quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Interpretaçóes sobre Belo Monte

Todo mundo está confuso, abarrotado de informações suspeitas, sem saber em que confiar, quando se fala em Belo Monte. Resolvi dar uma humilde contribuição sobre alguns pontos que, me parece, causam mais dúvidas.
Vou começar revelando uma coisa que você provavelmente já percebeu: o motivo pelo qual ninguém sabe quem está falando a verdade é que ambos os lados dessa peleja contam verdades incompletas.Dificilmente um ambientalista dirá que o motivo pelo qual Belo Monte só vai produzir um terço da sua capacidade instalada, em média, é que a usina foi reprojetada para operar como fio d’água, o que permitiu diminuir drasticamente o reservatório e… voilà! Menor impacto ambiental.Mas o outro lado não te conta que os engenheiros não fizeram isso porque têm a floresta no coração, mas porque o projeto anterior era tão absurdo que esse foi o único jeito de destravar o processo, embargado pelo STF desde 2002. E que a teimosia de manter os planos mesmo com essa enorme perda de eficiência (sim, nenhuma usina opera no total de sua capacidade o tempo todo, mas a discrepância de Belo Monte é acintosa) revela duas possibilidades:1- A principal motivação para essa usina não é tanto o suprimento energético nacional quanto a necessidade de fazer girar a manivela dos favores e benefícios escusos da política municipal, estadual e federal. E/OU 2- O projeto atual é um drible no licenciamento ambiental, quando o verdadeiro plano seria construir outras hidrelétricas na bacia do Xingu. Portanto, um acúmulo de reservatórios que permitiria a Belo Monte operar com muito mais eficiência. E daí o impacto ambiental será muito, mas muito maior.

“Uma Pergunta!” diz Ingrid Guimarães. “Qual é a solução para a questão energética no Brasil?”, complementa Marcos Palmeira, ambos no vídeo Gota d’Água. E eis que surge a grande besteira da campanha: dizer que as alternativas são energia solar e eólica. Ambas são fontes intermitentes. O sol se põe, o vento para de soprar. Com a tecnologia atual, o papel que essas fontes podem desempenhar é de complementaridade. A espinha dorsal da matriz elétrica brasileira é hidrelétrica e continuará sendo assim.A pergunta que se deve fazer é: precisa construir mais 77 usinas hidrelétricas na Amazônia, entre elas Belo Monte? As opiniões técnicas mais engajadas já cansaram de apontar a importância de medidas de eficiência, como ampliar a potência de usinas já existentes, e combater o desperdício da energia que se perde no caminho da distribuição, em níveis alarmantes. Mas isso nunca tem destaque –ou às vezes sequer aparece – na política pública. Por quê? Aquilo que não é grande obra não interessa?

E ainda que a gente fizesse tudo certinho, desse um tremendo gás no quesito eficiência, botasse freio nas indústrias eletrointensivas e revertesse o quadro de primarização da economia brasileira, ainda assim, daria para não construir mais nenhuma hidrelétrica e continuar crescendo? Não sei. E acho que ninguém sabe. Isso porque o planejamento energético nacional padece de falta de transparência. Ouço essa crítica há anos, tanto das ONGs quanto da Academia. Certa Vez, Gilberto Jannuzzi, professor livre-docente em sistemas energéticos da Unicamp, me disse que os estudos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) são tão obscuros que às vezes nem ele consegue entender.
O que se quer, mais que interromper Belo Monte, é iniciar um processo de diálogo com atores da sociedade e do governo e entender por que algumas recomendações técnicas são solenemente ignoradas enquanto outras são blindadas de participação.

Quando o sujeito vira pra você e fala “nenhum índio será atingido”, ele está se escondendo atrás das diferentes interpretações que apalavra “atingido” pode denotar. Aperte a tecla SAP do seu televisor e leia o seguinte: é que nenhum índio será afogado (como disse Celio Bermann em entrevista recente) pela cheia do reservatório e não haverá obras dentro da terra indígena. Mas isso está longe de significar uma boa noite de sono para os povos do Xingu.Como aponta um painel de 40 cientistas independentes, não se pode garantir que a mobilidade dos índios não será afetada pela diminuição da vazão do rio e nem que o suprimento de peixes continuará como dantes. Se os índios tiverem reduzida sua principal fonte de proteína e ficarem isolados em algum período do ano, a terra ancestral se tornará imprestável, mesmo sem obras ou inundação. Isso sem falar na dor de cabeça com o previsível aumento das invasões.

Desconfie de quem defende que Belo Monte é uma grande oportunidade de desenvolvimento local. Oportunidade é potência, não é realidade. Poderia melhorar a vida das pessoas? Poderia, sim. É uma montanha de dinheiro que começa a circular nos arredores de uma obra gigantesca. Às vezes, a arrecadação municipal dobra ou até triplica. Mas se o hospital modelo só fica pronto depois do pico das obras (como já aconteceu na Amazônia), quando milhares de migrantes já se mandaram para outras fronteiras, se o troço se torna caro e ocioso… de que adianta?Isso requer um planejamento muito bem feito, com medidas que precisam ser adotadas muito antes das obras, coisa que nenhum governo até hoje conseguiu implementar na Amazônia. Não é à toa que a prefeitura de Altamira, antes defensora fervorosa de Belo Monte, hoje pede a interrupção do projeto até que as medidas de compensação mais fundamentais sejam concluídas.A corda, como sempre, arrebenta no lado mais fraco… Seriam os efeitos colaterais relativizáveis de um bem maior, O Desenvolvimento Do País? Você é quem sabe.

Fonte: Planeta Sustentável

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