No capítulo XI
de seu livro Ciência e Sabedoria, Jürgen
Moltmann apresenta de modo sucinto a biografia de Giordano Bruno e os traços
básicos de sua visão de mundo e de homem.
Giordano Bruno
nasceu em 1548 em Nola, província de Nápoles. Em 1565 entrou no mosteiro
dominicano em Nápoles. Foi ordenado padre em 1572, época da qual procede sua
formação de filosofia da natureza antiga e humanista. Em 1576, a partir de uma
ata secreta, foi levantada contra ele, junto à Inquisição, uma acusação por
causa de dúvidas quanto à fé e de uma tendência à poesia lasciva.
Para evitar o
processo judicial, Bruno fugiu e procurou refúgio nos centros intelectuais
europeus dessa época. Em 1579 chegou a Gênova, o asilo de fugitivos evangélicos
de toda a Europa. Em seguida se mudou para Toulouse onde conquistou o mais alto
grau académico (venia legenda) em
teologia e começou uma atividade bem-sucedida de professor. Em 1581 se mudou
para Paris, onde ganhou grande reputação como professor e por seu livro sobre a
arte da memória. Em 1583 se transferiu para Londres e deu cursos em Oxford
sobre a cosmologia de Copérnico. Na Inglaterra tolerante dessa época publicou
suas obras cosmológicas.
Em 1585 voltou
à França e foi convidado para lecionar na Universidade luterana de Wittenberg.
Em 1589 exerceu a docência na universidade luterana em Helmstedt e escreveu sua
principal obra sobre cosmologia, De
monado, numero et figua liber. Em 1591 lecionou em Zurique. Na época já era
uma celebridade europeia. Mas depois recebeu o convite traiçoeiro e fatídico de
Giovanni Mocenigo para ir a Veneza. Este o denunciou à Inquisição, que o
prendeu em 1592. Em 1593 foi transferido à prisão do Santo Ofício em Roma.
Graças a uma defesa habilidosa e uma certa irresolução dos inquisidores, seu
processo se estendeu por mais de sete anos.
As acusações
contra ele eram difusas. Sua defesa afirmou que ele era filósofo, não teólogo,
e que argumentara de acordo com o entendimento natural, não com a fé. Em 1600
Bruno foi condenado e queimado vivo.
Já em 1543 tinha
aparecido a obra de Copérnico sobre Os
movimentos circulares dos corpos celestes, que causou a dissolução da
mundivisão geocêntrica. Mas Giordano Bruno foi o primeiro a reconhecer o
alcance dessa descoberta e a tirar as consequências para a teologia. Bruno
aboliu todo centrismo e teve a coragem de pensar a infinitude do universo e a
relatividade do centro e dos limites. “No universo não há nem centro, nem
circunferência, mas se quiseres, em tudo há um centro e qualquer ponto pode
valer como centro de qualquer circunferência” (De l’infinito, 5,2). Único é apenas o céu, o espaço incomensurável.
Desse espaço e dos corpos que nele se encontram resulta o universo como um todo
conexo. Se há no espaço esse mundo, então naquele espaço pode haver outros
mundos, e em incontáveis outros espaços incontáveis outros mundos.
Como compaginar
a absoluta infinitude de Deus com essa infinitude do universo incomensurável?
Como se relaciona a unidade de Deus
com essa multiplicidade dos mundos?
Bruno procurou esclarecer as diferenças entre Deus e universo: Deus é o
delimitador, o mundo o delimitado. O Mundo é infinito, Deus o abrange no
sentido da inteireza perfeita e do ser total no universo. O universo não tem
uma infinitude absoluta, mas dimensional. A infinitude cósmica e a divina não
se contradizem. Bruno não introduz Deus no mundo, mas faz luzir o mundo em
Deus. Se o mundo é incomensurável e dimensionalmente infinito, a divindade, na
medida em que é, deve ser maior. O conceito de Deus é, portanto, irrenunciável.
Mas a divindade
não apenas abrange tudo, mas é também o ser total em cada indivíduo. Deus é o
máximo e o mínimo ao mesmo tempo. Se o mínimo geométrico é o ponto, e o mínimo
físico é o átomo, o mínimo metafísico é a mônada. Todas as coisas são
construídas dessas unidades básicas. Elas formam a unidade real do mundo, pois
a divindade é a monas monadum.
No entanto, o
universo de Bruno é pensado de forma organológica, o que o faz retomar a
doutrina estóica de alma do mundo, também familiar para os Padres da Igreja: a
alma do mundo, que vivifica e move tudo, é a dinâmica divina do universo. Isso
resultou na concepção de um mundo que é um organismo vivo. A unidade que atua
em toda parte é Deus.
Para Bruno, o
ser humano não é mais o centro de um mundo criado por causa dele, mas
justamente por isso, pode e deve escolher livremente o centro e criar, ele mesmo, sua orientação. Em
face do universo incomensurável, o homem descobre sua própria dignidade e
grandeza. Ele é o “herói apaixonado”, aquele que percebe a profunda harmonia
com o universo: no finito ele se torna um com o infinito. Torna-se um com
aquilo que torna o mundo intimamente ligado.
O diálogo
teológico com Bruno deve ocorrer hoje sob a impressão da crise ecológica,
provocada pela visão de mundo mecanicista e pela civilização
técnico-científica. O pressuposto metafísico para o desenvolvimento dessa visão
do mundo foi retirar a alma do mundo. A concepção masculina de domínio
desalojou a antiga imagem feminina do mundo organicamente animado. Nesse
sentido, a meta não é mais o “herói apaixonado” que no espírito divino se torna
um com o universo, mas o homem que, pela ciência e pela técnica, se torna
senhor e dono da natureza.
Para que a
natureza e a humanidade convivam nesta terra, elas precisam chegar a uma nova
comunhão. Os humanos devem novamente se integrar às condições delimitadoras
cósmicas da terra. Por isso é necessário e sensato desenvolver novas concepções
do organismo “Terra”.
O fundamento
metafísico para tal concepção “pós-moderna” organológica da natureza da terra é
uma nova compreensão para a atuação do espírito divino em todas as coisas. O
fundamento teológico para a superação da religião de domínio unilateral do
homem na sociedade moderna é a redescoberta da imanência de Deus no mundo. No
espírito da criação, que chama à existência todas as coisas e é a vida
vivificante para todos os seres vivos. Deus, o Criador, põe toda a sua alma em
cada uma de suas criaturas e se comunica a todas elas em seu amor ilimitado. O
criador que se comunica está presente em todas as suas criaturas graças a seu
Espírito, de modo que são elas capazes de amar e de louvá-lo. Apenas quando
Deus permanece Deus, sua imanência no mundo ocasiona a autotranscendencia de
todos os sistemas de vida abertos, provocando também evolução e entrelaçamento cada vez mais complexo em
relações comunitárias, porque nela reside aquele “mais” que ultrapassa qualquer
estado.
Resumo de:
MOLTMANN, Jürgen. Que Deus seria que apenas empurrasse de fora, e com os dedos
fizesse girar o universo?” O caso Giordano Bruno. In: ______. Ciência e sabedoria. São Paulo: Loyola,
2007. cap. 11, p.207-220, como atividade de Iniciação Científica, bolsa da
FAPEMIG, realizado por Gonzalo Benavides Mesones, estudante de Teologia da
FAJE, Faculdade Jesuíta, sob orientação do prof. Afonso Murad.
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