domingo, 7 de setembro de 2014

A transparência divina na trama da criação

Frei Sinivaldo Tavares

Transcendente e imanente, na perspectiva cristã, se relacionam de maneira inusitada e deveras singular. Não seguem padrões dualistas típicos de tradições religiosas antigas nem de clássicas escolas de pensamento. No Ocidente, por exemplo, transcendente e imanente foram concebidos quase sempre como separados e opostos entre si. A alternativa a esta posição hegemônica acabou deslizando para o polo oposto: a fusão entre ambos, causando assim uma verdadeira confusão entre transcendente e imanente de modo a se sacrificar toda e qualquer distinção entre ambos.
Esta clássica polarização entre transcendente e imanente acabou gerando uma específica configuração: de um lado, temos as distintas formas de monoteísmo rígido com suas correspondentes cosmologias que desqualificam tudo o que é natural, histórico, humano e material. De outro, todavia, temos as conhecidas expressões de panteísmo que confundem criador com criatura, ocasionando uma série de incongruências.

Ao professar a fé no Deus trino e uno, as comunidades cristãs propiciam uma peculiar relação entre Transcendente e imanente. A profissão de fé no Deus Pai criador salienta o caráter absolutamente transcendente do Deus trino e uno. Ele é o criador absoluto, que cria sem pressupostos e sem condições, e, portanto, o Senhor de tudo quanto existe, selando assim sua irredutível transcendência face ao caráter contingencial de suas criaturas.

A profissão de fé no Filho unigênito de Deus que se encarnou, sublinha a singela solidariedade de Deus para com suas criaturas. O próprio Deus, na pessoa de seu Verbo encarnado, penetra no mais íntimo de uma de suas criaturas – o ser humano concreto e circunstanciado, Jesus de Nazaré – e, assim fazendo, instaura laços de profunda solidariedade com cada uma e com todas as criaturas. É o evento da mais radical irrupção do Todo no fragmento, da emergência do transcendente a partir do âmago mesmo da imanência.

A profissão de fé no Espírito Santo, como evento da interiorização do próprio Deus no coração mesmo da matéria, da história, da corporalidade de suas criaturas, acena para a revelação do Deus trino e uno como a interioridade mais íntima do cosmos, da história e da vida de cada uma e de todas as criaturas. Ocorre, portanto, dialetizar transcendência e imanência através da consideração do evento da interiorização do próprio Deus no coração mesmo da matéria, da história e dos corpos de suas criaturas. O evento da interioridade de Deus, mediante Seu Espírito, no coração mesmo de suas criaturas, impede toda e qualquer bipolaridade rígida e excludente entre transcendência e imanência. 

A profissão de fé no Deus trino e uno propicia aos cristãos, portanto, uma peculiar relação entre transcendente e imanente: nem pura transcendência, nem mera imanência, mas a celebração da transparência divina na trama da Criação.


Fonte: Conclusão do artigo publicado em Rev. Pistis Prax., Teol. Pastor., Curitiba, v. 1, n. 2, p. 339-354

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