema ecológico equilibrado,no sentido de poder produzir e reproduzir a sua vida, a vida dos demais seres vivos e ajudar a preservar o equilíbrio natural. A terra,portanto, é um sistema fechado, equilibrado e não aberto que permita qualquer tipo de aventura anti-ecológica. (....)
O novo caminho
A ecologia convencional surgiu desvinculada do contexto social. Igualmente as teologias vigentes, também a teologia da libertação foram elaboradas sem inserir o contexto ambiental. Agora importa completar as perspectivas numa visão mais completa e coerente: a lógica que leva a dominar classes, oprimir povos e discriminar pessoas é a mesma que leva a explorar a natureza. É a lógica que quer o progresso e o desenvolvimento ininterrupto e crescente,como forma de criar condições para a felicidade humana. Mas esta forma de querermos ser felizes está consumindo as bases que sustentam a felicidade que é a própria natureza e o ser humano.
Para chegarmos à raiz de nossos males e também ao seu remédio,necessitamos de uma nova cosmologia teológica, i.é. de uma reflexão que veja o planeta como um grande sacramento de Deus,como o templo do Espírito, o lugar da criatividade responsável do ser humano,a morada de todos os seres criados no Amor. Ecologia etimologicamente tem a ver com morada. Cuidar dela,repará-la e adaptá-la às eventuais novas ameaças,alargá-la para abrigar novos seres culturais e naturais, eis a sua tarefa e também a sua missão.
Fonte: http://www.leonardoboff.com/site/vista/outros/ecologia-social.htm
(veja o texto completo)
A ecologia social chama a nossa atenção para um dado nem sempre devidamente considerado: seres humanos e ambiente não são duas realidades independentes, mas são dois constituintes da mesmíssima realidade cósmica. Estão microcosmo (o humano) e macrocosmo (o ambiente) interagindo permanentemente.
ResponderExcluirEntre eles há uma realidade de total dependência e comunhão. O que afeta (positiva ou negativamente) a um também afeta o outro. Impossível compreender corretamente a humanidade sem o cosmos do qual ela é parte.Igualmente impossível compreender adequadamente o cosmos prescindindo da humanidade e reduzindo-a à uma potência oposta e nociva ao ambiente.
Realização, recuperação ou dissolução catastrófica da humanidade e do ambiente caminham juntos. A ecologia social nos alerta para essa verdade esquecida.