sexta-feira, 22 de abril de 2011

Duelo entre a vida e a morte

Leonardo Boff
Num dos mais belos hinos da liturgia cristã da Páscoa, que nos vem do século XIII, se canta que “a vida e a morte travaram um duelo; o Senhor da vida foi morto mas eis que agora reina vivo”. É o sentido cristão da Páscoa: a inversão dos termos do embate. O que parecia derrota era, na verdade, uma estratégia para vencer o vencedor, quer dizer a morte. Por isso, a grama não cresceu sobre a sepultura de Jesus. Ressuscitado, garantiu a supremacia da vida.
A mensagem vem do campo religioso que se inscreve no humano mais profundo, mas seu significado não se restringe a ele. Ganha uma relevância universal, especialmente, nos dias atuais, em que se trava física e realmente um duelo entre a vida e a morte. Esse duelo se realiza em todas as frentes e tem como campo de batalha o planeta inteiro, envolvendo toda a comunidade de vida e toda a humanidade.
Isso ocorre porque, tardiamente, nos estamos dando conta de que o estilo de vida que escolhemos nos últimos séculos, implica uma verdadeira guerra total contra a Terra. No afã de buscar riqueza, aumentar o consumo indiscriminado (63% do PIB norte-americano é constituido pelo consumo que se transformou numa real cultura consumista) estão sendo pilhados todos os recursos e serviços possíveis da Mãe Terra.

Nos últimos tempos, cresceu a consciência coletiva de que se está travando um verdadeiro duelo entre os mecanismo naturais da vida e os mecanismos artificiais de morte deslanchados por nosso sistema de habitar, produzir, consumir e tratar os dejetos. As primeiras vítimas desta guerra total são os próprios seres humanos. Grande parte vive com insuficiência de meios de vida, favelizada e superexplorada em sua força de trabalho. O que de sofrimento, frustração e humilhação ai se esconde é inenarrável. Vivemos tempos de nova barbárie, denunciada por vários pensadores mundiais, como recentemente por Tsvetan Todorov em seu livro O medo dos bárbaros (2008). Estas realidades que realmente contam porque nos fazem humanos ou cruéis, não entram nos cáculos dos lucros de nenhuma empresa e não são considerados pelo PIB dos paises, à exceção do Butão que estabeleceu o Indice de Felicidade Interna de seu povo. As outras vítimas são todos os ecossstemas, a biodiversidade e o planeta Terra como um todo.

Recentemente, o prêmio Nobel em economia, Paul Krugmann, revelava que 400 famílias norte-americanas detinham sozinhas mais renda que 46% da população trabalhadora estadounidense. Esta riqueza não cái do céu. É feita através de estratégias de acumulação que incluem trapaças, superespeculação financeira e roubo puro e simples do fruto do trabalho de milhões.
Para o sistema vigente e devemos dizê-lo com todas as letras, a acumulação ilimitada de ganhos é tida como inteligência, a rapinagem de recursos públicos e naturais como destreza, a fraude como habilidade, a corrupção como sagacidade e a exploração desenfreada como sabedoria gerencial. É o triunfo da morte. Será que nesse duelo ela levará a melhor?

O que podemos dizer com toda a certeza que nessa guerra não temos nenhuma chance de ganhar da Terra. Ela existiu sem nós e pode continuar sem nós. Nós sim precisamos dela. O sistema dentro do qual vivemos é de uma espantosa irracionalidade, própria de seres realmente dementes.
Analistas da pegada ecológica global da Terra, devido à conjunção das muitas crises existentes, nos advertem que poderemos conhecer, para tempos não muito distantes, tragédias ecológico-humanitárias de extrema gravidade.
É neste contexto sombrio que cabe atualizar e escutar a mensagem da Páscoa. Possivelmente não escaparemos de uma dolorosa sexta-feira santa. Mas depois virá a ressurreição. A Terra e a Humanidade ainda viverão.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Declaração sobre o desastre nuclear Japonês

A Organização Internacional "World Future Council", que reúne importantes personalidades do mundo, comprometidas com a causa sócioambiental, publicou o documento abaixo sobre o Desastre Ambiental na usina nuclear do Japão . Entre os signatários está Dom Erwin, bispo do Xingu. Leia e divulgue.

Apresentamos nossos mais profundos sentimentos ao povo do Japão, que tem sofrido com o devastador terremoto e tsunami seguido por graves danos à Usina Nuclear Fukushima Daiichi. Parabenizamos os corajosos homens e mulheres que estão arriscando suas vidas para impedir a fuga de quantidades maciças de radiação dos reatores nucleares e dos depósitos de combustível usado em Fukushima Daiichi.
O desastre no Japão demonstrou mais uma vez os limites da capacidade humana de manter tecnologias perigosas, livres de acidentes com resultados catastróficos. Os desastres naturais combinados com os erros humanos têm demonstrado uma força potente para minar até mesmo os melhores planos. Confiança na perfeição humana reflete uma arrogância que tem levado a outras grandes falhas de tecnologias perigosas no passado, e que também o fará no futuro. O que tem ocorrido como resultado da confluência de desastres naturais e erros humanos no Japão, também pode ser provocado intencionalmente com objetivos terroristas ou em atos de guerra.

Além da destruição, acidental ou proposital, as usinas nucleares representam outras ameaças para a humanidade e para o futuro humano. As grandes quantidades de resíduos radioativos que são criados pela geração de energia nuclear continuarão altamente tóxicos por muito mais tempo do que a civilização humana existe. E não há, atualmente, nenhuma solução de longo prazo para lidar com as ameaças que estes resíduos radioativos representam para o meio-ambiente e a saúde humana. Além disso, as usinas nucleares, que recebem grandes subsídios pagos pela sociedade, têm desviado recursos financeiros e humanos do desenvolvimento de formas seguras e confiáveis ​​de energia renovável.

Programas de energia nuclear usam e criam material físsil que pode ser usado para fabricar armas nucleares e, assim, proporcionar uma via comprovada de proliferação de armas nucleares. Vários países já utilizaram programas nucleares civis para fornecer o material físsil para fabricar armas nucleares. Outros países, particularmente aqueles que contam com a possibilidade de reprocessar plutônio ou enriquecer urânio, poderiam facilmente seguir o mesmo caminho, caso assim decidissem. A disseminação de usinas nucleares não só irá tornar o mundo mais perigoso, mas tornará mais difícil, senão impossível, realizar a meta de um mundo livre de armas nucleares.

A energia nuclear não é a resposta aos problemas energéticos modernos, nem uma panacéia para os desafios da mudança climática. Não se pode pretender solucionar problemas criando outros. A energia nuclear não é viável economicamente, nem ambientalmente nem socialmente. De todas as opções de geração de energia, a energia nuclear é a que precisa de mais capital para ser produzida, desmantelar usinas é proibitivamente caro e o ônus financeiro continua por muito tempo depois que a usina foi fechada.

A tragédia no Japão aumentou a conscientização mundial sobre os gravíssimos perigos que podem resultar da geração de energia nuclear. Mesmo sendo tão graves, esses perigos não são tão grandes como os que decorrem da posse, ameaça e uso de armas nucleares - armas que têm a capacidade de destruir a civilização e terminar a vida no planeta.

A conclusão que tiramos do acidente da usina nuclear no Japão é que a comunidade humana, agindo por si mesma e com responsabilidade quanto às futuras gerações, deve ser extremamente cuidadosa em um nível muito mais elevado, mundialmente, para lidar com tecnologias capazes de provocar destruição em massa, e deve interromper gradativamente, abolir e substituir o uso dessas tecnologias com alternativas que não ameacem as gerações atuais e futuras. Isso se aplica tanto às armas nucleares como às usinas nucleares.