segunda-feira, 27 de outubro de 2014

O Espírito em uma criação esplêndida e ameaçada

Buscando visualizar numa terra esplêndida e ameaçada, a espiritualidade ecumênica da criação, Simone Morandini, doutor em teologia ecumênica, associa criação, espiritualidade e crise ecológica e faz um estudo da crise ambiental como tempo de especiais interrogações para fé e para vivencia de uma espiritualidade ecumênica da criação. O teólogo levanta as seguintes questões: A crise ambiental é espaço de conversão? A crise ecológica pode ser vivida como tempo de interrogações para fé e construção de uma sólida espiritualidade? É possível a ação do Espírito em uma criação esplêndida, mas ameaçada? Trata-se de reconhecer a palavra que chega do Senhor por meio da criação, que convoca a uma relação de contemplação da presença amorosa do Criador na criação, expressão do seu Espírito.

O desejo da espiritualidade nos conduz ao espírito, à realidade da sua ação na criação. O Espírito - na sua dinâmica de dar a vida e fazer viver, que cria e recria renovando a presença da força em nós - é visível na criação. É importante reencontrar o vínculo estreito que existe entre o espírito e a criação e colocá-lo em primeiro plano na espiritualidade ecumênica da criação. Viver essa espiritualidade significa apreender o movimento do Espírito criador, deixando-se envolver a ponto de sermos inseridos no processo próprio do espírito com a sua criação. Esse renova e cria vida em nós, dotando-nos de sensibilidade de visão da beleza do Criador por sua criatura e por sua criação que merece ser cuidada e respeitada.

Uma espiritualidade experimentada na perspectiva da relação com a criação direciona-nos a palavra da Escritura. A ação do Deus de Abrão já não interessa unicamente à interioridade humana, mas está sempre estreitamente entrelaçada com a referência à sua providencia que age no cosmo. A espiritualidade autenticamente cristã compreende e vive plenamente o mistério da páscoa de Jesus de Nazaré em relação com o grande mistério de um mundo criado bom pelo Pai e conduzido a seu cumprimento pelo Espírito. O espírito é presença do amor de Deus em nossa criação e ao mesmo tempo é força na construção de uma relação de cuidado, de respeito pela vida criada, que ensina a sentir a natureza também na sua fragilidade e o seu gemido.
A atração de uma espiritualidade da criação não deixa de apresentar os seus riscos. Há espiritualidades que se apresentam como alternativas de vida mais próxima da natureza, mas não convincentes em sua prática. Segue nesta direção a New Age, que separa as diversas esferas da vida e do nosso ser; como também a espiritualidade da creation espirituality que contrapõe a espiritualidade centrada na criação a uma espiritualidade tradicional, atenta ao pecado e à redenção. Devem apresentar características interessantes, mas nem sempre são suficientes para entender o que caracteriza a escritura cristã na sua complexidade de mostrar o sentido do negativo, da dor.  Cremos que o próprio esplendor da criação só pode ser vivido em plenitude desde que apreendido com o gemido que se eleva na crise ecológica.  

Criação e redenção não podem ser contrapostas. É preciso ver a realização de ambas no Verbo que se fez carne. Na encarnação do Filho é possível descobrir um Deus que se aproxima da criação, que se faz presença na dinâmica positiva dela, levando-a além dos seus gemidos. O espírito de Deus opera vida na dinâmica da criação, para conduzi-la à vida plena.
A perspectiva ecumênica acredita na força do diálogo interconfessional e inter-religioso para construir uma espiritualidade que salvaguarda a vida dada à criação pelo criador. Somente o diálogo e a escuta recíproca é capaz de dar valor àquela força espiritual que as varias confissões de fé doam para preservar o espaço comum, que é o planeta. Ecologia e ecumenismo compartilham da mesma casa. Espiritualidade ecumênica da criação não se resume em buscar algo em comum existente. Mais do que isso, indica gestos e palavras que ajudem concretamente a viver com mais força a própria fé e o cuidado com o planeta.
Antonio Luis Oliveira S. Filho, bolsista PIBIC em teologia na  FAJE

Fonte: MORANDINI, Simone. Terra esplêndida e ameaçada. Por uma espiritualidade ecumênica da criação. São Paulo: Loyola, 2008. Cap. I