segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Tarefas ecológicas das religiões (1)

Segundo Marcial Maçaneiro, “as religiões interpretam a condição terrena e cósmica da humanidade e nos levam a perceber que somos membros de uma comunidade planetária”. Ele aponta sete tarefas das religiões para a ecologia. Nosso blog partilha esta reflexão com você. Vejamos a primeira tarefa das religiões em relação à ecologia: Desenvolver a consciência ecológica de seus seguidores
Traçando as coordenadas cósmicas e terrenas do ser humano, as religiões cumprem uma função pedagógica: situam a pessoa “dentro” e “em relação” com o universo, o planeta, com a vida enfim. Inserir as pessoas nesta relação é um processo educativo. A vida (mineral, vegetal, animal e sideral, com suas múltiplas imbricações) se afirma como peça irrenunciável do cenário religioso. Aliás, o cenário religioso é o próprio cenário vital, enquanto lugar de manifestação do sagrado. Assim, o religioso dimensiona o físico e o biológico, o terrenal e o sideral, o espacial e o cronológico, ampliando a percepção da realidade e ajudando o ser humano a “dizer-se” no mundo.
Nisto constatamos a irradiação numinosa do sagrado, que se mostra e se esconde nas coisas, inserindo-se e superando a natureza, mas nunca ignorando ou desrespeitando-a. Quando uma religião inclui no cenário hierofânico o sujeito humano, educa-o à relação com o sagrado, que, por sua vez, se manifesta na natureza.
O sol, a lua e os planetas; as florestas, cavernas e montanhas; o voo da águia e a brandura do cordeiro; a semeadura e a colheita; o pão, o vinho e o mel; o óleo e o fogo que crepita: tudo isso é sagrado aos olhos do Homo religiosus, porque tudo isso sustenta a vida presente e futura.
Inserir-se na natureza, relacionando-se por ela com o sagrado, é fonte de consciência e valoração da própria humanidade e das demais criaturas. Temos, assim, uma consciência ecológica de raiz “religiosa” — no duplo aspecto de religar imanência e transcendência (religare) e reler a realidade à luz do sagrado (relegere).
Muitos autores acreditam que este olhar sagrado sobre si mesmo e a natureza contribui para o crescimento da consciência ecológica das pessoas. Diante do desmatamento, da escassez de água e do envenenamento do ar, a consciência religiosa pode converter-se em consciência ecológica. Quando um sujeito considera sagradas as florestas, supõe-se que mais se indignará com o desmatamento irracional.
Quanto mais a água for sagrada para um povo, mais deverá ser mantida limpa. Nas culturas a religião informa a ecologia; a ecologia informa a religião. Pois a consciência ecológica de fundo religioso supõe uma oferta anterior da natureza à religião. É uma construção dialógica, em oferta recíproca: a natureza se oferece na sacralidade; a sacralidade se oferece na natureza. Nesse sentido as concepções de sacralidade podem contribuir para que o ser humano participe responsavelmente do diálogo entre religião e natureza, como hermeneuta (sujeito que interpreta o sagrado na natureza), parceiro (que se põe do lado da vida, irmanado com as criaturas), ou jardineiro (que cultiva a vida pela aplicação diaconal de sua inteligência e habilidades).
Observamos ainda que a participação da pessoa nesse diálogo corresponde a uma antropologia, a uma visão de humanidade que existe na, com a da Natureza(= consciência antropológica), ainda que o ser humano se veja distinto das demais criaturas por sua racionalidade (= consciência espiritual). Afinal, distinção significa peculiaridade (biológica, moral ou ontológica), mas não implica necessariamente divisão e muito menos oposição.
Em muitas tradições religiosas a distinção do ser humano em face das demais criaturas só aumenta a sua dependência, reciprocidade ou responsabilidade por elas. As religiões trazem consigo uma antropologia de tipo eco-religioso, pois insere o ser humano no diálogo entre o sagrado e a natureza, definindo seu lugar e sua responsabilidade entre, com e diante das criaturas. Isso se verifica nas tradições abraâmicas (Francisco de Assis, Hildegard de Bingen, Teilhard de Chardin), hindoorientais (Trimurti, Krishna, Buda) e afro-brasileiras (orixás da Natureza).

Texto de Marcial Maçaneiro. Na próxima semana, a segunda tarefa: Participar da elaboração de uma epistemologia ambiental

2 comentários:

  1. Paulo Martins - Gestão Pastoral


    Excelente texto do Marcial.

    Penso que o despertar da Consciência Ecológica é um grande passo para uma mobilização em prol da vida do/no Planeta. Se as diversas matrizes religiosas se mobilizassem na perspectiva da Educação Ambiental, aproveitando toda tradiçao que já têm e fizessem uma leitura da realidade a partir do sagrado, contemplando a Deus, a energia, a arche, o axé no cosmos teriamos uma grande movimentaçao ecológica.

    Sentir-se parte do plante, responsavel por ele, filho desta grande "casa" passa a ser, na atual conjuntura, um papel das religios que nos ajudam a nos re-ligarmos ao nosso criador, à nossa essência. O que nos permite não olharmos para as demais criaturas com olhar de desprezo ou de utilitarismo, mas como complementares dentre dessa grande teia da vida.

    Obrigado pela partilha deste texto. Aguardo os próximos.

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  2. Despertar par ama consciência planetária que leve ao cuidado do planeta é de responsabilidade de todas as instituições. Acredito que a que tem o principal dever de fazer isso é a instituição religiosa com os meios de comunicar-se com seus fiéis fazendo-os se mobilizarem em pequenas e grandes ações em prol dom meio ambiente e no direito a terem uma melhor qualidade de vida.
    Ter uma visão religiosa da criação de Deus deve nos levar a sentirmos parte de toda a criação e responsáveis pela casa que habitamos cuidando, cultivando e preservando.

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