Frei
Sinivaldo Tavares
Transcendente e imanente, na
perspectiva cristã, se relacionam de maneira inusitada e deveras singular. Não
seguem padrões dualistas típicos de tradições religiosas antigas nem de
clássicas escolas de pensamento. No Ocidente, por exemplo, transcendente e
imanente foram concebidos quase sempre como separados e opostos entre si. A
alternativa a esta posição hegemônica acabou deslizando para o polo oposto: a
fusão entre ambos, causando assim uma verdadeira confusão entre transcendente e
imanente de modo a se sacrificar toda e qualquer distinção entre ambos.
Esta clássica polarização entre
transcendente e imanente acabou gerando uma específica configuração: de um
lado, temos as distintas formas de monoteísmo rígido com suas correspondentes
cosmologias que desqualificam tudo o que é natural, histórico, humano e
material. De outro, todavia, temos as conhecidas expressões de panteísmo que
confundem criador com criatura, ocasionando uma série de incongruências.
Ao professar a fé no Deus trino e
uno, as comunidades cristãs propiciam uma peculiar relação entre Transcendente
e imanente. A profissão de fé no Deus Pai criador salienta o caráter
absolutamente transcendente do Deus trino e uno. Ele é o criador absoluto, que
cria sem pressupostos e sem condições, e, portanto, o Senhor de tudo quanto
existe, selando assim sua irredutível transcendência face ao caráter
contingencial de suas criaturas.
A profissão de fé no Filho unigênito
de Deus que se encarnou, sublinha a singela solidariedade de Deus para com suas
criaturas. O próprio Deus, na pessoa de seu Verbo encarnado, penetra no mais
íntimo de uma de suas criaturas – o ser humano concreto e circunstanciado, Jesus
de Nazaré – e, assim fazendo, instaura laços de profunda solidariedade com cada
uma e com todas as criaturas. É o evento da mais radical irrupção do Todo no
fragmento, da emergência do transcendente a partir do âmago mesmo da imanência.
A profissão de fé no Espírito Santo,
como evento da interiorização do próprio Deus no coração mesmo da matéria, da
história, da corporalidade de suas criaturas, acena para a revelação do Deus
trino e uno como a interioridade mais íntima do cosmos, da história e da vida
de cada uma e de todas as criaturas. Ocorre, portanto, dialetizar
transcendência e imanência através da consideração do evento da interiorização
do próprio Deus no coração mesmo da matéria, da história e dos corpos de suas
criaturas. O evento da interioridade de Deus, mediante Seu Espírito, no coração
mesmo de suas criaturas, impede toda e qualquer bipolaridade rígida e
excludente entre transcendência e imanência.
A profissão de fé no Deus trino e
uno propicia aos cristãos, portanto, uma peculiar relação entre transcendente e
imanente: nem pura transcendência, nem mera imanência, mas a celebração da
transparência divina na trama da Criação.
Fonte: Conclusão do artigo publicado
em Rev. Pistis Prax., Teol. Pastor., Curitiba, v. 1, n. 2, p. 339-354
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Coloque aqui seu comentário