Por uma Igreja com rosto amazônico, pobre e
servidora, profética e samaritana
Nós,
participantes do Sínodo Pan-amazônico, partilhamos a alegria de habitar em meio
a numerosos povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, migrantes, comunidades
na periferia das cidades desse imenso território do Planeta. Com eles temos
experimentado a força do Evangelho que atua nos pequenos. O encontro com esses
povos nos interpela e nos convida a uma vida mais simples de partilha e
gratuidade. Marcados pela escuta dos
seus clamores e lágrimas, acolhemos de coração as palavras do Papa Francisco:
“Muitos irmãos e irmãs na Amazônia carregam cruzes pesadas e aguardam
pela consolação libertadora do Evangelho, pela carícia de amor da Igreja.
Por eles, com eles, caminhemos juntos”[1].
Evocamos com gratidão aqueles bispos que, nas
Catacumbas de Santa Domitila, ao término do Concílio Vaticano II, firmaram o Pacto
por uma Igreja servidora e pobre[2]. Recordamos com veneração todos os mártires
membros das comunidades eclesiais de base, de pastorais e movimentos populares;
lideranças indígenas, missionárias e missionários, leigas e leigos, padres e
bispos, que derramaram seu sangue, por causa desta opção pelos pobres, por
defender a vida e lutar pela salvaguarda da nossa Casa Comum[3].
À gratidão por seu heroísmo unimos nossa decisão de continuar sua luta com
firmeza e coragem. É um sentimento de urgência que se impõe ante as agressões
que hoje devastam o território amazônico, ameaçado pela violência de um sistema
econômico predatório e consumista.
Diante da Trindade Santa, de nossas Igrejas particulares,
das Igrejas da América Latina e do Caribe e daquelas que nos são solidárias na
África, Ásia, Oceania, Europa e no norte do continente americano, aos pés dos
apóstolos Pedro e Paulo e da multidão dos mártires de Roma, da América Latina e
em especial da nossa Amazônia, em profunda comunhão com o sucessor de Pedro, invocamos
o Espírito Santo, e nos comprometemos pessoal e comunitariamente
com o que se segue:
1.
Assumir, diante da extrema ameaça do aquecimento global e da exaustão
dos recursos naturais, o compromisso de defender em nossos territórios e com
nossas atitudes a floresta amazônica em pé. Dela vêm as dádivas das águas para
grande parte do território sul-americano, a contribuição para o ciclo do
carbono e regulação do clima global, uma incalculável biodiversidade e rica
socio diversidade para a humanidade e a Terra inteira.
2.
Reconhecer que não somos donos da mãe terra, mas seus filhos e filhas,
formados do pó da terra (Gn 2, 7-8)[4], hóspedes e peregrinos (1 Pd 1, 17b e 1
Pd 2, 11)[5],
chamados a ser seus zelosos cuidadores e cuidadoras (Gn 1, 26)[6]. Para
tanto, comprometemo-nos com uma ecologia integral, na qual tudo está
interligado, o gênero humano e toda a criação porque a totalidade dos seres são
filhas e filhos da terra e sobre eles paira o Espírito de Deus (Gn 1,
2).
3.
Acolher e renovar a cada dia a aliança de Deus com todo o criado: “De minha parte, vou estabelecer minha aliança
convosco e com vossa descendência, com todos os seres vivos que estão convosco,
aves, animais domésticos e selvagens, enfim, com todos os animais da terra que
convosco saíram da arca (Gn 9, 9-10 e Gn 9, 12-17[7]).
4.
Renovar em nossas
igrejas a opção preferencial pelos pobres, em especial pelos povos originários,
e junto com eles garantir o direito de serem protagonistas na sociedade e na
Igreja. Ajudá-los a preservar suas terras, culturas, línguas, histórias,
identidades e espiritualidades. Crescer na consciência de que estas devem ser
respeitadas local e globalmente e, consequentemente favorecer, por todos os
meios ao nosso alcance, que sejam acolhidas em pé de igualdade no concerto
mundial dos demais povos e culturas.
5.
Abandonar, como
decorrência, em nossas paróquias, dioceses e grupos toda espécie de mentalidade
e postura colonialista, acolhendo e valorizando a diversidade cultural, étnica
e linguística num diálogo respeitoso com todas as tradições espirituais.
6.
Denunciar todas
as formas de violência e agressão à autonomia e direitos dos povos originários,
à sua identidade, aos seus territórios e às suas formas de vida.
7.
Anunciar a
novidade libertadora do evangelho de Jesus Cristo, na acolhida ao outro e ao
diferente, como sucedeu com Pedro na casa de Cornélio: “Vós bem sabeis que a
um judeu é proibido relacionar-se com um estrangeiro ou entrar em sua casa.
Ora, Deus me mostrou que não se deve dizer que algum homem é profano ou impuro”
(At 10, 28)[8].
8.
Caminhar
ecumenicamente com outras comunidades cristãs no anúncio inculturado e
libertador do evangelho, e com as outras religiões e pessoas de boa vontade, na
solidariedade com os povos originários, com os pobres e pequenos, na defesa dos
seus direitos e na preservação da Casa Comum
9.
Instaurar em
nossas igrejas particulares um estilo de vida sinodal, onde representantes dos
povos originários, missionários e missionárias, leigos e leigas, em razão do
seu batismo, e em comunhão com seus pastores, tenham voz e voto nas assembleias
diocesanas, nos conselhos pastorais e paroquiais, enfim em tudo que lhes
compete no governo das comunidades.
10. Empenhar-nos no urgente reconhecimento dos ministérios
eclesiais já existentes nas comunidades, exercidos por agentes de pastoral,
catequistas indígenas, ministras e ministros e da Palavra, valorizando em
especial seu cuidado em relação aos mais vulneráveis e excluídos.
11. Tornar efetiva nas comunidades a nós confiadas a
passagem de uma pastoral de visita a uma pastoral de presença, assegurando que
o direito à Mesa da Palavra e à Mesa de Eucaristia se torne efetivo em todas as
comunidades.
12. Reconhecer os serviços e a real diaconia do grande
número de mulheres que hoje dirigem comunidades na Amazônia e procurar
consolidá-los com um ministério adequado de mulheres dirigentes de comunidade.
13. Buscar novos caminhos de ação pastoral nas cidades
onde atuamos, com protagonismo de leigos e jovens, com atenção às suas
periferias e aos migrantes, aos trabalhadores e aos desempregados, aos
estudantes, educadores, pesquisadores e ao mundo da cultura e da comunicação[9].
14. Assumir diante da avalanche do consumismo um estilo de
vida alegremente sóbrio, simples e solidário com os que pouco ou nada tem;
reduzir a produção de lixo e o uso de plásticos, favorecer a produção e
comercialização de produtos agroecológicos, utilizar sempre que possível o
transporte público.
15. Colocar-nos ao lado dos que são perseguidos pelo
profético serviço de denúncia e reparação de injustiças, de defesa da terra e
dos direitos dos pequenos, de acolhida e apoio a migrantes e refugiados.
Cultivar amizades verdadeiras com os pobres, visitar as pessoas mais simples e
os enfermos, exercitando o ministério da escuta, da consolação e do apoio que
trazem alento e renovam a esperança.
Conscientes de nossas fragilidades, de nossa pobreza e
pequenez diante de tão grandes e graves desafios, confiamo-nos à oração da
Igreja. Que sobretudo nossas Comunidades Eclesiais nos socorram com sua
intercessão, afeto no Senhor e, sempre que necessário, com a caridade da
correção fraterna.
Acolhemos de coração aberto o convite do Cardeal
Hummes para nos deixarmos guiar pelo Espírito Santo nestes dias do Sínodo e no
retorno às nossas igrejas:
“Deixem-se
envolver no manto da Mãe de Deus e Rainha da Amazônia. Não deixemos que nos
vença a auto-referencialidade, mas sim a misericórdia diante do grito dos
pobres e da terra. Será necessária muita oração, meditação e discernimento,
além de uma prática concreta de comunhão eclesial e espírito sinodal. Este
sínodo é como uma mesa que Deus preparou para os seus pobres e nos pede a nós
que sejamos aqueles que servem à mesa”[10].
Celebramos
esta Eucaristia do Pacto como “um ato de amor cósmico. “Sim, cósmico!
Porque mesmo quando tem lugar no pequeno altar duma igreja de aldeia, a
Eucaristia é sempre celebrada, de certo modo, sobre o altar do mundo”. A
Eucaristia une o céu e a terra, abraça e penetra toda a criação. O mundo saído
das mãos de Deus, volta a Ele em feliz e plena adoração: no Pão Eucarístico “a
criação propende para a divinização, para as santas núpcias, para a unificação
com o próprio Criador”. “Por isso, a Eucaristia é também fonte de luz e
motivação para as nossas preocupações pelo meio ambiente, e leva-nos a ser
guardiões da criação inteira”.[11]
Catacumbas de Santa Domitila
Roma, 20 de outubro de 2019
[1] Homília do Papa
Francisco na Missa de abertura do Sínodo, Roma 06-10-2019
[2] Pacto por uma
Igreja servidora e pobre. Catacumbas de Santa Domitila, Roma 16 de novembro de
1965. O Pacto assinado por 42 concelebrantes, recebeu em seguida a adesão de
cerca de 500 padres conciliares.
[3]
DAp 98, 140, 275, 383, 396.
[4] “7 Então o
SENHOR Deus formou o ser humano com o pó do solo, soprou-lhe nas narinas o
sopro da vida e Ele tornou-se um ser vivente. 8 Depois, o Senhor Deus plantou
um jardim em Éden, a oriente, e pôs ali o homem que havia formado”.
[5] “... vivei no
temor o tempo de vossa permanência como migrantes” (1 Pd 1, 17b) e “Amados,
exorto-vos, como peregrinos e forasteiros...” (1 Pd, 2, 11).
[6] “26 Deus disse:
‘Façamos o ser humano à nossa imagem e segundo nossa semelhança, para que
domine [cuide] sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos,
todos os animais selvagens e todos os animais que
se movem pelo chão’. 27 Deus criou o
ser humano à sua imagem, à imagem de Deus o criou”.
[7] 12 E Deus
disse: “Eis o sinal da aliança que estabeleço entre mim e vós e todos os seres
vivos que estão convosco, por todas as gerações futuras. 13 Ponho meu arco nas
nuvens, como sinal de aliança entre mim e a terra. 14 Quando eu cobrir de
nuvens a terra, aparecerá o arco-íris nas nuvens. 15 Então me lembrarei de minha
aliança convosco e com todas as espécies de seres vivos, e as águas não se
tornarão mais um dilúvio para destruir toda carne. 16 Quando o arco-íris
estiver nas nuvens, eu o contemplarei como recordação da aliança eterna entre
Deus e todas as espécies de seres vivos sobre a terra”. 17 Deus disse a Noé:
“Este é o sinal da aliança que estabeleço entre mim e toda a carne sobre a
terra”.
[8] 4 Então, Pedro
tomou a palavra: “De fato”, disse, “estou compreendendo que Deus não faz
discriminação entre as pessoas. 35 Pelo contrário, ele aceita quem o teme e
pratica a justiça, qualquer que seja a nação a que pertença (At 10, 34-35).
[9] Cfr DSD 302.1.3
[10] HUMMES, Card. Cláudio, 1ª. Congregação Geral
do Sínodo Amazônico, Relação introdutória do Relator Geral, Roma, 07-10-2019
(BO 792).
[11]
Laudato Si’, 237.
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