sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Educação socioambiental em tempo de crise planetária

Entrevista do Instituto Humanitas (IHU) com Genebaldo Dias

Vivemos realmente uma crise ambiental em nível mundial?
Genebaldo – A palavra “crise” não se aplica aí. O que temos são reajustamentos ecossistêmicos. Reações esperadas para a neutralização de perturbações. Muitas destas, impostas por nós. Os sinais estão na mídia todos os dias. Ninguém precisa ser PhDeus para perceber.

– Qual a situação do Brasil com relação às mudanças climáticas? Os órgãos públicos nacionais estão fazendo o que lhes cabe para evitar que elas se aprofundem?
Genebaldo – O Brasil está muito bem representado pela Comissão Interministerial. Temos cientistas renomados ali, e as iniciativas brasileiras são inovadoras. Mas ocorre uma defasagem entre o que é necessário fazer e a percepção dos tomadores de decisão nas políticas públicas. Ainda reina uma grande ignorância sobre o assunto. Os temas de segurança climática, segurança alimentar e vulnerabilidade social, por exemplo, todos ligados às mudanças climáticas globais, são ainda desconhecidos pela classe política. Dessa forma, a América do Sul é apresentada como uma das mais vulneráveis! A partir daí, todos os ecossistemas estão sob pressão.

– Em suas obras, o senhor defende o papel da educação ambiental. Como é possível fomentar uma educação que leve em conta a sensibilização e a promoção de uma cultura socioambiental?
Genebaldo – Não vai ser por meio da coleta seletiva, da economia de água e da energia elétrica que sensibilizaremos as pessoas. Vivemos em um mundo pós-ambiental. Há uma nova insensibilidade. Evolou-se o sonho romântico do retorno à natureza intocada. Agora, estamos em outra etapa. Se não demonstrarmos por meio de práticas as consequências das nossas ações, e se não incluirmos agendas positivas nisso, não vejo saída diferente do sofrimento (que é também uma opção evolucionária!).

– Algumas leituras de mundo religiosas levaram a um certo antropomorfismo. O que é necessário para desconstruir essa ideia, em termos ecológicos?
Genebaldo – Quando nos disseram que vivemos confinados na superfície de uma pequena esfera flutuando no espaço escuro e gelado do universo? Os mistérios da vida, o fascínio de estar vivo, de partilhar precisam ser despertos. Uma educação que sensibilize, amplie a percepção para isso.

– O senhor também fala de “socioambientalismo”. Como conciliar as urgências da natureza com as urgências das populações em risco?
Genebaldo – Nos padrões vigentes não há conciliação possível. A equação não fecha: população crescente, consumo crescente, imediatismo, materialismo, ganância, desperdício, exclusão social, corrupção e educação e informação alienadoras formam um conjunto cruel de insustentabilidades. O desafio é que não temos mais tempo. Perdemos o momento da virada. Agora temos que arcar com as consequências. Isso significa dizer mitigação e adaptação. Foi o que fizemos. O que existe de tentativas – como gestão ambiental e seus ramos – foram e são sistematicamente burlados. Há sempre um grupo de parlamentares financiados por corporações para aprovar leis ambientais mais brandas, por exemplo. O desafio, então, é emblematicamente evolucionário.

– Dentro da perspectiva do “Tempo para a Criação”, como podemos entender o valor da Criação a partir de uma perspectiva mais ampla, ou, como o senhor sugere, “ecoperceptiva”?
Genebaldo – As corporações reconhecem o valor da Criação com a mesma intensidade com que tratam Papai Noel. O novo criador é o dólar e o euro. A catedral, o consumo. A mídia e a educação completam a rede. Alimentam a neoinsensibilidade, o “dane-se” a tudo e a todos. A sensação de “independência”. Por essa razão, estimulamos em nossas práticas a percepção dessa situação. Até mesmo como tentativas. Não sabemos se vai dar certo.

– Quais seriam as possíveis alternativas para um estilo de vida menos impactante e mais harmonioso com a natureza? Por onde começar?
Genebaldo – Não é fácil. Poucas pessoas podem ou querem abrir mão de alguma coisa. Você deixaria de comer carne (cadáver) pelo simples fato de contribuir para a redução do desmatamento, das queimadas, da perda de biodiversidade, da emissão de gases que aumentam o efeito estufa e mudam o clima? Deixaria do comer carne por questões éticas causadas pela crueldade no tratamento do gado? É fácil economizar água, energia elétrica, colocar a latinha para reciclar, essas coisas. Isso não mexe com o seu conforto, suas vontades. Mas uma decisão mais profunda mexe. Aí você não está mais disposto e rotula essa ação de ecorradicalismo, ecochatice, coisa de bicho-grilo, natureba, biodesagradável e por aí segue. Ninguém abre mão. Nem o país rico, de emitir CO2; nem o país pobre, de queimar e desmatar; e nem você, de mudar hábitos alimentares. É uma questão de escala apenas. Eis o desafio, o fascínio e o privilégio de estar presente em um momento fantástico de transição civilizatória. Ou não seria assim mesmo o caminho?

domingo, 14 de agosto de 2011

Ruralistas de olho nas Unidades de conservação

Com 758 mil quilômetros quadrados de área e uma conta de indenizações devidas estimada em R$ 20 bilhões, as Unidades de Conservação (UCs) são o mais recente objeto de disputa entre ambientalistas e defensores do agronegócio. Essa disputa, que promete repetir a polêmica da reforma do Código Florestal, nem esperou a votação das novas regras de proteção do meio ambiente terminar no Senado.

A extensão das áreas protegidas corresponde a três vezes o tamanho do Estado de São Paulo - é também 40% maior que a França. Segundo o Instituto Chico Mendes, órgão ligado ao Ministério do Meio Ambiente responsável pelas áreas, há 310 Unidades de Conservação federais, concentradas sobretudo na Amazônia, onde as unidades fazem parte da estratégia de conter o avanço do desmatamento.
Embora a maior parte das UCs (86%) esteja localizada em terras públicas, isso não significa que a União esteja isenta de pagar indenizações a eventuais ocupantes, assim como aos proprietários de áreas que tenham sido desapropriadas. Daí o tamanho do passivo.
O próprio instituto calcula que as indenizações não pagas alcancem a cifra de R$ 20 bilhões. O valor equivale a quase um ano e meio de pagamento do benefício do Bolsa Família ou três vezes o custo da obra de transposição do Rio São Francisco, a maior obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) bancada com o dinheiro dos tributos.

A nova disputa política mostrou os primeiros contornos durante a semana em audiência pública na Câmara. O deputado Moreira Mendes (PPS-RO), presidente da frente parlamentar da agropecuária, anunciou uma "grande campanha" para impedir que novas Unidades de Conservação sejam criadas sem a prévia autorização do Congresso Nacional. Hoje, a criação é feita por meio de decreto presidencial.
Os argumentos são semelhantes aos usados na votação do Código Florestal na Câmara, quando o governo foi derrotado na estratégia de manter as áreas de proteção permanentes às margens de rios e encostas e o conceito de reserva legal nas propriedades. "Daqui a pouco, do jeito que está, não sobra nada para a produção", reclamou Moreira Mendes, que convocou autoridades da área ambiental do governo à Comissão de Agricultura. O colega Valdir Colatto (PMDB-SC) fez coro: "Daqui a pouco, o Brasil vira um parque."
"O argumento de que as unidades de conservação representam um impedimento ao desenvolvimento da agricultura é uma balela. A conservação é importante para garantir a sustentabilidade da atividade econômica", reagiu Bráulio Dias, secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, presente à audiência.
(Reportagem de Marta Salomon - O Estado de S. Paulo, 14-08-2011)

Comentário: Mais uma iniciativa insana contra a sustentabilidade, com o objetivo único de aumentar o lucro imediato dos que se consideram os donos das terras e da Terra.





segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Tarefas ecológicas das Religiões

Apresentamos aqui a última parte do artigo de Marcial Maçaneiro, que aponta mais quatro tarefas das religiões a respeito da ecologia. As três primeiras já foram publicadas anteriormente neste blog.

4. Promover a ética ecológica pessoal, comunitária e global

As religiões (de cunho profético, místico ou sapiencial), chaves hermenêuticas sobre o mundo e a condição humana, constroem sentido existencial, inserem o ser humano no cosmo, propõem valores. Antes da emancipação histórica da ética, do direito e das artes, as religiões se ocupavam (como em parte ainda se ocupam) das esferas moral, jurídica e estética. Hoje, a sociedade setorizou-se e o sujeito é nutrido por várias fontes, professando ou não um determinado credo. Contudo as religiões não podem renunciar à sua responsabilidade pela vida, pelo mundo — que perdura, se aprimora e é convidada a reler-se no curso da história.
Vários autores e líderes acreditam que as religiões podem ser parceiras valiosas na promoção de uma ética ecológica, de nível triplo: pessoal, comunitária e global.

5. Dialogar em conjunto sobre questões ecológicas
Edgar Morin preconiza a tolerância proativa, cultural, consciente. Afirma que educar para tal é missão de toda pessoa humana e de toda instituição que se crê legítima. O mesmo lemos em L. Boff, M. Barros, M. Amaladoss, R. Panikkar, F. Teixeira,
Dalai Lama, João Paulo II e outros líderes. As religiões formam um cenário auspicioso para o diálogo entre ecologia da natureza e ecologia do ser humano: seu patrimônio místico, seus valores, sua força de convocação, com núcleos distribuídos nas cidades, países e continentes, possibilitam avançar em tal sentido. Aos poucos, vemos surgir fóruns, ONGs, cátedras, institutos e outros organismos, locais e internacionais, em que a ecologia é assunto da pauta interreligiosa.

6. Atuar em conjunto em causas ecológicas
Agir é o desdobramento consequente do diálogo proposto acima. Mas há também casos emergenciais, em que o agir antecede o diálogo (situações críticas, estratégias humanitárias, encontros espontâneos, ações solidárias em caso de calamidades, guerras ou exclusão). Muitos dos autores citados acima alertam para a possibilidade (aliás, feliz) de as religiões atuarem mais conjuntamente em benefício da justiça, da paz e da ecologia.

7. Reencantar a natureza
Re-encantar a natureza não significa simplesmente remitologizar o mundo. Isso seria atraente do ponto de vista psicológico-afetivo, mas poderia resvalar numa postura ingênua e pouco incidente diante dos fatores políticos, econômicos, técnicos e gerenciais que tocam à ecologia. O “re-encantamento” da natureza é proposto, não com base numa leitura anacrônica das mitologias, mas com base nos conteúdos e valores milenares delas — arquetípicos, centrais e duradouros —, capazes de educar comportamentos sustentáveis. Em termos simples, trata-se de fazer uma leitura oportuna das mitologias, símbolos e ritos referentes à condição humana na Terra, otimizando seu potencial hermenêutico (leitura do valor) e pedagógico (educador de atitudes).
Alguns autores têm oferecido elementos significativos para tal. L. Boff se concentra na sacralidade da vida — fonte de um re-encantamento conexional, cultural e ético da natureza. Outros, como Orlando Figueiredo, teórico português, propõem o paradigma de Gaia: a Terra, segundo ele, é organismo vivo, auto-organizante, que tem sido ferido, entristecido, desrespeitado, com efeitos arriscados à existência humana. Segundo esse autor, conceber a Terra como Gaia ajudaria a superar o dualismo funcionalista pessoa/natureza de estilo sujeito/objeto para tratar o planeta como “entidade” que hospeda, nutre e dialoga com a humanidade.
Outros propõem a via da compaixão (Dalai Lama); da valorização das tradições ancestrais, ligadas à identidade das culturas (Reginaldo Prandi); ou ainda, o reencantamento através da dialogicidade profunda entre sujeito e natureza (Thomas Merton e animadores do DIM – Diálogo Interreligioso Monástico). Cremos que, em perspectiva cristã, contribuem para tal a obra de Hildegard de Bingen e Francisco de Assis, entre outros.