Um recurso natural finito, escasso e cada vez mais raro, absolutamente precioso para a vida da maioria absoluta das espécies – incluindo a nossa – justificou a realização de mais uma campanha de alcance planetário patrocinada pela ONU. Dez anos depois de as Nações Unidas elegerem o Ano Internacional da Água Doce (2003), o assunto retorna com força total agora em 2013, o Ano Internacional da Cooperação pela Água.
Em números a situação é a seguinte: 11% da
população mundial ainda não acessam fontes seguras de água potável, e estão
expostas a uma série de doenças de veiculação hídrica (mais de 40% dessas
pessoas vivem na África Subsaariana). As principais vítimas são as crianças:
mais de 3 mil óbitos por dia em todo o mundo, na maioria dos casos, por
diarréia. Apesar disso, houve avanços importantes. Entre os anos de 1990 e
2010, mais de 2 bilhões de pessoas passaram a dispor de redes mais seguras de
abastecimento de água. Esse esforço coletivo permitiu que o percentual de seres
humanos alcançados por fontes mais confiáveis de água subisse para 89%
(aproximadamente 6,1 bilhões de pessoas), acima da meta dos 88% traçados pelos
Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.
O grande desafio continua sendo acelerar os
investimentos em saneamento básico. Apenas 63% da população mundial têm acesso
a saneamento de qualidade. Um dado curioso do relatório produzido pela
Organização Mundial da Saúde (OMS), em parceria com o Fundo das Nações Unidas
para a Infância (Unicef), é que aproximadamente 1,1 bilhão de pessoas em todo o
mundo ainda fazem suas necessidades fisiológicas a céu aberto, sem banheiro. No
topo do ranking aparece a Índia com 626 milhões de pessoas sem banheiro,
seguida da China (14 milhões) e do Brasil (7,2 milhões).
É preocupante a lentidão com que o saneamento
básico avança no Brasil. Segundo o IBGE, de2009 a2011, a expansão da coleta de
esgoto foi de pouco mais de 3%. Para um país em que quase 40% dos domicílios
não estão sequer conectados à rede coletora, é muito pouco. Para piorar a
situação, em boa parte dos casos em que o esgoto é coletado, não há tratamento.
Ou seja, há uma rede coletora construída sem que a destinação final seja
adequada. O próprio governo federal reconhece que apenas 38% de todo o esgoto
produzido no Brasil recebem algum tipo de tratamento. O resto impacta
violentamente rios, lagos, manguezais e partes do nosso litoral.
São aproximadamente 15 bilhões de litros de esgoto
sem tratamento despejados a cada dia no Brasil. Isso equivalente a 6,3
mil piscinas olímpicas saturadas de matéria orgânica. Segundo o Instituto Trata
Brasil, aproximadamente 2.500 crianças morrem por ano no país por doenças
causadas pela falta de saneamento básico, principalmente diarréia. Além da
degradação dos ecossistemas, esse bombardeio diário de esgotos “in natura” em
nossas águas determina o afastamento de 217 mil trabalhadores de suas
respectivas atividades profissionais a cada ano por problemas
gastrointestinais. A cada afastamento perdem-se 17 horas de trabalho, o que
implica em custos adicionais de R$ 238 milhões por ano em horas-pagas e não
trabalhadas. Culpa da água contaminada.
Enquanto ignoramos os índices escabrosos de
poluição, e as estatísticas preocupantes de perda de água tratada na rede (algo
em torno de 35%), alguns de nós ainda gostamos de lembrar com certo ar ufanista
que o Brasil é o país campeão mundial de água doce, com 12% das reservas
mundiais das águas superficiais de rios, sem contar o enorme volume do precioso
líquido estocado nos aqüíferos Guarani e Amazônico. O problema é que a
distribuição dessa água é extremamente desigual. A bacia do rio Amazonas – a
maior bacia fluvial do mundo – concentra mais de 70% da água onde vivem apenas
8% da população brasileira. Já a região Sudeste, a mais populosa, que reúne 42%
da população, tem apenas 6% da água. Além da geografia desigual, a água também
é administrada de maneira sofrível por pessoas ou instituições sem competência
técnica (ou a correta orientação política) para isso.
Segundo o “Atlas Brasil – abastecimento urbano
de água : um diagnóstico dos mananciais superficiais e subterrâneos e sistemas
de produção de água potável do país”, produzido pela Agência Nacional de
Águas (ANA), “55% dos municípios brasileiros (3.059) que respondem por 73% da
demanda por água no país, precisam receber até 2015 investimentos em seus
sistemas de produção de água ou mananciais que somam R$ 22 bilhões para evitar
problemas no abastecimento”. Esse alerta ainda não mereceu por parte dos
tomadores de decisão a devida atenção.
“Os países hoje em dia são avaliados pela forma
como sabem usar a água, e não pelo que têm de água. Porque é mais importante
hoje saber usar a água que se tem do que ostentar a abundância”, me disse certa
vez em entrevista o saudoso professor de Hidrologia da USP, Aldo Rebouças, um
dos maiores especialistas no assunto. Também ele denunciava com farta
argumentação o uso insustentável de água nas lavouras, que consomem
aproximadamente 70% de toda a água doce do país. Para o especialista, as
técnicas normalmente empregadas de irrigação (inundação, pivô central ou
aspersores) desperdiçam muita água sem necessidade.
Por tudo isso, chega em boa hora o alerta da ONU em
um mundo onde na última década ascenderam à classe média aproximadamente 400
milhões de pessoas. O incremento do consumo trouxe junto a explosão de demanda
da chamada água virtual, aquela que a gente não vê, mas está presente
nos sapatos, roupas, carros, eletrodomésticos, computadores, televisões, enfim,
tudo o que é produzido. Não há crescimento econômico possível sem muita água
sustentando os indicadores de produção e de consumo. Embora a população cresça,
e o número de consumidores também, o estoque de água doce do planeta permanece
inalterado há milhões de anos. Sem a promoção do uso inteligente, a falta de
água para suportar o crescimento da demanda deverá se tornar crônica.
Reduzir a poluição e o desperdício; promover a
cultura do uso inteligente da água em todos os níveis; capacitar gestores,
acelerar os investimentos e monitorar os resultados. As soluções estão ao nosso
alcance. Resta fazer.
Fonte: http://g1.globo.com/platb/mundo-sustentavel/2013/01/28/alerta-vermelho-na-nave-azul/
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