De acordo com David Choquehuanca,
especialista em cosmovisão andina, o Viver Bem (ou Bem Viver) é um processo que
está apenas começando e que pouco a pouco irá se massificando. “Para os que
pertencem à cultura da vida, o mais importante não é o dinheiro nem o ouro, nem
o ser humano, porque ele está em último lugar. O mais importante são os rios, o
ar, as montanhas, as estrelas, as formigas, as borboletas (...) O ser humano
está em último lugar. Mas, para nós o mais importante é a vida”.
(1) O Viver Bem dá prioridade à
natureza mais que ao ser humano
Estas são as características que
pouco a pouco serão implementadas no novo Estado Plurinacional
Priorizar a vida: Viver Bem é
buscar a vivência em comunidade, onde todos os integrantes se preocupam com
todos. O mais importante não é o ser humano (como afirma o socialismo) nem o
dinheiro (como postula o capitalismo), mas a vida. Pretende-se buscar uma vida
mais simples. Que seja o caminho da harmonia com a natureza e a vida, com o
objetivo de salvar o planeta e dar a prioridade à humanidade.
Obter acordos consensuados: Viver
Bem é buscar o consenso entre todos, o que implica que mesmo que as pessoas
tenham diferenças, na hora de dialogar se chegue a um ponto de neutralidade em
que todas coincidam e não se provoquem conflitos. “Não somos contra a
democracia, mas o que faremos é aprofundá-la, porque nela existe também a
palavra submissão e submeter o próximo não é viver bem”.
Respeitar as diferenças: Viver
Bem é respeitar o outro, saber escutar todo aquele que deseja falar, sem
discriminação ou qualquer tipo de submissão. Não se postula a tolerância, mas o
respeito, já que, mesmo que cada cultura ou região tenha uma forma diferente de
pensar, para viver bem e em harmonia é necessário respeitar essas diferenças.
Esta doutrina inclui todos os seres que habitam o planeta, como os animais e as
plantas.
Viver em complementaridade: Viver
Bem é priorizar a complementaridade, que postula que todos os seres que vivem
no planeta se complementam uns com os outros. Nas comunidades, a criança se
complementa com o avô, o homem com a mulher, etc. O homem não deve matar as
plantas, porque elas complementam a sua existência e ajudam para que sobreviva.
Equilíbrio com a natureza: Viver
Bem é levar uma vida equilibrada com todos os seres dentro de uma comunidade.
Assim como a democracia, a justiça também é considerada excludente, porque só
leva em conta as pessoas dentro de uma comunidade e não o que é mais
importante: a vida e a harmonia do ser humano com a natureza. É por isso que
Viver Bem aspira a ter uma sociedade com equidade e sem exclusão.
Defender a identidade: Viver
Bem é valorizar e recuperar a identidade. Dentro do novo modelo, a identidade
dos povos é muito mais importante do que a dignidade. A identidade implica em
desfrutar plenamente de uma vida baseada em valores que resistiram mais de 500
anos (desde a conquista espanhola) e que foram legados pelas famílias e
comunidades que viveram em harmonia com a natureza e o cosmos.
(2) Um dos principais objetivos
do Viver Bem é retomar a unidade de todos os povos
O saber comer, beber, dançar,
comunicar-se e trabalhar também são alguns aspectos fundamentais.
Aceitar as diferenças: Viver
Bem é respeitar as semelhanças e diferenças entre os seres que vivem no mesmo
planeta. Ultrapassa o conceito da diversidade. “Não há unidade na diversidade,
mas é semelhança e diferença, porque quando se fala de diversidade só se fala
de pessoas. Esta colocação se traduz em que os seres semelhantes ou diferentes
jamais devem se ofender.
Priorizar direitos cósmicos: Viver
Bem é dar prioridade aos direitos cósmicos antes que aos Direitos Humanos.
Quando o Governo fala de mudança climática, também se refere aos direitos
cósmicos “Por isso Evo Morales
diz que será mais importante falar sobre os direitos da Mãe Terra do que falar
sobre os direitos humanos”.
Saber comer: Viver Bem é
saber alimentar-se, saber combinar os alimentos adequados a partir das estações
do ano (alimentos de acordo com a época). Esta consigna deve se reger com base
na prática dos ancestrais que se alimentam com um determinado produto durante
toda a estação. Comenta que alimentar-se bem garante boa saúde.
Saber beber: Viver Bem é saber
beber álcool com moderação. Nas comunidades indígenas cada festa tem um
significado e o álcool está presente na celebração, mas é consumido sem
exageros ou ofender alguém. “Temos que saber beber; em nossas comunidades
tínhamos verdadeiras festas que estavam relacionadas com as estações do ano.
Não é ir a uma cantina e se envenenar com cerveja e matar os neurônios”.
Saber dançar: Viver Bem é
saber dançar [danzar], não simplesmente saber bailar [bailar]. A dança se
relaciona com alguns fatos concretos, como a colheita ou o plantio. As
comunidades continuam honrando com dança e música a Pachamama, principalmente
em épocas agrícolas; entretanto, nas cidades as danças originárias são
consideradas expressões folclóricas. Na nova doutrina se renovará o verdadeiro
significado do dançar.
Saber trabalhar: Viver Bem é
considerar o trabalho como festa. “O trabalho para nós é felicidade”. Ao
contrário do capitalismo onde se paga para trabalhar, no novo modelo do Estado
Plurinacional, se retoma o pensamento ancestral de considerar o trabalho como
festa. É uma forma de crescimento, é por isso que nas culturas indígenas se
trabalha desde pequeno.
Retomar o Abya Yala: Viver
bem é promover a união de todos os povos em uma grande família. Isto implica em
que todas as regiões do país se reconstituam no que ancestralmente se
considerou como uma grande comunidade. “Isto tem que se estender a todos os
países. É por isso que vemos bons sinais de presidentes que estão na tarefa de
unir todos os povos e voltar a ser o Abya Yala que fomos”.
Reincorporar a agricultura: Viver
Bem é reincorporar a agricultura às comunidades. Parte desta doutrina do novo
Estado Plurinacional é recuperar as formas de vivência em comunidade, como o
trabalho na terra, cultivando produtos para cobrir as necessidades básicas para
a subsistência. Neste ponto se fará a devolução de terras às comunidades, de
maneira que se produzam as economias locais.
Saber se comunicar: Viver Bem
é saber se comunicar. No novo Estado Pluninacional se pretende retomar a
comunicação que existia nas comunidades ancestrais. O diálogo é o resultado
desta boa comunicação. “Temos que nos comunicar como antes os nossos pais o
faziam, e resolviam os problemas sem que se apresentassem conflitos, não temos
que perder isso”.
(3) O Viver Bem não é “viver
melhor”, como propugna o capitalismo
Entre os preceitos estabelecidos
pelo novo modelo do Estado Plurinacional, figuram o controle social, a
reciprocidade e o respeito à mulher e ao idoso.
Controle social: Viver Bem é
realizar um controle obrigatório entre os habitantes de uma comunidade. “Este
controle é diferente do proposto pela Participação Popular, que foi rechaçado
(por algumas comunidades) porque reduz a verdadeira participação das pessoas”.
Nos tempos ancestrais, “todos se encarregavam de controlar as funções que suas
principais autoridades realizavam”.
Trabalhar em reciprocidade: Viver
Bem é retomar a reciprocidade do trabalho nas comunidades. Nos povos indígenas
esta prática se denomina ayni, que não é mais do que devolver em trabalho a
ajuda prestada por uma família em uma atividade agrícola, como o plantio ou a
colheita. “É mais um dos princípios ou códigos que garantirão o equilíbrio nas
grandes secas”, explica o Ministro das Relações Exteriores.
Não roubar e não mentir: Viver
Bem é basear-se no ama suwa e ama qhilla (não roubar e não mentir, em quéchua).
É fundamental que dentro das comunidades se respeitem estes princípios para
conseguir o bem-estar e confiança em seus habitantes. “Todos são códigos que
devem ser seguidos para que consigamos viver bem no futuro”.
Proteger as sementes: Viver
Bem é proteger e guardar as sementes para que no futuro se evite o uso de
produtos transgênicos. Uma das características deste novo modelo é preservar a
riqueza agrícola ancestral com a criação de bancos de sementes que evitem a
utilização de transgênicos para incrementar a produtividade, porque se diz que
esta mistura com químicos prejudica e acaba com as sementes milenares.
Respeitar a mulher: Viver Bem
é respeitar a mulher, porque ela representa a Pachamama, que é a Mãe Terra que
tem a capacidade de dar vida e de cuidar de todos os seus frutos. Por estas
razões, dentro das comunidades, a mulher é valorizada e está presente em todas
as atividades orientadas à vida, à criação, à educação e à revitalização da
cultura. Os moradores das comunidades indígenas valorizam a mulher como base da
organização social, porque transmitem aos seus filhos os saberes de sua
cultura.
Viver Bem e NÃO melhor: Viver
Bem é diferente de viver melhor, o que se relaciona com o capitalismo. Para a
nova doutrina do Estado Plurinacional, viver melhor se traduz em egoísmo,
desinteresse pelos outros, individualismo e pensar somente no lucro. Considera
que a doutrina capitalista impulsiona a exploração das pessoas para a
concentração de riquezas em poucas mãos, ao passo que o Viver Bem aponta para
uma vida simples, que mantém uma produção equilibrada.
Recuperar recursos: Viver Bem
é recuperar a riqueza natural do país e permitir que todos se beneficiem desta
de maneira equilibrada e equitativa. A finalidade da doutrina do Viver Bem
também é a de nacionalizar e recuperar as empresas estratégicas do país no
marco do equilíbrio e da convivência entre o ser humano e a natureza em
contraposição à exploração irracional dos recursos naturais.
Exercer a soberania: Viver
Bem é construir, a partir das comunidades, o exercício da soberania no país.
Isto significa que se chegará a uma soberania por meio do consenso comunal que
defina e construa a unidade e a responsabilidade a favor do bem comum, sem que
nada falte. Nesse marco, se reconstruirão as comunidades e nações para
construir uma sociedade soberana que será administrada em harmonia com o
indivíduo, a natureza e o cosmos.
Aproveitar a água: Viver Bem
é distribuir racionalmente a água e aproveitá-la de maneira correta. A água é o
leite dos seres que habitam o planeta. “Temos muitas coisas, recursos naturais,
água e, por exemplo, a França não tem a quantidade de água nem a quantidade de
terra que há em nosso país, mas vemos que não há nenhum Movimento Sem Terra,
assim que devemos valorizar o que temos e preservá-lo o melhor possível, isso é
Viver Bem”.
Escutar os anciãos: Viver Bem
é ler as rugas dos avós para poder retomar o caminho. Uma das principais fontes
de aprendizagem são os anciãos das comunidades, que guardam histórias e
costumes que com o passar dos anos vão se perdendo. “Nossos avós são
bibliotecas ambulantes, assim que devemos aprender com eles”, menciona.
Portanto, os anciãos são respeitados e consultados nas comunidades indígenas do
país.
Fonte: Dossiê Bem-viver, ISER Assessoria e IHU.
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