No capítulo 7 de seu livro Ciência e Sabedoria, Moltmann se
pergunta pelas categorias tempo e espaço no “momento escatológico”. Ele explica
que na escatologia teológica moderna, se apresentam três esquemas básicos: a
escatologia coerentemente futura (Weiss, Schweitzer), a escatologia realmente
presente (Dodd, Bultmann) e a visão conciliadora ou do equilíbrio, conhecida
como “já, mas ainda não” (Cullmann, Kümmel, Kreck). O problema desses esquemas
é que o Reino de Deus é medido com a categoria do tempo transitório,
inapropriada para ele e, portanto, não permite sua compreensão.
Uma alternativa para esses esquemas
consistiu na escatologia da eternidade
(Althaus, Barth), que reformulava a consciência do tempo e os conceitos de
tempo para pensar em escatologia na história. Segundo ela, assim como todo
tempo está igualmente próximo do estado original e do pecado de Adão, todo
tempo também está imediatamente próximo da consumação. Mas essa “suprassunção
da história na eternidade”, que ocorre no “momento escatológico”, leva a uma
des-historização da parusia e da
lembrança bíblica da morte e ressurreição de Cristo.
A “teologia da história”
(Pannenberg) e a “teologia da esperança” (Moltmann) quebram o conceito de tempo
linear para pensar num “futuro” que não traz o passado futuro. O ser de Deus
está no vir, não no vir-a-ser (e passar). Se Deus e futuro são ligados desse
modo, então se pode pensar o ser de Deus escatologicamente e compreender o
“futuro” teologicamente. Nesse sentido, nem a história traga a escatologia, nem
a eternidade suprassume a história.
Então, qual é a relação entre o
conceito escatológico de futuro e o conceito teológico de eternidade de Deus?
Como eternidade e tempo são mediados no conceito escatológico de futuro? O
autor tenta responder essas questões em três pontos:
1. Quando ocorre “a ressurreição dos
mortos”: “no dia do Juízo” ou no dia eterno do Senhor? Segundo Paulo, a “ressurreição dos
mortos” ocorre no “momento escatológico” (1Cor 15,52). Esse “momento
escatológico” abrange não apenas sincronicamente todos os homens, mas
diacronicamente todos os mortos; por isso, não pode ser posterior a todos os
dias dos tempos, também deve ser simultâneo a todos os dias. Mas, como pensar
esse “momento escatológico” da ressurreição dos mortos como escatológico e
eternamente simultâneo, sem que uma dimensão suplante a outra?
Deve haver um
“tempo intermediário” e um “espaço intermediário” entre a morte individual e o
dia do Juízo do mundo. O “tempo intermediário” é o tempo entre a ressurreição
de Cristo e a ressurreição geral dos mortos. Ele é preenchido pela soberania de
Cristo e sua comunhão com mortos e vivos. O “espaço intermediário” entende-se
determinado por Cristo como espaço final, porque é escatologicamente orientado.
2. Como conceber o fim dos tempos,
se nele a criação não deve mais ter “tempo” e “espaço”? O “tempo final” significa que “não
haverá mais tempo” (Ap 10,6). O tempo detém-se quando o mistério de Deus é
consumado, isto é, quando o próprio Deus aparece para o julgamento de seus
inimigos e o estabelecimento de seu Reino. Diante dessa presença eterna de Deus
sobre a terra, a nova criação é chamada à sua existência. O “fim do tempo” é o
início do tempo eterno da nova criação. Se esse futuro da criação é revelado e
aberto em e por Cristo, então o tempo qualificado por Cristo é “tempo final”.
Como a “ressurreição dos mortos” é o início da nova criação, o “fim do mundo”
não é nada mais que a “ressurreição dos mortos” geral, e o fim do tempo efêmero
é o início do tempo eterno.
Ante o trono e
o semblante manifesto da majestade de Deus, “fugiram a terra e o céu, e não se
achou lugar para eles” (Ap 20,11). Isso pressupõe que Deus concede um lugar
para sua criação “escondendo” seu semblante e impondo à sua onipresença os
limites em que o céu e a terra podem existir em relativa autonomia perante ele.
Mas na presença real de seu semblante desvelado, manifesto, esse espaço de
vida, concedido à criação “no início” passa. A nova criação é a morada da
justiça de Deus.
À parada do
tempo corresponde o desaparecimento do espaço da criação, suprimem-se as
distâncias temporais e espaciais na simultaneidade e na onipresença do eterno.
Ambas as coisas ocorrem no advento do Deus eterno e onipresente, ou seja, no
“momento escatológico”.
3. O “momento escatológico” do tempo
final corresponde ao “momento original” da criação do mundo? O momento original está à frente da
criação do mundo na determinação de Deus de ser seu criador. Ele recolheu em si
sua eternidade a fim de se ocupar com sua criação. Por isso, nesse momento
original, são reunidas e preparadas todas as possibilidades que Deus desdobrará
no tempo da criação. Deve-se pensar o momento escatológico numa relação
especular com o momento original. A autocontração
original de Deus, que possibilitou o tempo e o espaço da criação, cede à auto-expansão glorificante de Deus:
surge uma nova criação.
O “momento
escatológico” tem dois lados: no próprio Deus se realiza a auto-expansão: Deus
aparece com “semblante descoberto” em toda a sua glória. Ele próprio vem para o
Juízo e o Reino. Isso é, ao mesmo tempo, o cumprimento da meta original da
criação: a autocomunicação da glória. Pela criação se realiza a transição do
reino da natureza e do reino da graça para o reino da glória. Isso é o fim que
a criação “no início” almejava e pela qual se norteou.
Resumo de:
MOLTMANN, Jürgen. Origem e consumação do tempo... In: ______. Ciência e sabedoria. São Paulo: Loyola,
2007. cap. 7, p. 131-144, como atividade de PIBIC, bolsa da FAPEMIG, realizado
por Gonzalo Benavides Mesones, estudante de Teologia da FAJE, Faculdade Jesuíta,
sob orientação do prof. Afonso Murad.
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