No seu texto “Teólogos e cientistas naturais no caminho
da sabedoria”, o teólogo Jürgen Moltmann reflete sobre a colaboração entre
as ciências naturais e a teologia partindo da seguinte pergunta: Em que áreas as ciências naturais e as
religiões se encontram e travam um diálogo produtivo visando a uma cooperação
benéfica à vida?
Segundo ele, o diálogo
entre a ‘ciência natural pura’ e ‘teologia científica’ tem um sucesso limitado
por dois motivos. Primeiro, porque ele não promete nenhum ganho de conhecimento
aos cientistas naturais em seu próprio campo; e segundo, porque falta a muitos
cientistas e teólogos a filosofia como plano mediador. Como consequência, muitas
vezes se usam conceitos que não são refletidos criticamente e, por isso, não
são compreendidos. Nesse sentido, para conseguir uma influência recíproca de
ciência natural e teologia científica podem se procurar planos mediadores numa
abrangente teoria filosófica da ciência ou numa hermenêutica geral da história.
Isso permitiria assimilar e interpretar experiências da natureza como
experiências transcendentes.
Tentativa interessante nessa
direção é feita pelos cientistas incentivados a elaborar pensamentos religiosos
sem vinculá-los à determinada religião, e também pelos teólogos que, por causa
e para além de sua teologia, tem pensamento científico-natural. Mas nem sempre é
fácil achar a harmonia desejada entre a experiência científica da natureza, que
é universal, objetiva e repetível e a experiência religiosa, que é comunitária,
subjetiva e irrepetível. Diante dessa dificuldade, Moltmann se pergunta se não seria
esse conceito amplo e multívoco de experiência
um plano mediador para o geral e o particular, o regular e o contingente.
Outra tentativa
consiste nos esforços para relacionar ‘ciências naturais’ e ‘ética’. Moltmann
afirma que a pesquisa científica é, sem dúvida, objetiva, mas não “livre de
valores”, já que ela se submete a determinados interesses na sociedade. Nesse
sentido, o ethos inerente do
progresso técnico-científico tem sua própria dinâmica e, infelizmente, no seu
desenvolvimento, no lugar do velho otimismo do progresso entrou o fatalismo,
que não permite, no fundo, nenhuma alternativa ética. Por isso, as ciências
naturais, em especial as biociências, devem ser compreendidas em seu contexto
econômico-social (complexo
científico-técnico-industrial). Então, perguntar-se se esse complexo é
sábio, quer dizer, se está a serviço da vida.
Outro intento de
articular ciência natural e teologia no contexto da vida comum é efetuada no
plano da sabedoria, seguindo a
tradição antiga para a qual todo saber está incrustado na sabedoria da vida. A phrónesis ou sabedoria prática abarca saber
e moral, de modo que o ser humano aprende a lidar sabiamente com seu
conhecimento e a relacionar de modo realista sua moral à realidade conhecida. É
somente pelas experiências, positivas e negativas, que ficamos sábios, enquanto
permanecemos interessados pela vida.
A revolução científica
moderna desvinculou as ciências desse contexto amplo e compreendeu a razão
científica como “razão instrumental”, isto é, como poder sobre a natureza e sobre
a vida própria, ocasionando a emancipação e separação das ciências naturais da
sabedoria. Uma teologia emancipada da sabedoria se fundamenta total e
exclusivamente na auto-revelação de Deus ou na autocerteza da fé, e em
consequência do conflito “razão-revelação” surge a controvérsia sobre a justiça
ou injustiça da “teologia natural”.
O autor sustenta que não
deve haver concorrência entre teologia da revelação e teologia natural. Por um
lado, a teologia natural, por meio da qual o ser humano se torna sábio, reconhece Deus como criador a
partir da mesma criação. Por outro lado, é pela teologia da revelação, que se oferece
o conhecimento da revelação de Deus, do Salvador, que o ser humano se torna bem-aventurado. Então, sendo ambas as
teologias complementares, se deduz que a fé e a razão podem habitar a mesma
casa da sabedoria e contribuir, cada uma a seu modo, para a construção desse
edifício, numa cultura com experiência de vida.
Na procura da sabedoria,
o ser humano descobre e aprende. São necessárias as observações e os experimentos
das ciências naturais, não apenas para colher informações, mas também para
aprender com a sabedoria que é inerente à natureza. Pois existe um complexo
processo de aprendizagem do ser vivo e uma antiquíssima memória armazenada na
estrutura da matéria e nos estágios do orgânico. Uma ciência intervencionista, que
não procura a sabedoria, mas unicamente saber o que se pode “fazer” com o
objeto conhecido ou como modificá-lo para ser útil, emudece a natureza e
emburrece o ser humano.
Moltmann conclui que a
busca pela sabedoria da vida humana cria um diálogo entre a sabedoria natural
descoberta e a sabedoria humana a ser aprendida. A sabedoria humana procurará a
conciliação entre a cultura humana e os ecossistemas da Terra, cuja meta é um
acordo com a natureza que lide de forma inteligente com a vida. Esse acordo
começa com o respeito à antiquíssima memória da vida nos processos naturais e a
“reverência à vida” como o mandamento supremo que deriva do “direito à vida”.
Resumo de: MOLTMANN,
Jürgen. Teólogos e cientistas naturais no caminho da sabedoria. In: ______. Ciência e sabedoria. São Paulo: Loyola,
2007. p. 41-47, como atividade de PIBIC, bolsa da FAPEMIG, realizado por
Gonzalo Benavides Mesones.
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