O presidente da ONG Rodas da Paz, Uirá Felipe Lourenço, concedeu entrevista à IHU On-Line, que divulgamos aqui.
Em que contexto surgiu o Dia Mundial sem Carro e de que forma este momento pode contribuir para uma sociedade mais sustentável?
Uirá: A data surgiu na França em 1998, espalhou-se pela Europa e chegou ao Brasil. Atualmente muitas cidades brasileiras promovem ações. A data é uma oportunidade de repensar o modelo de cidade que temos, com excessiva frota motorizada em circulação.
Que problemas o Dia Mundial sem Carro ajuda a minimizar?
Uirá – A proposta do Dia Mundial sem Carro alerta para os diversos malefícios que a excessiva dependência do automóvel nas cidades causa: acidentes e mortes no trânsito, congestionamento, poluição, barulho, estresse e mau uso do espaço público.
De que maneira esta data pode ajudar a sociedade a repensar a cidade?
Uirá – As várias ações propostas servem para que a população reflita sobre o transporte nas cidades. O Desafio Intermodal, por exemplo, testa as diversas modalidades de transporte quanto a tempo, custo, poluição e segurança. As bicicletas costumam se destacar e chegar em primeiro lugar. Mesmo em Brasília, com o contexto altamente favorável ao automóvel, nas três edições do Desafio Intermodal realizadas, a bicicleta se destacou em todos os quesitos, inclusive tempo.
Outra ação interessante, geralmente realizada na semana em que se comemora o Dia Mundial sem Carro, é a Vaga Viva. No espaço tradicionalmente ocupado por carros (vagas de estacionamento) promovem-se atividades de lazer, esportivas e culturais. Por exemplo, deixam-se livros e poltronas para que a pessoa possa se sentar e ler. Um espaço morto, em que o motorista deixa o carro o dia inteiro parado (área sem utilidade pública), ganha vida e utilidade para a população.
Por que a cidade “tem um contexto urbano que não favorece pedestres e ciclistas”?
Uirá – As cidades brasileiras, de forma geral, ainda permanecem com a lógica atrasada de incentivar o transporte individual motorizado. Túneis, viadutos e ampliações de vias ainda fazem parte dos planos e das obras governamentais. Cidades modernas já não fazem isso há décadas. A ordem do dia nas cidades efetivamente modernas é investir em transporte coletivo e no transporte não motorizado. Assim, tais cidades investem em corredores exclusivos de ônibus, em integração, em moderação de tráfego (por exemplo, reduz-se o limite de velocidade na via para permitir melhor convivência entre motorizados e não motorizados), em ciclovias, ciclofaixas e calçadas contínuas e de boa qualidade.
Como exemplo da política atrasada, na nossa capital federal, o estacionamento de carros em área pública é gratuito, um grande incentivo a se permanecer com a alta dependência do carro. Ao mesmo tempo, inexistem vagas públicas para bicicletas. Existem projetos para aumentar ainda mais as vagas para carros, inclusive com estacionamentos subterrâneos, e para ampliar mais vias. E o transporte coletivo continua sofrível: caro, desintegrado, superlotado, sem pontualidade e nem informações básicas aos usuários sobre linhas e horários.
De que forma a data pode auxiliar as autoridades a repensar as capitais e o meio ambiente?
Uirá – Por meio de seminários e de várias ações, as autoridades e técnicos que lidam com o tema mobilidade urbana também são convidados a repensar sobre o modelo ultrapasso de cidade em termos de mobilidade.
O senhor acredita que o grande problema não está no carro isoladamente, mas na “cultura do carro”, que se instalou na sociedade contemporânea? Por quê?
Uirá – O carro em si não é culpado. Países ricos e com alta motorização, como Holanda e Dinamarca, conseguem ser exemplo em mobilidade urbana. Lá, a população tem carro, mas não o utiliza de forma abusiva, no dia a dia. As pessoas pedalam e caminham muito, além de contar com um ótimo sistema de transporte coletivo. Aqui a cultura é de se priorizar o carro, incentivar o uso. Até mesmo pelo status que um carro novo e potente ainda representa.
Quais seriam as estratégias para diminuir o número cada vez maior de carros nas ruas?
Uirá – Oferecer boas condições para os usuários do transporte coletivo, com um sistema eficiente e integrado, e dar segurança e conforto aos que optam por pedalar e caminhar. Num momento posterior, pensar em restrições ao automóvel, como taxar ou proibir a circulação de carros na área central.
Que implicações ambientais, sociais, de saúde e urbanos o número de carros cada vez maior nas ruas pode trazer?
Uirá – Mortes e feridos no trânsito (o Brasil tem níveis epidêmicos, são cerca de 40 mil mortes por ano no trânsito), desigualdade no uso do espaço urbano (a minoria usuária de carro conta com a maior parte do espaço na via), isolamento social (o carro isola as pessoas no seu interior), fator adicional de obesidade, congestionamentos e perda de produtividade, estresse e barulho.
O Dia Mundial sem Carro é um momento que alerta para a mudança dos hábitos diários da população. Mas, de que maneira a data pode significar uma real mudança cotidiana, e não apenas em alguns dias do ano?
Uirá – A ideia é refletir sobre a cidade e demonstrar boas iniciativas. É fundamental que a partir da reflexão promovida na data se apliquem ações em favor da mobilidade saudável.
Que ações o governo pode tomar para oferecer outras saídas viáveis de locomoção e bem estar à população, para que estas dependam menos dos carros para se locomover?
Uirá – Medidas simples como reduzir o limite de velocidade nas vias, criar calçadas contínuas e caminhos seguros aos ciclistas. Criar vagas de estacionamento seguros e confortáveis para usuários de bicicleta.
Como vê a relação carros/ciclistas no trânsito das cidades?
Uirá – Infelizmente, os motoristas não têm boa formação e, muitas vezes, desconhecem ou ignoram os dispositivos do código de trânsito que protegem ciclistas e pedestres. Por exemplo, a distância lateral de um metro e meio ao passar por um ciclista e a preferência que o ciclista tem na via. E por parte do poder público faltam campanhas educativas e de fiscalização que garantam a segurança do ciclista. Mesmo assim, é possível pedalar nas cidades, tomando-se as devidas precauções e escolhendo-se os caminhos mais tranquilos.
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