sábado, 22 de agosto de 2009

Ecoteologia e a unidade da experiência salvífica

Um dos elementos originais da ecoteologia consiste na forma de compreender a relação entre criação, graça e pecado, encarnação, redenção e consumação. Ou seja, a unidade e a interdependência dos elementos que constituem a experiência salvífica cristã. E, no interior desta reflexão, proclama-se que todos os seres participam do projeto salvífico de Deus. Vejamos como se percebe tal realidade a partir da Bíblia.

Na experiência do Povo de Israel, a crença no Deus criador amplia e aprofunda a fé em Javé salvador. Salvação aqui é entendida em sentido histórico, e não inclui ainda o destino do ser humano após a morte. O mesmo Senhor que libertou o povo da escravidão do Egito – e esta é a experiência salvífica fundante -, convoca-o para o pacto de Aliança. Interessante notar como em alguns Salmos passa-se tranquilamente da proclamação do Deus criador para o Deus-salvador. O Sl 136 resume este louvor ao Deus criador e salvador: o amor de Javé perdura para sempre! O Deus que criou os céus, a terra, as águas, os astros (v.1-9), libertou o povo da escravidão do Egito (v.10-15) e o conduziu pelo deserto (v.16-24). Deus cria salvando e salva criando.

Após a frustrante experiência do reinado e da destruição da nação, eclode através da consciência profética a esperança de uma nova criação (Is 40,3-5; Is 11,6-9; Ez 47,1-12). O termo não alude a uma reconfiguração da comunidade biótica, com o desenvolvimento de novas espécies de plantas e animais, e sim, a uma nova sociedade onde reina a paz, a fraternidade, o conhecimento de Deus, a justiça e a misericórdia. Diríamos hoje: a criação é a mesma, a situação dos seres humanos nela muda radicalmente. Por que então o escritor bíblico usa este termo? Ele expressa que a criação não é algo acabado, pois está aberta ao futuro. Se o povo de Deus mudar suas posturas com relação a Javé e colocar em prática os seus preceitos, algo se transformará também no ambiente. E há algo mais. De forma simbólica – e não se trata somente de uma metáfora – os autores bíblicos tem consciência de que os outros seres participam da glória que Deus reserva ao seu povo: “É na alegria que vocês vão sair, e serão conduzidos na paz. Na passagem de vocês, montanhas e colinas explodirão em aclamações, e todas as árvores do campo baterão palmas” (Is 55,12s).

Nos evangelhos sinóticos, anuncia-se que Jesus é o messias, o salvador, o Filho de Davi, aquele que inaugura o Reinado de Deus (Mc 1,15) e manifesta o Deus do Reino. Pelos gestos e as palavras de Jesus, o Reino está acontecendo. A salvação já começou! O evangelista Lucas tematiza isso de forma breve e inequívoca, no encontro de Jesus com Zaqueu: Hoje a salvação entrou nesta casa (Lc 19,9). Já o quarto evangelho, especialmente no prólogo, explicita que a experiência salvífica ganha densidade com a encarnação do Filho de Deus: O verbo habitou entre nós, e nós vimos sua glória (Jo 1,14).
Os escritos paulinos buscam interpretar o sentido da morte e da ressurreição de Jesus para as primeiras comunidades cristãs. Paulo usa várias imagens e analogias, tomadas de seu contexto cultural: libertação do pecado, vitória sobre a morte, vida entregue, redenção da escravidão do pecado, expiação, morte do justo (2 Cor 5,15; Rm 6,10, Gl 2,20, Ef 5,2). Nenhuma delas, de forma isolada, dá conta de explicar o sentido salvífico da morte de Jesus. Paulo explicita que a ressurreição de Jesus também é salvadora. Jesus, o ressuscitado, é o primogênito, o verdadeiro Adão, o primeiro membro da nova humanidade (Cl 1,15.18). Por isso, podemos esperar a vinda gloriosa de Jesus, na qual ele entregará o Reino ao Pai (1 Cor 15,24). Desta esperança ativa da consumação, da recapitulação, todas as outras criaturas participam, gemendo e clamando (Rm 8,22)! E o autor do Apocalipse anuncia que esta esperança já começou a se realizar: “Eu vi um novo céu e uma nova terra” (Ap 21,1).

Como bem observa Moltmann, quem procura por declarações sobre a criação no Novo Testamento, frequentemente se decepciona. O testemunho neotestamentário da criação não está centrado no início do mundo e sim no querigma da ressurreição e na pneumatologia. Nelas, o criar de Deus é escatologicamente compreendido como “chamar à vida”, “ressuscitar” e “vivificar”, pois se referem à criação no fim dos tempos, ou seja, a nova criação.
Podemos dizer, à luz da Sagrada Escritura, que criação do mundo e nova criação, iniciada com a ressurreição de Jesus, são realidades interdependentes. Da forma semelhante, a encarnação de Jesus, sua vida e missão, sua morte de cruz e a ressurreição são distintos momentos de uma mesma realidade salvífica. Ofertada ao ser humano como graça e dom, a salvação começa a se realizar na história (irrupção do Reino de Deus) e se consuma para além dela. Os que acolhem a graça divina são transformados em novas criaturas (2 Cor 5,17) e estabelecem relações, baseadas no amor, com a comunidade humana e todos os outros seres.

O que isso tem a dizer à Teologia em perspectiva ecológica? A ecoteologia não é simplesmente uma teologia da criação com tons verdes. A partir da unidade da experiência salvífica na Bíblia, a ecoteologia afirma que há ligações estreitas e complexas entre a criação do cosmos e seu processo evolutivo, o surgimento dos seres humanos no nosso planeta, a história da revelação divina com suas etapas, a encarnação do Filho de Deus, a inauguração do Reino de Deus em Jesus, sua morte redentora e a ressurreição como primícia da nova criação. O Espírito de Deus anima e sustenta todos os seres bióticos e abióticos, nas belas e múltiplas relações da teia da vida. Portanto, a história humana e seu destino final devem ser compreendidos em íntima relação com o ecossistema, a nossa casa comum. Não se trata somente de uma mudança de conceitos e de percepção, mas também na espiritualidade e na ética. A luta pela “vida plena” (Jo 10,10) se traduz também em empenho pela sustentabilidade, em garantir a continuidade da vida no nosso planeta. E a experiência de Deus, no cultivo da sintonia orante com todos os seres, criados com carinho pelo Senhor e destinados à glória.
Texto: Afonso Murad (parte de artigo publicado em Pistis e Práxis, 2009)
Figura: Elda

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Alunos do Curso "Ecologia e Práxis Cristã"

Alunos da Graduação do Curso de Gestão Pastoral do ISTA (Instituto Santo Tomás de Aquino), que estão fazendo fazendo a disciplina "Ecologia e práxis cristã".

Estudantes do Curso "Ecologia e Fé Cristã"

Parte dos alunos da graduação de Teologia da FAJE (Faculdade Jesuíta), em Belo Horizonte, cursando a disciplina opcional "Ecologia e Fé Cristã".

terça-feira, 11 de agosto de 2009

ATITUDE- Recuse sacolas plásticas

Quantas sacolas descartáveis você recusa por dia?
Para provocar a reflexão sobre a importância de reduzir as sacolas descartáveis do cotidiano, o SITE Planeta Sustentável criou uma campanha diferente: através de um contador – na sua home do site -, você pode registrar a quantidade de sacolas descartáveis que recusar a cada dia. Para cada NÃO, um clique. Que tal participar? E, ainda, compartilhar esta ideia?

A proposta do contador do site Planeta Sustentável – que está em destaque na home do site - é incentivar a discussão e a reflexão a respeito de um problema tão sério como a proliferação das sacolas descartáveis, a partir do seu uso indiscriminado e irresponsável. Precisamos, realmente, de tantas sacolas – feitas de plástico e de outros materiais igualmente nocivos ao meio ambiente? Será que precisamos delas para carregar qualquer produto que compramos ou, mesmo, para forrar latas de lixo? Por que não as substituímos por sacolas retornáveis – de pano, de lona vinílica (muito usada em banner promocionais) ou outros materiais recicláveis – que podem estar sempre à mão na bolsa ou no carro? Essa é a provocação que fazemos. Recusou uma sacola descartável no supermercado, na farmácia, na padaria ou numa loja? Ótimo! Registre, aqui, no contador. Para cada sacola, um clique. Divulgue esta ideia em casa, para seus amigos e colegas de trabalho ou da escola, em seu condomínio, no bairro...
DURA REALIDADE
Hoje, a urgência em eliminarmos - ou, pelo menos, reduzirmos - o uso das sacolas descartáveis é inegável. Desde o início desta década - pelo menos - há diversas iniciativas, nesse sentido, pelo mundo. Algumas baseadas em pura ideologia e consciência; outras levando em conta “o bolso”, já que boa parte da humanidade - infelizmente - só entende a linguagem do dinheiro. Mas, que seja! O que importa é o resultado que se obtém da iniciativa: a redução da agressão ao meio ambiente.
Eis alguns exemplos:
- a Irlanda foi o primeiro país da Europa a aplicar impostos sobre o uso de sacolas plásticas. Isso aconteceu em 2002 e reduziu em 90% o consumo do produto;
- em 2005, Ruanda acabou com a "festa" das sacolinhas;
- em Bangladesh, isso aconteceu em 2007;
- em 2007, também, São Francisco foi a primeira cidade a proibir o uso dessas sacolas;
- no ano passado, a China começou uma campanha para acabar com as descartáveis gratuitas e
- Israel, Canadá, Índia, Botswana, Kenya, Tanzânia, África do Sul, Taiwan e Singapura também proibiram seu uso ou estão a caminho disso.
E por aqui? No Brasil, ainda não há registro de cobrança de impostos para o consumidor que optar pelas sacolinhas descartáveis. Talvez fosse uma boa alternativa. Mas já existem algumas iniciativas interessantes: no ano passado, em Santa Catarina, a ACATS - Associação Catarinense de Supermercados liderou uma campanha para incentivar os supermercados a abandoná-las de vez. Em junho deste ano, foi a vez do governo se manifestar: o Ministério do Meio Ambiente - MMA lançou a campanha “Saco é um saco”, focando diretamente no consumo das sacolas plásticas. E a tendência é que esse tipo de manifestação cresça, cada vez mais. Afinal, as sacolas descartáveis ocupam espaço considerável nos aterros sanitários e lixões, onde demoram cerca de 400 anos para se decompor e ainda entulham ruas e parques e poluem os oceanos, matando os animais - baleias, focas, golfinhos, tartarugas e aves, só para citar alguns - que as engolem porque as confundem com alimento. Assusta pensar na quantidade de sacolinhas que circulam pelo planeta anualmente: - no mundo, são produzidas de 500 bilhões a 1 trilhão de sacolas plásticas - só no Brasil, são 12 bilhões.
Hoje, a sacola descartável está presente no cotidiano de pessoas de todas as idades e classes sociais. Para quem vende ou para quem compra, tornou-se automático associar qualquer produto a uma sacola: não só em grandes compras, como também nas pequenas. Quem nunca carregou um simples livro, uma caixa de remédio, uma lata de refrigerante ou qualquer objeto solitário numa sacola descartável? Mas o que o MMA aponta como a maior causa para sua proliferação é seu uso para forrar latas de lixo – seja em casa, na escola, em banheiros, nos escritórios... Então, está na hora de alterar hábitos.
Veja mais números e entenda porque é importante participar: vamos supor que você use/aceite seis sacolas plásticas por semana. Isso representa cerca de:
- 24 sacolas plásticas/mês
- 228 sacolas/ano
- mais de 22 mil ao longo de sua vida.
Já imaginou onde vai parar tudo isso?

LEIA TAMBÉM: O perigo da sacola plástica

Fonte: Mônica Nunes, 05/08/2009

domingo, 9 de agosto de 2009

Pobreza e meio ambiente

Há alguns dias, entrevistei Nereide Mazzucchelli, consultora em desenvolvimento local e meio ambiente, que levantou uma ideia muito interessante: será que não deveríamos ter uma “licença social” para grandes projetos de exploração de recursos naturais, assim como já temos a licença ambiental?
Grande parte dos impactos polêmicos que saem nos jornais e atrasam obras e geram reações judiciais que podem durar anos não são ambientais, mas sociais.
No caso das hidrelétricas do rio Madeira, o problema que ficou mais famoso foi o dos peixes migratórios, já que o presidente reclamava que “jogaram o bagre no colo dele”. Mas um empreendimento desse tamanho tem de lidar com os efeitos sobre as terras indígenas, as formas de realocar as populações atingidas e, acima de tudo, o problema das migrações em massa para onde os empregos estão sendo gerados.
Para isso, diz Nereide, não há roteiros e procedimentos pré-estabelecidos. Não tem órgão licenciador, enquanto o Ibama tem de tratar de questões alheias ao seu expertise. E as questões sociais seguem a reboque das ambientais.
Para mim, a cada vez que dizemos que o meio ambiente é um nó no Brasil, estamos fazendo uma presunção baseada no licenciamento ambiental, que é onde se dão os embates. Mas a pecha ambiental encobre uma boa parte da história.
Todos (órgão ambientais, empreendedores, gestores públicos) ainda têm muita dificuldade de lidar com as implicações sociais dos rumos do progresso. Ou daquilo que se entende por progresso. Mesmo com tantos pesquisadores há décadas apresentando estudos que comprovam sempre o mesmo padrão na Amazônia. Numa região em que quase a metade da população vive abaixo da linha da pobreza, sem alternativas de renda, uma mega obra sempre atrai migração descontrolada.
É o mesmo para hidrelétricas, para mineração, para estradas. Sigo vendo prefeitos e secretários extasiados com a possibilidade de um empreendimento gigante trazer desenvolvimento para locais empobrecidos, sem nunca perceberem que, se as localidades crescerem demais sem planejamento, eles podem ficar ainda mais pobres do que estavam de partida.
Muita gente se apavora com a possibilidade de mais burocracia. Mas me alegra que a ideia de “licença social” pelo menos insista em levantar questões esquecidas.

Fonte: Carolina Derivi- Eco Balaio

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Desenvolvimento sustentável, 30 anos.

No mês de agosto, a expressão Desenvolvimento Sustentável completa 30 anos. De acordo com o economista José Eli da Veiga, em seu livro “Meio Ambiente e Desenvolvimento”, o termo foi usado pela primeira vez em 1979, durante o Simpósio das Nações Unidas sobre Interrelações de Recursos, Ambiente e Desenvolvimento, em Estocolmo. Na época, discutia-se o recente dilema “é possível conciliar crescimento econômico e preservação ambiental?”, ainda contaminado com receios de explosão demográfica e testes nucleares. A expressão apareceu em um texto de W. Burger, cujo título era “A busca de padrões sustentáveis de desenvolvimento” e adquiriu relevância quando a WCS - World Conservation Strategy decidiu fazer dela uma meta. Engana-se quem pensa – e muitos ainda pensam - que a expressão foi criada pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada pela ONU em 1983 e presidida por Gro Harlem Brundtland, que lançou o relatório Nosso Futuro Comum, em 1987. A avó do termo, “Ecodesenvolvimento”, lançada em 1973 por Maurice Strong na primeira reunião do PNUMA, desapareceu sem motivo aparente. Cá entre nós, não fez muita falta. Quanto menos burocráticas e instituicionais as expressões se tornarem, mais fácil será fazer com que as pessoas não tenham medo de aprender sobre o tema.

*World Conservation Strategy: Estratégia de conservação do Mundo
*PNUMA : Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
Fonte: Planeta Sustentável