No texto “Deus
e espaço”, Jürgen Moltmann coloca a seguinte questão: A que espaços nos leva a
experiência de Deus e a que concepções de Deus chegamos quando tentamos medir
os espaços em Deus e Deus nos espaços?
Nós, humanos,
somos na experiência cotidiana o ponto de interseção entre os tempos do passado
e do futuro, e entre os espaços na frente e atrás de nós, sobre o sob nós, e ao
nosso lado, contanto que nos conscientizemos de nossa presença e estejamos
espiritualmente presentes. O momento entre os tempos do passado e do futuro é
também um ponto de interseção de tempo e espaço.
Para refletir,
em sentido figurado, sobre os espaços de Deus, o autor faz uma pequena
fenomenologia das experiências do espaço. Cada coisa tem seu tempo (tempo kairológico) e seu espaço (espaço ecológico). Esses espaços não são
homogêneos e iguais para todos. Cada vida tem seu espaço vital específico; daí que quem destrói os mundos vitais de
outros seres vivos mata-os.
As pessoas
experienciam seu espaço de duas maneiras: como amplidão e limite. O
“espaço amplo”, símbolo da liberdade, é um convite para mover-se, atravessar e
experimentar o ilimitado, mas nunca podemos permanecer ou morar nele. Para
permanecer, morar e dormir precisamos do espaço cercado, limitado, do espaço de
morada e proteção que nos são familiares e aos quais nos confiamos. Amplidão e
limite formam um todo na vida humana.
O espaço vital não deve ser compreendido
apenas em plano geográfico ou ecológico, mas também social e moral. A
experiência em outra coisa ou outra pessoa é realizada, antes de tudo, como existência social: sou nos outros e os outros em mim (sou na família, sou na
sociedade). Esses espaços de vida sociais são complementados pelos espaços morais, espaços de decisão. Nesses espaços morais também somos sujeito e
objeto ao mesmo tempo: nós nos decidimos e outros decidem sobre nós. O autor
chama esses espaços de vida sociais e morais de pericoréticos, porque suas redes ou encaixes transpõem os simples espaços
de vida ecológicos relacionados ao sujeito. Todo ser vivo tem seu espaço: oikos. Todo ser vivo é espaço para o
outro: perichoresis.
E como nos
orientamos nos espaços? No espaço da terra, nos orientamos por nosso corpo e
pela sensação de equilíbrio. Nos espaços ecológicos, pela compatibilidade com o
meio ambiente; nos espaços sociais, pela compatibilidade com a vida (justiça
social); nos espaços morais, pelas leis morais.
Para falar dos
espaços de Deus, Moltmann lembra que no judaísmo palestino do primeiro século
se encontra uma antiga ligação entre espaço e Deus: Maqom (= espaço)
tornou-se um nome de Deus. Maqom kadosh
é o distrito sagrado da shekinah; mas
sem delimitação, maqom é usado como
conceito da onipresença divina. Aqui reencontra-se a amplidão e o limite: “A ti também ele te quis levar da angústia
para o espaço amplo onde nada incomoda” (Jó 36,16), isto é, o espaço da
redenção, o espaço vital em que a criatura redimida encontra em Deus. Mas ao
lado dessa imagem há também aquela de Deus como lugar seguro, delimitado e
protegido: “O Senhor dos exércitos está
conosco, o Deus de Jacó é nosso refúgio” (Sl 46).
Na tradição
cristã, pode-se dizer que Deus é um Deus habitável. Ele é espaço vital de seu
mundo, espaço de movimentação de suas criaturas e de sua morada eterna. Isso se
fundamenta na essência intratrinitária de Deus. O conceito de perichoresis designa a interpenetração
das naturezas humana e divina no Deus-homem Cristo e as habitações do Pai e do
Filho e do Espírito Santo uns nos outros. Em sua unidade pericorética, as pessoas trinitárias são iguais. Cada pessoa existe
nas duas outras e se movimenta nelas. Graças a sua habitação recíproca, as
pessoas se ligam formando uma unidade e se diferenciam entre si. Do ponto de
vista de cada um dos outros lados, as pessoas trinitárias são também espaços
para as outras. Cada uma é, ao mesmo tempo, espaço de vida e de morada para as
outras duas. Cada pessoa da Trindade se faz, graças à perichoresis, habitável
para as outras.
Deus
corresponde a si mesmo quando concede em si mesmo espaço para sua criação antes
de criá-la. Deus se retrai para permitir que uma realidade não-divina exista
consigo e em si mesmo. Pela autolimitação do eterno surge o espaço vazio, o nihil, em que o criador então pode chamar o não-ser à existência. Ele
não quer ocupar sozinho o espaço de sua onipresença. Ele se limita, para dar
lugar a outro ser. Antes que o todo-poderoso se faça “criador do céu e da
terra”, ele já se tornou um espaço
acolhedor e sustentador para suas criaturas. E Deus respeita a singularidade e
a liberdade do criado por ele, senão se contradiria a si mesmo. Ele não pode
prever como suas criaturas se decidirão e para onde se desenvolverão. Deus lhes
permite tempo e lhes abre um futuro imprevisível. Aprende com elas.
Mas, por que
Deus faz isso? Encontramos uma resposta na história salvífica das “habitações”
de Deus no espaço: em Israel, em Cristo, na Igreja e, por fim, na terra em que
mora a justiça. Na história de Israel, graças à shekinah de Deus, o eterno se torna companheiro de viagem e de
infortúnio de seu povo impotente. O que acontece ao povo, acontece também à shekinah divina nele.
A teologia da shekinah é a raiz da experiência divina
cristã na cristologia e na pneumatologia. Mas as experiências de Deus na
comunhão com Cristo ultrapassam essa teologia porque nelas a habitação de Deus
recebe um corpo, um nome e uma forma: Jesus de Nazaré. Da manjedoura à cruz, Jesus
experienciou o desabrigo e a falta de pátria, o abandono e a exclusão. O
criador não apenas permite que sua criatura exista, mas entra em sua criação,
envolve-se com ela para morar nela, ou seja, para nela repousar e permanecer. Deus
se faz espaço de morada de suas criaturas e, ao mesmo tempo, entra em sua
criação, a fim de torná-la seu espaço de morada. Isso corresponde à perichoresis em sua forma cristológica:
é uma habitação recíproca de desiguais, não de iguais. O mundo habita em Deus
de forma mundana, e Deus habita no mundo de forma divina. Eles se
interpenetram, sem se destruir.
E qual é a
consequência dessa decisão de Deus? O autor apresenta uma confrontação atual prática
com as questões do espaço. De um lado, o grande projeto da modernidade, a
viagem espacial para outras estrelas. De outro, os milhões de migrantes sem
pátria e sem teto, que não encontram lugar para viver nesse planeta. Uma é
prodígio da ciência e da técnica modernas, a outra é o maior escândalo da
superpopulação humana da Terra e de uma política desumana.
Os que buscam a
viagem cósmica sentem-se sozinhos na Terra, ou talvez buscam uma “segunda
Terra” na qual se estabelecer quando o espaço vital se lhes tornar muito
estreito neste planeta. Paradoxalmente, os outros, os que estão na rua não têm
espaço, não têm pátria nem teto, ficam inquietos e estrangeiros num mundo que
lhes é hostil. Os milhões de pessoas em países do terceiro mundo que se
tornaram migrantes são o reflexo de uma política de desalojamento associal.
Sem espaço
ninguém pode viver. Então, a situação das pessoas na rua, os espaços fechados
das celas de prisão e dos campos de trabalho forçado, também não expulsa de
nosso mundo, juntamente com essas “pessoas supérfluas”, o “Deus que habita”, o
Deus da shekinah, e Jesus, o Filho do Homem “sem pátria”? A comunidade cristã
se tornará uma “habitação de Deus no
Espírito” (Ef 2,22) e criará lugares convidativos para o Filho do Homem
presente nos “famintos, sedentos, estrangeiros, nus, doentes e presos” (Mt
25,35-36): pátria para o Deus sem pátria neste mundo?
Resumo de:
MOLTMANN, Jürgen. Deus e espaço. In: ______. Ciência e sabedoria. São Paulo: Loyola, 2007. cap. 8, p.145-162, como
atividade de PIBIC, bolsa da FAPEMIG, realizado por Gonzalo Benavides Mesones,
estudante de Teologia da FAJE, Faculdade Jesuíta, sob orientação do prof.
Afonso Murad.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Coloque aqui seu comentário