A espiritualidade profética destaca a presença salvífica de Deus na história. Já a espiritualidade sapiencial dá ênfase à manifestação divina através da criação e do governo do universo. Há uma série de textos que elogiam a “obra do Artista”; outros mostram como através dela Deus se faz conhecer e dita suas leis à família humana. Não se trata apenas de ver a criação como caminho para ir a Deus, mas de experimentar a realidade criada como presença de Deus.
Esta experiência não exclui a história, pois a criação é vista como o ponto de partida do plano de Deus, o primeiro dos grandes feitos salvíficos (Sl 136). Mais tarde, a carta aos Romanos vai dizer que toda a humanidade pode chegar a Deus, pois “desde a criação do mundo, as perfeições invisíveis de Deus, tais como seu poder eterno e sua divindade, podem ser contempladas, através da inteligência, nas obras que ele realizou” (1,20). Essas obras abarcam criação e história. A nova criação vai fechar este ciclo, quando o desígnio de Deus se realizar por completo.
A defesa e o cuidado da vida estão muito presentes na espiritualidade sapiencial. A vida humana, com suas necessidades básicas, mas também a vida das outras criaturas, pois há uma ligação íntima entre todos os seres vivos que habitam a terra. Javé é “amigo da vida”. Ele ama tudo o que criou, pois se não amasse alguma de suas criaturas ela deixaria de existir (Sb 11,24-26). Aos seres humanos Javé concedeu o conhecimento e lhes deu como herança “a lei da vida”. Pediu que se guardassem de toda injustiça e “ordenou que cada um se preocupasse com o próximo” (Eclo 17,9.12). Esse cuidado deve ser especial quando se trata dos pobres, daqueles que são injustiçados e não têm defesa, dos que se sentem fracos diante da astúcia e da violência. A vida deles é valiosa aos olhos de Javé! (Sl 72,12-14).
A atual crise ecológica desafia nossa fé e nos pede um novo olhar sobre a criação, o que pode ser favorecido pela contemplação sapiencial. Seria ingênuo e irresponsável apenas admirar a beleza do universo ou exaltar a harmonia de suas leis. Parafraseando o salmista, podemos perguntar: Como cantar as maravilhas da criação se a Mãe Terra está doente e a vida que ela gerou corre perigo? (Sl 137,4). Na realidade atual, contemplar a criação significa também sentir seus gemidos e comungar seus anseios (Rm 8,19-22), criando novos hábitos de vida e assumindo essa causa como integrante da nossa missão.
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