No capítulo 5 de seu livro “Ciência e Sabedoria” (Ed.
Loyola), Jürgen Moltmann aborda o tema das perspectivas escatológicas da
teologia cristã para o futuro do universo. Ele pergunta: as escatologias humana
e cósmica podem ainda hoje ser pensadas juntas e harmonizadas? Para dar uma
resposta, o autor coloca a escatologia cristã, de forma crítica e autocrítica,
no contexto da astrofísica moderna. Como nos capítulos anteriores, Moltmann
segue a proposta da “teologia natural”, segundo a qual os conhecimentos
natural-científicos nos dizem algo sobre Deus, e as visões teológicas algo
sobre a natureza.
A teologia adquire horizonte escatológico a partir da
experiência especial de Deus (root-experience),
isto é, dos acontecimentos em que Deus se “revela” e que conferem às
comunidades humanas sua identidade religiosa. Essas “experiências de raiz”
contêm, desde o início, horizontes experienciais gerais e expectativas futuras
universais, pois são experiências temporais do Deus eterno.
Para o judaísmo, a experiência raiz é o Êxodo, em cujo
horizonte o Deus que liberta Israel é percebido como o “criador” de todas as
coisas em todas as coisas. Essa crença na criação dessacralizou e desencantou o
mundo, e também o abriu para a intervenção científica e técnica do ser humano.
Já no cristianismo, a experiência raiz é Cristo, sua morte e ressurreição.
Nesse horizonte, o Deus que tirou Cristo da morte é percebido não apenas como
criador, mas como consumador de todas as coisas. Na compreensão do evento
singular da ressurreição de Cristo já estava presente o horizonte escatológico
universal. A nova criação já começa no meio da velha. O desenvolvimento da
escatologia cristã representa as dimensões cósmicas do acontecimento Cristo.
As tradições bíblicas estão baseadas num princípio
antrópico, quer dizer, na concepção do ser humano como centro da criação e na
coincidência do fim deste mundo com o fim da humanidade. Mas, hoje sabemos que
a humanidade como um todo é mortal e que o universo num futuro longínquo pode
ser um universo sem pessoas. Essa constatação questiona o sentido da
escatologia humana.
Se se introduz o princípio cósmico nessa antropologia,
surge outra imagem. Vemos não apenas o universo no ser humano e o ser humano
como o sistema supremo, complexo e autoconsciente que conhecemos, mas também o
ser humano no universo e o universo como o mais amplo contexto para o
desenvolvimento das possibilidades humanas. Nessa perspectiva, o futuro do
universo não estaria atrelado ao futuro do ser humano, mas o futuro do ser
humano é que seria integrado ao futuro do universo.
Atualmente, conscientemente ou não, o ser humano
procura vencer a morte e viver o máximo possível, mas, um futuro infinito da
vida e do universo como hoje os conhecemos, é realmente desejável? Se a morte e
o tempo fossem superados, não haveria mais nada de novo, então, um mundo sem
fim seria o fim do mundo.
As concepções de um “fim do mundo” pressupõem que este
mundo é temporal e tem um começo e um fim com o tempo, que o universo está num
movimento singular chamado “história”. Teologicamente, as concepções
“milenaristas” do fim do mundo falam de uma meta (telos) do desenvolvimento do cosmos. Por outro lado, as concepções
“apocalípticas” falam de um fim (finis)
da história cósmica. Na escatologia cristã sempre está presente uma combinação
de ambas as ideias, fim e começo, pois a escatologia só pode ser considerada
cristã se se orienta pelo evento do Êxodo de Israel e pelo acontecimento de
Cristo. O cativeiro de Israel e a morte de Cristo são protótipos da catástrofe.
A saída para a liberdade da Terra Prometida e a ressurreição para a vida eterna
do mundo vindouro são protótipos do novo começo.
A destruição do
mundo (annihilatio mundi),
pregada pelos luteranos no séc. XVII e pelos “aniquilacionistas” evangélicos
modernos, anuncia a destruição como destino final do universo. Sua pregação diz
que anjos e crentes se entregarão totalmente à visão beatífica de Deus “face a
face”, de modo que não mais precisem deste mundo criado (2Pe 3,10.12; Ap 2,11;
Ap 21,1). Em outras palavras, o fim da criação é um movimento da existência
para o não-ser.
Por outro lado, a transformação
do mundo (transformatio mundi)
representa a expectativa teológica geral que espera a mudança do universo do
estado agora observável para um estado qualitativamente novo. Pregada pelos
calvinistas e a teologia católica da Idade Média, vê na fidelidade de Deus o
fundamento transcendente da criação e a garantia divina de duração para o
universo. A forma do velho mundo são pecado, morte e transitoriedade; a forma
do novo mundo são justiça, vida eterna e imperecibilidade.
A deificação do
cosmos (deificatio mundi) pregada
pela teologia ortodoxa considera que a pessoa humana e a natureza da Terra
formam uma unidade, portanto, o que é prometido à pessoa humana vale também
para o planeta e o cosmos. Se a escatologia humana e a cósmica constituem uma
unidade, não há futuro humano sem o futuro do universo. O cosmos é salvo se a
humanidade é salva, e vice-versa.
A concepção escatológica do futuro do universo
diferencia sua história em duas fases: o “tempo deste mundo” (tempo do mundo
transitório) e o “tempo do mundo futuro” (tempo de um mundo permanente e
eterno). Ela também distingue a realidade em “Terra” (mundo visível, singular)
e “Céus” (mundo invisível, plural). O tempo da “Terra” é o chronos com sua estrutura temporal irreversível do vir-a-ser e do perecer;
o tempo dos “Céus” é o aion, aevum com estrutura temporal reversível
do círculo do tempo.
O ser eterno de Deus se distingue da terra e dos céus
e seu tempo é a eternidade. Isso não quer dizer tempo sem fim, nem
atemporalidade, mas potência temporal. A eternidade do Criador em si deve ser
vista na anterioridade, simultaneidade e posterioridade dele. Sua eternidade se
determina com poder do futuro para o tempo irreversível: há, por conseguinte,
futuro passado, futuro presente e futuro futuro.
As consequências desses pressupostos para a
compreensão do universo cientificamente explorável são:
a) Consequências negativas: o universo visível não é divino, não mostra
qualidades divinas nem é celeste. É passageiro, temporal e contingente.
b) Consequências positivas: o universo visível é temporal, contingente e
finito, mas tem um futuro eterno, permanente e infinito no universo futuro,
novo. O mundo futuro, novo, trará aquilo de que sentimos falta neste mundo
finito: a presença eterna de Deus e a participação nas qualidades dessa
presença divina, ou seja, aquilo que tem sentido em si mesmo.
Então, a
passagem “deste mundo” para o “mundo futuro” é uma transformação universal
“deste mundo” (Ap 21,4: “Eis que faço novas todas as coisas”). Tudo o que é
criado, que foi, é e será aqui deverá ser feito “novo”. O mundo futuro, novo,
eterno deve ser a nova criação deste mundo que conhecemos. Não se pode dizer
quando isso acontecerá, pois esse momento escatológico precisa ser também o fim
do tempo irreversível, não podendo portanto cair neste tempo. Ante a eternidade
de Deus que aparece no momento escatológico, todos os tempos ficam simultâneos.
O momento escatológico põe fim ao tempo linear e assume um elemento do tempo
cíclico. Não ocorre um eterno retorno do mesmo, mas um retorno único de todas
as coisas.
Esse modelo escatológico para o “futuro do universo” é
o único modelo que percebe um futuro para o passado, exprime esperança para os
mortos e descobre futuro para os diferentes estágios do universo.
Resumo de: MOLTMANN, Jürgen. Perspectivas
escatológicas para o futuro do universo. In: ______. Ciência e sabedoria. São Paulo: Loyola, 2007. cap. 5, p. 95-114,
como atividade de PIBIC, bolsa da FAPEMIG, realizado por Gonzalo Benavides
Mesones, estudante de Teologia da FAJE, Faculdade Jesuíta.
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