segunda-feira, 4 de junho de 2012

A dor da seca e das cercas no nordeste

Frei Gilvander Moreira

Início de junho de 2012, no sertão da Bahia, depois de tantas promessas com o projeto da transposição do Rio São Francisco. Uma criança de nove anos, com uma irmãzinha menor no colo, carrega um balde de água na cabeça, servida por um caminhão pipa. A mãe foi para São Paulo para trabalhar de doméstica e envia, mensalmente, o pouco que ganha para a família. Eis uma cena que nos leva às lágrimas. Mais uma vez a seca está campeando no semi-árido brasileiro. Quem tem coração chora ao ver e sentir as agruras dos pobres e animais sem água. Estudos do Instituto de Atividades Espaciais – IAE -, de São José dos Campos, SP, prevê, através do “Prognóstico do Tempo a Longo Prazo”, que a cada 26 anos ocorre uma grande seca em todo o semi-árido brasileiro. Grave é que esta seca instalada agora promete durar todo o ano de 2012 e também por todo o ano de 2013 (...)

Nesse árduo contexto, participamos na cidade de Januária, norte de Minas, de 25 a 27 de maio de 2012, do III Encontro popular da bacia do rio São Francisco, promovido pela Articulação Popular São Francisco Vivo.  Participaram dezenas de representantes das lutas de defesa do Rio, do povo e de todo seu bioma, lutas que estão em curso na Bacia Sanfranciscana - de Minas, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. Foi um encontro de resistência. Foi reconfortante (re)encontrar tantas pessoas militantes da mesma causa: a do rio São Francisco, do seu povo e de toda a biodiversidade existente na grande bacia do Velho Chico. Que beleza perceber que os povos tradicionais – quilombolas, indígenas, geraizeiros, vazanteiros, comunidades de fundo e fechos de pasto, pescadores, ribeirinhos – estão firmes resistindo aos projetos capitalistas. Resistem para continuarem existindo!

Visitamos algumas aldeias do povo indígena Xacriabá, no município de São João das Missões, MG. Foi emocionante constatar como os nossos parentes indígenas têm uma mística/espiritualidade que os move a conviver com a terra, as águas e toda a biodiversidade com uma postura de veneração pelo divino que está em todos e em tudo. Os Xacriabás estão lutando pela conquista de seu território integral. Cerca de 50 mil hectares de seu território ainda continuam grilados. Visitamos também três comunidades do Rio dos Cochos que, com o apoio da Cáritas, há mais de dez anos, estão revitalizando o Rio dos Cochos. Com os frutos do cerrado fazem suco, doces, remédios, renda familiar. Fizeram barraginhas com lombadas para contenção das enxurradas e aproveitamento das águas pluviais. Replantaram matas ciliares, tendo, inclusive, matas ciliares doadas para a universidade fazer pesquisa. Recuperaram nascentes e as preservam. Cobram políticas públicas de saneamento e de preservação ambiental em toda a região.

Na análise da conjuntura ficou claro que a Transposição das águas do rio São Francisco vai de mal a pior. Obras paradas com rachaduras, um grande número de famílias expulsas de suas casas, povo desiludido. As promessas estão se revelando falsas, conforme denunciou com autoridade o bispo dom Luiz Flávio Cappio. “Várias construtoras largaram a Transposição e foram fazer obras da COPA. Exigem aditivos contratuais acima de 40%. Quem acreditou na propaganda da transposição está desiludido. Cadê os empregos? Demissões estão acontecendo aos montes”, denuncia padre Sebastião Gonçalves, da Diocese de Floresta, PE. Todos os que estão participando do Projeto de Convivência com o semi-árido dizem: “O problema do Nordeste não é a seca, mas são as cercas do latifúndio, do hidro e agronegócio, da indústria da seca que se compõe de obras faraônicas tal como a Transposição do Velho Chico, a Transnordestina, as monoculturas, grandes projetos para exportação.”

Após muitas trocas de experiências, palestras, debates e planejar a continuidade da luta, o Encontro encerrou-se nas águas do Velho Chico, onde os indígenas cantaram e todos, em duplas, se “batizaram” nas águas que clamam por revitalização. Assim, revigorados na esperança e conspirando uma causa justa e sublime voltaram para suas bases, os de Alagoas e de Sergipe tendo que pegar 36 horas de viagem. Voltaram para suas bases com o compromisso com a luta reafirmado. Lá nas bases, sobretudo os que estão no Nordeste, sabem que a cena acima apresentada, uma criança de nove anos com a lata de água na cabeça e uma irmãzinha no colo tem sido as cenas do dia-a-dia, com a falta de chuva e de políticas públicas que priorizem, de fato, a convivência com o semiárido.

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