sábado, 11 de abril de 2015

Origem e consumação do Tempo

No capítulo 7 de seu livro Ciência e Sabedoria, Moltmann se pergunta pelas categorias tempo e espaço no “momento escatológico”. Ele explica que na escatologia teológica moderna, se apresentam três esquemas básicos: a escatologia coerentemente futura (Weiss, Schweitzer), a escatologia realmente presente (Dodd, Bultmann) e a visão conciliadora ou do equilíbrio, conhecida como “já, mas ainda não” (Cullmann, Kümmel, Kreck). O problema desses esquemas é que o Reino de Deus é medido com a categoria do tempo transitório, inapropriada para ele e, portanto, não permite sua compreensão.
Uma alternativa para esses esquemas consistiu na escatologia da eternidade (Althaus, Barth), que reformulava a consciência do tempo e os conceitos de tempo para pensar em escatologia na história. Segundo ela, assim como todo tempo está igualmente próximo do estado original e do pecado de Adão, todo tempo também está imediatamente próximo da consumação. Mas essa “suprassunção da história na eternidade”, que ocorre no “momento escatológico”, leva a uma des-historização da parusia e da lembrança bíblica da morte e ressurreição de Cristo.
A “teologia da história” (Pannenberg) e a “teologia da esperança” (Moltmann) quebram o conceito de tempo linear para pensar num “futuro” que não traz o passado futuro. O ser de Deus está no vir, não no vir-a-ser (e passar). Se Deus e futuro são ligados desse modo, então se pode pensar o ser de Deus escatologicamente e compreender o “futuro” teologicamente. Nesse sentido, nem a história traga a escatologia, nem a eternidade suprassume a história.
Então, qual é a relação entre o conceito escatológico de futuro e o conceito teológico de eternidade de Deus? Como eternidade e tempo são mediados no conceito escatológico de futuro? O autor tenta responder essas questões em três pontos:
1. Quando ocorre “a ressurreição dos mortos”: “no dia do Juízo” ou no dia eterno do Senhor? Segundo Paulo, a “ressurreição dos mortos” ocorre no “momento escatológico” (1Cor 15,52). Esse “momento escatológico” abrange não apenas sincronicamente todos os homens, mas diacronicamente todos os mortos; por isso, não pode ser posterior a todos os dias dos tempos, também deve ser simultâneo a todos os dias. Mas, como pensar esse “momento escatológico” da ressurreição dos mortos como escatológico e eternamente simultâneo, sem que uma dimensão suplante a outra?
Deve haver um “tempo intermediário” e um “espaço intermediário” entre a morte individual e o dia do Juízo do mundo. O “tempo intermediário” é o tempo entre a ressurreição de Cristo e a ressurreição geral dos mortos. Ele é preenchido pela soberania de Cristo e sua comunhão com mortos e vivos. O “espaço intermediário” entende-se determinado por Cristo como espaço final, porque é escatologicamente orientado.

2. Como conceber o fim dos tempos, se nele a criação não deve mais ter “tempo” e “espaço”? O “tempo final” significa que “não haverá mais tempo” (Ap 10,6). O tempo detém-se quando o mistério de Deus é consumado, isto é, quando o próprio Deus aparece para o julgamento de seus inimigos e o estabelecimento de seu Reino. Diante dessa presença eterna de Deus sobre a terra, a nova criação é chamada à sua existência. O “fim do tempo” é o início do tempo eterno da nova criação. Se esse futuro da criação é revelado e aberto em e por Cristo, então o tempo qualificado por Cristo é “tempo final”. Como a “ressurreição dos mortos” é o início da nova criação, o “fim do mundo” não é nada mais que a “ressurreição dos mortos” geral, e o fim do tempo efêmero é o início do tempo eterno.
Ante o trono e o semblante manifesto da majestade de Deus, “fugiram a terra e o céu, e não se achou lugar para eles” (Ap 20,11). Isso pressupõe que Deus concede um lugar para sua criação “escondendo” seu semblante e impondo à sua onipresença os limites em que o céu e a terra podem existir em relativa autonomia perante ele. Mas na presença real de seu semblante desvelado, manifesto, esse espaço de vida, concedido à criação “no início” passa. A nova criação é a morada da justiça de Deus.
À parada do tempo corresponde o desaparecimento do espaço da criação, suprimem-se as distâncias temporais e espaciais na simultaneidade e na onipresença do eterno. Ambas as coisas ocorrem no advento do Deus eterno e onipresente, ou seja, no “momento escatológico”.

3. O “momento escatológico” do tempo final corresponde ao “momento original” da criação do mundo? O momento original está à frente da criação do mundo na determinação de Deus de ser seu criador. Ele recolheu em si sua eternidade a fim de se ocupar com sua criação. Por isso, nesse momento original, são reunidas e preparadas todas as possibilidades que Deus desdobrará no tempo da criação. Deve-se pensar o momento escatológico numa relação especular com o momento original. A autocontração original de Deus, que possibilitou o tempo e o espaço da criação, cede à auto-expansão glorificante de Deus: surge uma nova criação.
O “momento escatológico” tem dois lados: no próprio Deus se realiza a auto-expansão: Deus aparece com “semblante descoberto” em toda a sua glória. Ele próprio vem para o Juízo e o Reino. Isso é, ao mesmo tempo, o cumprimento da meta original da criação: a autocomunicação da glória. Pela criação se realiza a transição do reino da natureza e do reino da graça para o reino da glória. Isso é o fim que a criação “no início” almejava e pela qual se norteou.

Resumo de: MOLTMANN, Jürgen. Origem e consumação do tempo... In: ______. Ciência e sabedoria. São Paulo: Loyola, 2007. cap. 7, p. 131-144, como atividade de PIBIC, bolsa da FAPEMIG, realizado por Gonzalo Benavides Mesones, estudante de Teologia da FAJE, Faculdade Jesuíta, sob orientação do prof. Afonso Murad.


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