Abordaremos duas questões: conceito básico de “consciência planetária” e que tipo de “consciência” está aqui implicada. Este tema foi originalmente publicado no artigo “Consciência planetária, sustentabilidade e religião”, na Revista “Horizonte”, onde você encontra a bibliografia correspondente.
Consciência ou visão planetária significa a (re)descoberta de que o mundo se torna um todo, o ser humano é membro da Terra e deve assumir a responsabilidade pelo futuro do planeta habitável. Tal percepção se configura como um modelo de compreensão que, nos humanos, incide sobre a visão de si mesmos e das suas relações, levando a posturas, gestos, iniciativas, políticas e processos em vista da sustentabilidade. Esse caminho também repercute na experiência religiosa, na mística, na compreensão acerca da relação do ser humano com o Sagrado. Alcançar a visão planetária expressa uma significativa e ainda minoritária etapa da evolução da humanidade, implicando tarefa de expansão e aprofundamento. Espera-se que a consciência planetária contagie mais pessoas, povos e países.
O conceito de consciência planetária é esboçado no Preâmbulo da Carta da Terra, em estilo esperançoso e estimulador :
No meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a esse propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade da vida e com as futuras gerações.
Vejamos agora o primeiro elemento que compõe o conceito de consciência planetária e a relação entre eles: o fato de ser uma forma específica de “consciência”.
Na linguagem comum, “estar consciente” equivale a manter-se desperto, com as funções mentais ativas. Opõe-se ao estado de sono ou qualquer outra forma de desconexão de parte dos mecanismos sensoriais. “Ser consciente de” alude a compreender determinada situação, ter as informações necessárias e saber das consequências de suas escolhas. Tem também uma conotação ética. Uma pessoa “sem consciência” não julga corretamente suas ações, distingue de forma insuficientemente o bem do mal, aparentemente não sente culpa pelos erros cometidos, nega-se a avaliar o resultado de suas ações em relação aos outros. No horizonte das ciências modernas, o termo “consciência” abarca uma multiplicidade de sentidos: psicológico, sociológico, social, histórico, de classe, ético e outros. Vamos selecionar alguns deles.
A consciência está ligada ao processo de compreensão, à percepção. A pessoa tem a capacidade de assimilar, interpretar e reelaborar algo através da inteligência, levando a aperfeiçoar ou recriar conceitos, emitir juízos éticos com discernimento, relacionar fatos e teorias. A percepção influencia a maneira como vemos, julgamos, conceituamos e qualificamos as realidades subjetivas, intersubjetivas e objetivas . Por meio dela o ser humano se apropria das informações obtidas pelos sentidos, ao interpretá-las, selecioná-las e organizá-las.
O educador ambiental Genebaldo Freire Dias utiliza a expressão “ecopercepção” como compreensão das principais questões socioambientais, suas causas e possíveis soluções. Na perspectiva do autor, o que está em jogo não é somente o acesso às informações, mas sim a forma como captamos as informações e as relacionamos. Ecopercepção implica uma postura ética: tomar atitudes pessoais e coletivas em vista da continuidade da teia da vida em nosso planeta.
Convém notar que a consciência planetária é mais do que ecológica, pois tematiza a utopia viável de superação da exploração econômica, social, étnica e política, em favor de sociedades interconectadas com equidade, que cultivem o respeito, a tolerância, a diversidade e a cooperação.
A visão planetária, embora assumida por cada pessoa, pode ser classificada como um tipo de consciência coletiva, na acepção de Durkheim. Do ponto de vista da sociologia, o termo “consciência” compreende: quem somos (autoconhecimento), o que é o mundo (conhecimento experiencial da realidade) e o que deve ser mudado nele (critérios éticos para a ação transformadora). Neste sentido, “consciência planetária” designa o conjunto de ideias e valores que fundamentam e motivam um amplo movimento social em defesa da vida na Terra.
A visão planetária é uma forma de “consciência crítica”, tal como é compreendida por João Batista Libanio: autocompreensão do ser humano, nas suas relações intersubjetivas, comunitárias e estruturais. Libanio identifica três etapas de evolução da consciência na humanidade: o momento do objeto, o do sujeito e o social . Posteriormente, ele acrescenta o momento da consciência ecológica. Assim, articula o pensar dialético com o quântico. Intenta ajudar as pessoas a pensarem, compreendendo os complexos mecanismos que envolvem a vida intelectual. Segundo ele, como atitude fundamental, o senso crítico é um esforço para superar as primeiras impressões, o óbvio, o imediato, o visivelmente aparente, indo às raízes da realidade.
A dimensão crítica da consciência planetária se liga àquilo que Goleman chamou de “inteligência ecológica”, ao desenvolvimento de sensibilidade abrangente que permite perceber as interconexões entre as ações humanas e seus impactos ocultos no planeta, na saúde dos indivíduos e da coletividade e nos sistemas sociais. Segundo ele, trata-se de uma habilidade que se conquista coletivamente, implicando a conscientização acerca das consequências profundas do que fazemos e do que compramos, a determinação de mudar para melhor e a disseminação dos conhecimentos adquiridos,
No dizer do filósofo José Carlos Aguiar de Souza: “A consciência planetária significa um estar atento aos destinos do planeta que é a nossa casa comum (..), consciente dos problemas que o afetam”. Num só movimento, a consciência plenamente atenta se encontra presente tanto a si mesma quanto à alteridade dos seres bióticos e abióticos, que constituem a ecosfera.
Portanto, o termo “consciência”, aplicado à visão planetária, significa simultaneamente: processo de compreensão, postura crítica, opção ética, além de modelo de interpretação ou paradigma emergente.
Fonte: http://periodicos.pucminas.br/index.php/horizonte/article/view/P.2175-5841.2013v11n30p443
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