Jürgen Moltmann, no capítulo VI de seu livro Ciência e Sabedoria, reflete acerca da
essência do tempo e de sua experiência, apresentando e comparando os diferentes
conceitos de tempo que se aplicam nas ciências naturais, na história e na
teologia.
O autor parte do conceito de tempo irreversível porque é aplicável tanto aos processos naturais
e históricos quanto às experiências religiosas do judaísmo, cristianismo e
islamismo. Essas três religiões têm como elemento primordial a experiência de
Deus por parte de Abraão e Sara. Essa experiência de Deus está ligada às
experiências do Êxodo e do exílio, porque se orienta pela promessa e pela
esperança de um novo futuro. Essa experiência separa os tempos num passado
irrecuperável e num futuro ainda não alcançado.
“Natureza” e “história” são dois aspectos da mesma
realidade, em que os homens existem e da qual fazem parte. Daí que possa se
transferir o conceito histórico de tempo irreversível para alguns processos
naturais. O tempo histórico se refere ao sujeito da experiência, que é
historicamente mutável e, portanto, empírico. Daí se constata uma diferença
fundamental entre a experiência do tempo e a do espaço: podemos estar no mesmo
lugar em diferentes tempos, mas não no mesmo tempo em diferentes lugares.
No tempo histórico podemos distinguir modos temporais:
um antes (passado) e um depois (futuro) diferenciados pelo presente, que tanto
distingue como une os modos temporais; ele é fim do passado e começo do futuro.
Nessa perspectiva, também podemos ver no presente uma categoria da eternidade,
pois o presente produz a unidade e a diferença dos tempos. Daí se segue o
princípio teológico: em relação à eternidade só há um tempo: presente. Ele é o conceito temporal da eternidade. Apenas
o presente pode ser experienciado como existência imediata. Mas não temos
nenhuma consciência desse presente, pois todo conhecer precisa de distância do
conhecido. Assim, o presente é o mistério interno dos tempos.
Se colocamos os três modos do tempo num parâmetro
não-direcionado, os movimentos a ser medidos com ele são reversíveis e
simétricos. Em sistemas complexos, o tempo reversível assegura a estabilidade,
porque é a forma de desenvolvimento dos processos cíclicos. O tempo reversível
é um tempo atemporal.
Graças ao conceito de Entropia introduziu-se na física a noção de tempo irreversível e se
deu o primeiro passo para a percepção física da temporalidade do tempo mesmo. Então,
deve-se contar com ambas as formas temporais, a reversível e a irreversível, e
falar de um “paradoxo do tempo”? Se a natureza como um todo está em processo
histórico, então se soluciona o paradoxo em favor da noção do tempo
irreversível.
Na experiência histórica do tempo, os modos temporais
são subsumidos às modalidades do ser. Passado – presente – futuro correspondem
ao ser necessário – ser real – ser futuro. O futuro é o âmbito do possível; o
passado, o âmbito do real. E o presente, a linha de frente, na qual o possível
se realiza ou não. Isso gera a “flecha do tempo” irreversível. O futuro pode se
tornar passado, mas o passado não volta a ser futuro.
Possibilidade e realidade são modos de ser
qualitativamente diferentes. O passado lembrado é diferente do futuro esperado.
Se toda realidade na história é possibilidade realizada, então a possibilidade
é ontologicamente superior à realidade. Por conseguinte, o futuro deve ter
prioridade entre os modos temporais. Se perguntamos pela fonte do tempo, ela deve estar no futuro. Mas se deve distinguir
entre o futuro como modo temporal (que passa) do futuro como fonte dos tempos.
O futuro transcendental do tempo está presente para cada tempo: o futuro, o
presente e o passado.
Com a introdução do sujeito na experiência do tempo
surgem os fenômenos especiais do tempo histórico: não há tempo histórico sem o
sujeito que a experiencia. Em sua teoria
do tempo psicológico, Agostinho relaciona passado, presente e futuro à
percepção deles pela alma humana: pela recordação (memoria), o espírito humano presentifica o passado. Esse é o
passado presentificado, não o passado mesmo. Pela expectativa (expectatio), ele presentifica o futuro.
Esse é o futuro presentificado, não o futuro mesmo. Pela intuição (contuitus), o espírito humano percebe o
presente. Esse é o presente imediato. No espírito humano, o passado e o futuro
estão presentes graças à lembrança e à expectativa, eles são co-presentes.
Dessa associação surge no espírito humano uma simultaneidade do não-simultâneo.
Essa simultaneidade é uma eternidade
relativa, pois um dos atributos temporais da eternidade é sua
simultaneidade. A presença do espírito do homem pode ser entendida como cópia
da presença temporal absoluta da eternidade de Deus. Se pela recordação
chamamos o passado, que não é mais, de volta à memória presente, e se
antecipamos, pelas expectativas, o futuro, que ainda não é, então isso é uma
ação criativa por parte do espírito humano sobre o ausente e que não é. Portanto,
um reflexo de Deus, que chama o que não é à existência.
Há diferenças entre a história experienciada e a
própria história. No passado lembrado, existe a diferença entre o presente passado e o passado presentificado. Nas expectativas
presentificamos o futuro. Nós o
presentificamos não como futuro, mas como presente
futuro e experiência futura possível.
O entrelaçamento dos tempos no tempo histórico vai
mais longe. Todo presente passado teve, assim como foi experienciado pelas
gerações passadas, suas próprias lembranças e expectativas e também, portanto,
seu próprio entrelaçamento de passado e futuro presentificados. Quando
recordamos um presente passado, devemos perguntar também por suas lembranças e
expectativas. Na própria orientação para o futuro, buscamos as esperanças do
passado e as encontramos nas esperanças irrealizadas e nas dívidas não pagas
das gerações passadas. Nesse sentido, o futuro
da história determina os tempos e torna o passado futuro passado, o presente futuro
presente, e os tempos futuros se tornaram futuro futuro.
A experiência da eternidade no tempo não é nada mais
que a dimensão profunda do presente, porque o presente espiritual, graças à
lembrança e à expectativa, produz uma relativa simultaneidade de passado e
futuro. Essa presença da eternidade no momento histórico não é a eternidade do
Deus “totalmente distinto”, mas a eternidade análoga, relativa, participativa
de sua imagem na terra.
Não é apenas a simultaneidade de passado e futuro no
presente histórico que constitui o conceito temporal de eternidade, mas também
a experiência dessa simultaneidade. Essa é a experiência do presente como kairos, não como chronos. Kairos é o
“tempo certo, oportuno”. Na compreensão kairológica do tempo “cada coisa” tem
“seu tempo”. A compreensão kairológica do tempo é acentuada na experiência extática ou mística do
presente como “momento cumprido”. Ela interrompe o fluxo temporal histórico de
futuro e passado, nela desaparecem as lembranças e expectativas. Estamos
totalmente “aí” e nos esquecemos de nós mesmos e de nossa temporalidade. A
experiência do “tempo cumprido” na totalidade da vida vivida é a experiência da
eternidade presentificada. Dessas experiências de eternidade presentificada nasce o anseio pelo presente eterno.
Então, existe um ponto pelo qual nos
conscientizaríamos da temporalidade da vida e do mundo? Segundo a concepção
clássica, esse ponto é a morte do
sujeito, porque ela é a saída do tempo da vida e do tempo do mundo. Desde o
começo da modernidade, a morte é vista como saída do tempo para o nada eterno.
A saída para o nada nos revela a efemeridade como consequência do pecado, do
isolar-se de Deus e de seu Espírito eterno e vivificante. Mas, se a saída do
tempo é experienciada no momento cumprido da eternidade presente, a experiência
da vida temporal é diferente. A vida eterna começa já aqui e agora no meio do
tempo efêmero. Por causa dessa experiência extática do presente, a morte é
esperada como começo da transformação em vida eterna, que se consumará com a
ressurreição dos mortos. À luz dessa expectativa da ressurreição, o tempo é
essencialmente determinado como futuridade e esperado, experienciado e lembrado
como história do futuro.
Resumo de: MOLTMANN, Jürgen.. In: ______. Ciência e sabedoria. São Paulo: Loyola,
2007. cap. 6, p. 115-130, como atividade de PIBIC, bolsa da FAPEMIG, realizado
por Gonzalo Benavides Mesones, estudante de Teologia da FAJE. Orientador:
Afonso Murad. Projeto: Ecoteologia
Nesse momento que somos forçados a elevar a consciência sobre a importância da água para a vida na terra, peço a gentileza de divulgar a música Bosque das Águas.
ResponderExcluirhttps://youtu.be/hF-sfvDtLUY
Desde já expresso Amor e Gratidão