sábado, 13 de junho de 2009

Comentário sobre o Simpósio: mudanças climáticas e justiça social

Johannes Gierse
Imagine um evento com a participação de 180 pessoas, vindas das bases organizadas e militantes de todos os cantos, encontrando-se em Brasília durante três dias para atualizar as informações, avaliar seu significado e aglutinar as forças sociais e eclesiais sobre um problema que é grave, global e urgente: as mudanças climáticas e a justiça social! Para quem é comprometido com essa causa, percebe logo a sua relevância e reacende aquela esperança que é “a última que morre”, pois há pessoas de boa vontade, em todo mundo, que dão a sua vida para que a humanidade possa sobreviver no planeta Mãe-Terra.
É isto que aconteceu nos dias 8 a 10 junho, durante o I Simpósio Internacional organizado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e pela entidade católica alemã MISEREOR. Este simpósio é o terceiro, depois de El Salvador e Bolívia, de quatro outros a serem realizados na Ásia, África e América Latina e que têm como objetivo o levantamento global dos impactos das mudanças climáticas nos povos indígenas, ribeirinhos e populações empobrecidas que, além da injustiça social, são também os primeiros vulneráveis aos impactos ambientais. A MISEREOR coleta dados que sirvam para cobrar mais responsabilidade dos países ricos, tendo em vista a próxima Conferência sobre Mudanças Climáticas em Copenhagen, Dinamarca, em dezembro de 2009.

As circunstâncias atuais do Simpósio não poderiam ter sido mais significativas e contraditórias: por um lado, somos todos/as testemunhas dos atuais mudanças climáticas verificadas pelas enchentes em grandes partes do Nordeste e Norte, e a seca no Sul. São sinais nítidos de que os tempos estão mudando e que o clima e o regime das chuvas estão modificados, apresentando desafios de compreensão e de busca de novas relações com o universo. E fomos surpreendidos com a Medida Provisória 458/09 que dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União; medida anti-ecológica e injusta. Não só o Ministro do Meio Ambiente, mas toda o movimento sócio-ambiental foi atropelado pelos Ruralistas e pelo lobby do agronegócio, pelos interesses econômicos e financeiros.
O simpósio iniciou sua reflexão a partir do drama comprovado: Quem não se comove ao ouvir os depoimentos dos flagelados da seca em Rio Grande do Sul, da representante da Cáritas que se sentiu impotente, perdida diante do caos generalizado e desumano em 100 municípios do Maranhão atingidos pelas enchentes? O Brasil todo – a sociedade civil e as políticas publicas – de forma alguma está preparado para enfrentar tantas mudanças, impactos e sofrimentos.

A presença de cientistas foi decisiva para apresentar os dados e os conhecimentos resultantes de suas pesquisas e análises:
- Prof. Tércio Ambrizzi do Departamento de Ciências Atmosféricas da USP apresentou os dados meteorológicos das mudanças climáticas e suas conseqüências sócio-ambientais.
- Phillip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas na Amazônia em Manaus, integrante do IPCC, e Roberto Malvezzi, coordenador da CPT, deram explicações sobre a política florestal, agrária e energética do governo brasileiro.
- Anika Schroeder da MISEREOR apresentou um painel sobre as Conferências da ONU que tratam das mudanças climáticas e seu significado para as políticas nacionais e regionais.
- Luis Carlos Susin, teólogo da PUC/RS, abordou as riquezas de uma nova Teologia da Criação, e o teólogo Afonso Murad do ITESP/SP e FAJE/MG explicou o compromisso ético do ser humano para com a Casa Comum.
Com grande interesse ouviu-se também a visão popular sobre o convívio entre o homem e a Terra: representantes dos indígenas, pescadores tradicionais e um sacerdote de matriz afro encantaram a todos/as ao testemunhar vivamente como eles se relacionam dentro de suas crenças com os elementos da Terra e tentam a resistir sempre contra as ameaças da chamada civilização moderna.

Na sua parte prática, o Simpósio reuniu representantes de entidades eclesiais e movimentos sociais diferentes que têm em comum o compromisso da construção de sociedades assentadas sobre a justiça sócio-ambiental. Elaborou-se pistas e propostas em relação à alternativas energéticas, à práticas de agro-ecologia, às políticas de florestas, à prática de transporte urbano, saneamento e manejo e resíduos sólidos, às práticas na organização do trabalho, produção e troca, às ações políticas em vista da democratização e do Estado de Direito, e enfim, às políticas internacionais. (Vale a pena conferir no site da CNBB – Pastorais Sociais!).
Reagindo também imediatamente às novas ameaças para um desenvolvimento justo e sustentável, os participantes enviaram uma Carta Aberta ao Presidente Lula apelando que não se curve “às pressões do poder econômico e escutará o clamor que brota do seio da Mãe terra, dos povos da floresta e de todos os que se empenham pela sustentabilidade do planeta”. Outra Carta de apoio aos povos indígenas no Peru denunciando as violências e injustiças cometidas por parte do governo peruano foi entregue à Embaixada do Peru no Brasil por alguns representantes do Simpósio.

Claudio Moser, representante da MISEREOR, expressou no seu discurso final a sua profunda gratidão pelo êxito do evento e chamou a atenção para três pontos:
- Considerar as ligações nacionais e internacionais: Sendo que o modelo econômico-político do Brasil é direcionado à exportação, os impactos locais são evidentes para as mudanças climáticas. Isto tem a ver com a questão do modelo de desenvolvimento que se quer seguir.
- Apoiar as populações pobres para agirem e reagirem com seus próprios hábitos culturais, econômicos e sociais frente aos problemas globais.
- Buscar formas de participação dos povos empobrecidos, especialmente dos atingidos pelas mudanças climáticas, para que tenham voz e vez no planeta.
Essa deve ser a meta da CNBB, das Pastorais Sociais, das ONG’s e da MISEREOR.

Imagine agora a repercussão que este Simpósio produzirá na sociedade e na política! Imagine o efeito transformador quando cada vez mais cidadãos do planeta crescem em consciência sócio-ambiental e se mobilizam para conseguir ações políticas capazes de impulsionar as transformações estruturais necessárias! Imagine o imenso valor de sua parcela! O tempo urge...

Johannes Gierse, franciscano alemão, há anos radicado no nordeste brasileiro, é mestrando em missiologia no ITESP/SP.

Um comentário:

  1. Johannes, obrigada pelo seu depoimento! Que este estimule a todoas nesta causa tão fascinante e desafiadora.Carla

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