sábado, 11 de abril de 2015

Deus e o espaço

 No texto “Deus e espaço”, Jürgen Moltmann coloca a seguinte questão: A que espaços nos leva a experiência de Deus e a que concepções de Deus chegamos quando tentamos medir os espaços em Deus e Deus nos espaços?
Nós, humanos, somos na experiência cotidiana o ponto de interseção entre os tempos do passado e do futuro, e entre os espaços na frente e atrás de nós, sobre o sob nós, e ao nosso lado, contanto que nos conscientizemos de nossa presença e estejamos espiritualmente presentes. O momento entre os tempos do passado e do futuro é também um ponto de interseção de tempo e espaço.
Para refletir, em sentido figurado, sobre os espaços de Deus, o autor faz uma pequena fenomenologia das experiências do espaço. Cada coisa tem seu tempo (tempo kairológico) e seu espaço (espaço ecológico). Esses espaços não são homogêneos e iguais para todos. Cada vida tem seu espaço vital específico; daí que quem destrói os mundos vitais de outros seres vivos mata-os.
As pessoas experienciam seu espaço de duas maneiras: como amplidão e limite. O “espaço amplo”, símbolo da liberdade, é um convite para mover-se, atravessar e experimentar o ilimitado, mas nunca podemos permanecer ou morar nele. Para permanecer, morar e dormir precisamos do espaço cercado, limitado, do espaço de morada e proteção que nos são familiares e aos quais nos confiamos. Amplidão e limite formam um todo na vida humana.
O espaço vital não deve ser compreendido apenas em plano geográfico ou ecológico, mas também social e moral. A experiência em outra coisa ou outra pessoa é realizada, antes de tudo, como existência social: sou nos outros e os outros em mim (sou na família, sou na sociedade). Esses espaços de vida sociais são complementados pelos espaços morais, espaços de decisão. Nesses espaços morais também somos sujeito e objeto ao mesmo tempo: nós nos decidimos e outros decidem sobre nós. O autor chama esses espaços de vida sociais e morais de pericoréticos, porque suas redes ou encaixes transpõem os simples espaços de vida ecológicos relacionados ao sujeito. Todo ser vivo tem seu espaço: oikos. Todo ser vivo é espaço para o outro: perichoresis.
E como nos orientamos nos espaços? No espaço da terra, nos orientamos por nosso corpo e pela sensação de equilíbrio. Nos espaços ecológicos, pela compatibilidade com o meio ambiente; nos espaços sociais, pela compatibilidade com a vida (justiça social); nos espaços morais, pelas leis morais.
Para falar dos espaços de Deus, Moltmann lembra que no judaísmo palestino do primeiro século se encontra uma antiga ligação entre espaço e Deus: Maqom (= espaço) tornou-se um nome de Deus. Maqom kadosh é o distrito sagrado da shekinah; mas sem delimitação, maqom é usado como conceito da onipresença divina. Aqui reencontra-se a amplidão e o limite: “A ti também ele te quis levar da angústia para o espaço amplo onde nada incomoda” (Jó 36,16), isto é, o espaço da redenção, o espaço vital em que a criatura redimida encontra em Deus. Mas ao lado dessa imagem há também aquela de Deus como lugar seguro, delimitado e protegido: “O Senhor dos exércitos está conosco, o Deus de Jacó é nosso refúgio” (Sl 46).
Na tradição cristã, pode-se dizer que Deus é um Deus habitável. Ele é espaço vital de seu mundo, espaço de movimentação de suas criaturas e de sua morada eterna. Isso se fundamenta na essência intratrinitária de Deus. O conceito de perichoresis designa a interpenetração das naturezas humana e divina no Deus-homem Cristo e as habitações do Pai e do Filho e do Espírito Santo uns nos outros. Em sua unidade pericorética, as pessoas trinitárias são iguais. Cada pessoa existe nas duas outras e se movimenta nelas. Graças a sua habitação recíproca, as pessoas se ligam formando uma unidade e se diferenciam entre si. Do ponto de vista de cada um dos outros lados, as pessoas trinitárias são também espaços para as outras. Cada uma é, ao mesmo tempo, espaço de vida e de morada para as outras duas. Cada pessoa da Trindade se faz, graças à perichoresis, habitável para as outras.
Deus corresponde a si mesmo quando concede em si mesmo espaço para sua criação antes de criá-la. Deus se retrai para permitir que uma realidade não-divina exista consigo e em si mesmo. Pela autolimitação do eterno surge o espaço vazio, o nihil, em que o criador então pode chamar o não-ser à existência. Ele não quer ocupar sozinho o espaço de sua onipresença. Ele se limita, para dar lugar a outro ser. Antes que o todo-poderoso se faça “criador do céu e da terra”, ele já se tornou um espaço acolhedor e sustentador para suas criaturas. E Deus respeita a singularidade e a liberdade do criado por ele, senão se contradiria a si mesmo. Ele não pode prever como suas criaturas se decidirão e para onde se desenvolverão. Deus lhes permite tempo e lhes abre um futuro imprevisível. Aprende com elas.
Mas, por que Deus faz isso? Encontramos uma resposta na história salvífica das “habitações” de Deus no espaço: em Israel, em Cristo, na Igreja e, por fim, na terra em que mora a justiça. Na história de Israel, graças à shekinah de Deus, o eterno se torna companheiro de viagem e de infortúnio de seu povo impotente. O que acontece ao povo, acontece também à shekinah divina nele.
A teologia da shekinah é a raiz da experiência divina cristã na cristologia e na pneumatologia. Mas as experiências de Deus na comunhão com Cristo ultrapassam essa teologia porque nelas a habitação de Deus recebe um corpo, um nome e uma forma: Jesus de Nazaré. Da manjedoura à cruz, Jesus experienciou o desabrigo e a falta de pátria, o abandono e a exclusão. O criador não apenas permite que sua criatura exista, mas entra em sua criação, envolve-se com ela para morar nela, ou seja, para nela repousar e permanecer. Deus se faz espaço de morada de suas criaturas e, ao mesmo tempo, entra em sua criação, a fim de torná-la seu espaço de morada. Isso corresponde à perichoresis em sua forma cristológica: é uma habitação recíproca de desiguais, não de iguais. O mundo habita em Deus de forma mundana, e Deus habita no mundo de forma divina. Eles se interpenetram, sem se destruir.
E qual é a consequência dessa decisão de Deus? O autor apresenta uma confrontação atual prática com as questões do espaço. De um lado, o grande projeto da modernidade, a viagem espacial para outras estrelas. De outro, os milhões de migrantes sem pátria e sem teto, que não encontram lugar para viver nesse planeta. Uma é prodígio da ciência e da técnica modernas, a outra é o maior escândalo da superpopulação humana da Terra e de uma política desumana.
Os que buscam a viagem cósmica sentem-se sozinhos na Terra, ou talvez buscam uma “segunda Terra” na qual se estabelecer quando o espaço vital se lhes tornar muito estreito neste planeta. Paradoxalmente, os outros, os que estão na rua não têm espaço, não têm pátria nem teto, ficam inquietos e estrangeiros num mundo que lhes é hostil. Os milhões de pessoas em países do terceiro mundo que se tornaram migrantes são o reflexo de uma política de desalojamento associal.
Sem espaço ninguém pode viver. Então, a situação das pessoas na rua, os espaços fechados das celas de prisão e dos campos de trabalho forçado, também não expulsa de nosso mundo, juntamente com essas “pessoas supérfluas”, o “Deus que habita”, o Deus da shekinah, e Jesus, o Filho do Homem “sem pátria”? A comunidade cristã se tornará uma “habitação de Deus no Espírito” (Ef 2,22) e criará lugares convidativos para o Filho do Homem presente nos “famintos, sedentos, estrangeiros, nus, doentes e presos” (Mt 25,35-36): pátria para o Deus sem pátria neste mundo?

Resumo de: MOLTMANN, Jürgen. Deus e espaço. In: ______. Ciência e sabedoria. São Paulo: Loyola, 2007. cap. 8, p.145-162, como atividade de PIBIC, bolsa da FAPEMIG, realizado por Gonzalo Benavides Mesones, estudante de Teologia da FAJE, Faculdade Jesuíta, sob orientação do prof. Afonso Murad.

Origem e consumação do Tempo

No capítulo 7 de seu livro Ciência e Sabedoria, Moltmann se pergunta pelas categorias tempo e espaço no “momento escatológico”. Ele explica que na escatologia teológica moderna, se apresentam três esquemas básicos: a escatologia coerentemente futura (Weiss, Schweitzer), a escatologia realmente presente (Dodd, Bultmann) e a visão conciliadora ou do equilíbrio, conhecida como “já, mas ainda não” (Cullmann, Kümmel, Kreck). O problema desses esquemas é que o Reino de Deus é medido com a categoria do tempo transitório, inapropriada para ele e, portanto, não permite sua compreensão.
Uma alternativa para esses esquemas consistiu na escatologia da eternidade (Althaus, Barth), que reformulava a consciência do tempo e os conceitos de tempo para pensar em escatologia na história. Segundo ela, assim como todo tempo está igualmente próximo do estado original e do pecado de Adão, todo tempo também está imediatamente próximo da consumação. Mas essa “suprassunção da história na eternidade”, que ocorre no “momento escatológico”, leva a uma des-historização da parusia e da lembrança bíblica da morte e ressurreição de Cristo.
A “teologia da história” (Pannenberg) e a “teologia da esperança” (Moltmann) quebram o conceito de tempo linear para pensar num “futuro” que não traz o passado futuro. O ser de Deus está no vir, não no vir-a-ser (e passar). Se Deus e futuro são ligados desse modo, então se pode pensar o ser de Deus escatologicamente e compreender o “futuro” teologicamente. Nesse sentido, nem a história traga a escatologia, nem a eternidade suprassume a história.
Então, qual é a relação entre o conceito escatológico de futuro e o conceito teológico de eternidade de Deus? Como eternidade e tempo são mediados no conceito escatológico de futuro? O autor tenta responder essas questões em três pontos:
1. Quando ocorre “a ressurreição dos mortos”: “no dia do Juízo” ou no dia eterno do Senhor? Segundo Paulo, a “ressurreição dos mortos” ocorre no “momento escatológico” (1Cor 15,52). Esse “momento escatológico” abrange não apenas sincronicamente todos os homens, mas diacronicamente todos os mortos; por isso, não pode ser posterior a todos os dias dos tempos, também deve ser simultâneo a todos os dias. Mas, como pensar esse “momento escatológico” da ressurreição dos mortos como escatológico e eternamente simultâneo, sem que uma dimensão suplante a outra?
Deve haver um “tempo intermediário” e um “espaço intermediário” entre a morte individual e o dia do Juízo do mundo. O “tempo intermediário” é o tempo entre a ressurreição de Cristo e a ressurreição geral dos mortos. Ele é preenchido pela soberania de Cristo e sua comunhão com mortos e vivos. O “espaço intermediário” entende-se determinado por Cristo como espaço final, porque é escatologicamente orientado.

2. Como conceber o fim dos tempos, se nele a criação não deve mais ter “tempo” e “espaço”? O “tempo final” significa que “não haverá mais tempo” (Ap 10,6). O tempo detém-se quando o mistério de Deus é consumado, isto é, quando o próprio Deus aparece para o julgamento de seus inimigos e o estabelecimento de seu Reino. Diante dessa presença eterna de Deus sobre a terra, a nova criação é chamada à sua existência. O “fim do tempo” é o início do tempo eterno da nova criação. Se esse futuro da criação é revelado e aberto em e por Cristo, então o tempo qualificado por Cristo é “tempo final”. Como a “ressurreição dos mortos” é o início da nova criação, o “fim do mundo” não é nada mais que a “ressurreição dos mortos” geral, e o fim do tempo efêmero é o início do tempo eterno.
Ante o trono e o semblante manifesto da majestade de Deus, “fugiram a terra e o céu, e não se achou lugar para eles” (Ap 20,11). Isso pressupõe que Deus concede um lugar para sua criação “escondendo” seu semblante e impondo à sua onipresença os limites em que o céu e a terra podem existir em relativa autonomia perante ele. Mas na presença real de seu semblante desvelado, manifesto, esse espaço de vida, concedido à criação “no início” passa. A nova criação é a morada da justiça de Deus.
À parada do tempo corresponde o desaparecimento do espaço da criação, suprimem-se as distâncias temporais e espaciais na simultaneidade e na onipresença do eterno. Ambas as coisas ocorrem no advento do Deus eterno e onipresente, ou seja, no “momento escatológico”.

3. O “momento escatológico” do tempo final corresponde ao “momento original” da criação do mundo? O momento original está à frente da criação do mundo na determinação de Deus de ser seu criador. Ele recolheu em si sua eternidade a fim de se ocupar com sua criação. Por isso, nesse momento original, são reunidas e preparadas todas as possibilidades que Deus desdobrará no tempo da criação. Deve-se pensar o momento escatológico numa relação especular com o momento original. A autocontração original de Deus, que possibilitou o tempo e o espaço da criação, cede à auto-expansão glorificante de Deus: surge uma nova criação.
O “momento escatológico” tem dois lados: no próprio Deus se realiza a auto-expansão: Deus aparece com “semblante descoberto” em toda a sua glória. Ele próprio vem para o Juízo e o Reino. Isso é, ao mesmo tempo, o cumprimento da meta original da criação: a autocomunicação da glória. Pela criação se realiza a transição do reino da natureza e do reino da graça para o reino da glória. Isso é o fim que a criação “no início” almejava e pela qual se norteou.

Resumo de: MOLTMANN, Jürgen. Origem e consumação do tempo... In: ______. Ciência e sabedoria. São Paulo: Loyola, 2007. cap. 7, p. 131-144, como atividade de PIBIC, bolsa da FAPEMIG, realizado por Gonzalo Benavides Mesones, estudante de Teologia da FAJE, Faculdade Jesuíta, sob orientação do prof. Afonso Murad.